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68ª Berlinale | Dia 8 “Unsane”

O experimentalista Steven Soderbergh regressou em força da sua licença sabática, para apresentar fora da competição “Unsane”, um interessante e “lynchiano” thriller psicológico, rodado com iPhone e com Clare Foy, à beira de um ataque de… loucura.

Em 2013, Steven Soderbergh ameaçou retirar-se definitivamente da indústria do cinema. Felizmente para nós não conseguiu aguentar-se muito tempo afastado das câmeras e da realização. Em 2017 regressou do seu auto-exílio com o filme “Logan Lucky”, protagonizado por Adam Driver, Channing Tatum e Daniel Craig, além das experimentais séries de televisão “The Knick” e “Mosaic”, esta última que dá oportunidade ao espectador de fazer o seu próprio storytelling. E o futuro está aí com Soderbergh a fazer este “Unsane”, rodado exclusivamente com iPhone. Se “Mosaic” foi criada para ser vista num iPhone, este “Unsane” é notável porque aproveita na perfeição a mobilidade e a qualidade  de registo directo da câmera dos novos modelos de iPhone, para filmar quase em interiores e com luz natural. Com base num argumento de Jonathan Bernstein e James Greer, — uma história até simples e que tem muitos ‘gaps’ narrativos e explicativos — “Unsane”, entra um pouco no universo de David Lynch para contar uma história da jovem Sawyer Valentini (Clare Foy) que deixa sua cidade natal para escapar de um passado traumático e começar uma vida nova. Quando involuntariamente entra numa instituição mental, vê-se confrontada com um dos seus maiores segredos e medos. Falta é saber se isto é real ou simplesmente ou ilusão? Com ninguém é capaz de acreditar nela e como as autoridades são incapazes — ou não querem — de a proteger, ela vai confrontar-se com violência psicológica, e problemas do passado.

"Unsane"
Em “Unsane”, Sawyer Valentini (Clare Foy) procura escapar ao passado traumático na sua cidade

“Unsane” mostra como um ‘stalker virtual’ pode ter graves consequências psicológicas numa pessoa, e os traumas que se criam para o afastar a todo o custo, que pode atingir a verdadeira paranóia. “Usane” é filmado de uma forma tão intensa e natural para o espectador, que este não estranha e — se não lhe dissesse — não fazia a mínima ideia que filme foi rodado por um telemóvel. Ganhando obviamente o filme na sua intensa mobilidade de câmera e sobretudo numa agitada planificação e acção. A interpretação de Clare Foy é notável, sobretudo se pensarmos na diferença para o seu papel de Rainha Isabel, na serie de televisão “A Coroa”; e igualmente a interpretação de Joshua Leonard (“The Blair Witch Project”), já bastante habituado a papéis complexos e instáveis.

VÊ TRAILER DE “UNSANE”

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Com perspectivas tortuosas, reviravoltas constantes, suspense, e uma narrativa chocante, “Unsane”, vai questionar a nossa percepção da realidade, o nosso instinto de sobrevivência e o como por vezes o sistema e as instituições deveriam cuidar melhor de nós e nem sempre estão prevenidas para isso. Tem também o mérito, de ser um alerta para outros dos perigos das redes sociais, como o Facebook e Tinder, no que diz respeito aos amigos e contactos virtuais.  Depois é o primeiro filme que me lembre que desenvolve uma história de um fanático seguidor (stalker), — um clássico no cinema que vai de “Desconhecido do Norte Expresso”, de Alfred Hitchcock a “Cabo do Medo, de Martin Scorcese — através das redes sociais, uma figura que se vai aproximando, da sua vítima ao ponto de lhe criar uma paranóia. Afinal a história de António Manuel Ribeiro, dos UHF, — recentemente publicada em livro — não é assim tão rara e  inverossímil. “Unsane” não é seguramente o primeiro a ser filmado com um iPhone.

"Unsane"
“Unsane” mostra como um ‘stalker virtual’ pode ter graves consequências psicológicas num pessoa.

O famoso filme indie “Tangerine” acabou por ser filmado com iPhones devido a restrições orçamentais, consta também que o coreano Park Chang Wook, utilizou iPhone para uma sequência de 30 minutos de “Segredos de Sangue”,  Michel Gondry (“Eternal Sunshine”) filmou a curta-metragem “Detour” para Apple num iPhone, no ano passado.

"Usane"
Soderbergh faz como que um desafio ao espectador, para pegar no iPhone e filmar.

Há quase como um obstáculo filosófico de muitos realizadores em relação ao tamanho do dispositivo de captura da imagem. Eu não tenho esse problema. Vejo isso como uma das experiências mais libertadoras que já tive como cineasta e que vou continuar a ter, diz Soderbergh. O realizador só precisou de sete dias para registar as cenas de “Usane”, com os iPhone. A parte mais complexa foi efectivamente a edição e montagem. Steven Soderbergh tem sido sempre um grande defensor de que qualquer pessoa pode fazer cinema, sem grandes meios e recursos profissionais. A chave está em saber como contar essa história aos espectadores. Em “Unsane” quer demostrar que isso é possível e faz como que um desafio ao espectador, para pegar no iPhone e filmar.

JVM

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