68ª Berlinale | Dia 3 “Damsel”
Os irmãos David e Nathan Zellner, (EUA) apresentaram ontem na competição “Damsel”, uma revistação do western, mas de forma pouco convencional, com as estrelas Robert Pattison e Mia Wasikowska, que está a fazer o papel de uma mulher de armas.
Não percebi porque “Damsel”, dos irmãos David e Nathan Zellner (“Kumiko, The Treasure Hunter”, 2014), — talvez dois dos maiores símbolos da nova geração de cineastas independentes norte-americanos — foi tão apupado na sessão de imprensa de ontem. “Damsel” é um western revisionista, inteligente e com um humor desconcertante e num registo de tragicomédia épica, muito bem interpretado pelas duas jovens estrelas: Robert Pattison e Mia Wasikowska.
Estreado recentemente no Festival de Sundance 2018, o novo dos Zellner, talvez tenha chegado à competição da Berlinale, um pouco com o rótulo de ‘filme comercialão’. Pelo menos em relação aos objectivos militantes deste Festival de Berlim e se for comparado com o filme anterior, desta dupla de cineastas: o futurista Kumiko, The Treasure Hunter, baseado numa lenda urbana japonesa, adaptada à America. Se este era um road movie um tanto previsível, “Damsel”, pelo contrário joga na estranheza, mas tem várias e interessantes particularidades: é filmado nos belos vales e montanhas do Utah quase num grandioso widescreen, pelo director de fotografia Adam Stone, que até no faz lembrar os velhos filmes ou séries do Oeste (“Bonanza”, por exemplo); os dois jovens actores conseguem mesmo reformular os arquétipos tradicionais dos clássicos do oeste, esquecendo outros papéis anteriores, sobretudo de Pattinson.
Samuel Alabaster (Pattison), um jovem com mais ar de dandy do que pioneiro, aventura-se pela vasta extensão da região selvagem americana. Quer encontrar Penélope (Wasikowska), o amor da sua vida e a mulher com quem quer casar. Leva consigo a sua guitarra, um anel de noivado, um pónei cor de caramelo, para oferecer à sua amada como presente de casamento, e Parson Henry (um magnífica interpretação do realizador David Zellner), um alcoolizado pastor, contratado para formalizar o casamento. Depois de superados alguns obstáculos iniciais desta louca aventura, Samuel encontra finalmente Penélope, pensando libertá-la à força, das garras de suposto sequestrador. Só que os seus planos para libertar a futura noiva, caem por terra pois Penélope não está inclinada em ser a mulher de Samuel.
As desventuras de Samuel, Parson e do pequeno pónei, seguem uma curiosa linha que vai do humor negro a uma sátira sobre a coragem, honra, a solidão e o amor. No entanto, a dimensão mais séria de “Damsel” é assegurada na segunda parte do filme, por Penélope, a heroína resiliente do filme. Ela continua a aventura e representa o arquétipo das mulheres sexualmente livres do Oeste, — na verdade não era bem assim — capaz de afirmar a sua vontade mesmo com uma espingarda de canos dobrados, na mão. Isto num dia em que a competição foi marcada por “Las Herederas”, um grito pela emancipação das mulheres, podemos dizer que “Damsel” está bem enquadrado no concurso e é bom ver uma homenagem aos grandes mestres do western como Sam Peckimpah. “Damsel” aliás é uma mistura dos filmes dos Irmãos Coen com o universo de Quentin Tarantino.
O filme começa com um extraordinário, longo e divertido diálogo — que parece de um filme de Tarantino — entre um jovem e o veterano Robert Forster, actor fetiche do referido, no papel de um pastor desiludido com a conversão dos indios, enquanto aguardam a chegada da diligência, que teima não aparecer nunca, num canto vermelho e desolado do Utah’s Goblin Valley.