Festival de Cannes

71º Festival de Cannes: em #MeToo, Netflix, Selfies e as Sessões de Imprensa

O 78º Festival de Cannes abre hoje à noite com a antestreia de “Todos Lo Saben”, do iraniano Asghar Fahardi com Penélope Cruz e Javier Bardem na passadeira vermelha e antes mesmo da sessão de imprensa. Esta é uma das mudanças na programação, de um festival que tem como uma imagem, um beijo do filme de homem que parou há quarenta anos o Festival: Jean-Luc Godard. Este ano nada de selfies!

71º Festival de Cannes
Muitos filmes e muitas polémicas vão aquecer a Croisette nos próximos dias.

A grande ironia é a imagem deste 71º Festival de Cannes: o beijo de Jean-Paul Belmondo e Anna Karina, em “Pedro, o Louco“, de Jean-Luc Godard, que há quarenta anos partiu aqui os óculos e gritou com tantos outros: “Projecção Não! Revolução”. E depois o Festival de Maio de 68, fechou mesmo. Esta é uma longa história que daria outro artigo, mas que já Francisco Louçã, contou muito bem na última E , revista do Expresso. Quarenta anos depois, vamos ter certamente muitos beijos e gritos, mais logo na passadeira vermelha sobretudo entre e o belo casal formado por Penélope Cruz e Javier Bardem, as estrelas do “Todos Lo Saben”, o muito aguardado thriller em espanhol, do iraniano Asghar Fahardi; mas houve algumas ‘revoluções’, não tão radicais como as de Cannes 1968, mas suficientemente impactantes, para alterar as rotinas e a atenção dos festivaleiros nos próximos doze dias do Festival de Cannes 2018: a máxima segurança, para entrar no Palácio do Festivais, — que já provoca grandes filas — e ao nível dos horários de programação com a imprensa a ver as sessões na Sala Debussy, ao mesmo tempo que decorre a sessão de gala, no Grande Auditorio Lumière.

71º Festival de Cannes
Pode haver beijos mas não selfies na passadeira vermelha. Make Beijos Not Selfies!

A justificação passa exactamente pela crítica imediata ao filme na internet e nas redes sociais, que provocava por vezes alguma desmotivação por parte das equipas dos filmes no dia seguinte na passadeira vermelha e na sessão oficial. Vou explicar tudo isto mais à frente com as palavras de Thierry Fremaux, o director artístico do Festival de Cannes.

71º Festival de Cannes
São fortes as medidas de segurança, provocando longas filas.

Na abertura deste festival há ainda outras polémicas no ar abordadas jubilosamente ontem na conferência de imprensa com o diretor artístico do Festival de Cannes: Thierry Fremaux, foi surpreendido na sala com uma forte ovação dos jornalistas. “Estava à espera de vaias”, brincou antes de abordar os tais temas polémicos que vão aquecer — parece que vem lá chuva — os próximos dias na Croisette. São eles: #MeToo, Netflix, a proibição de selfies na passadeira vermelho, as mudanças nas sessões de imprensa, a trágicomédia sobre os direitos artísticos de “O Homem que Matou Don Quixote”, de Terry Gilliam ou a presença do ex-persona non grata Lars Von Trier, fora da competição e de poucos filmes norte-americanos na Seleção Oficial 2018. Foi exactamente destas pequenas ‘revoluções’, aliás bastante diferentes das então protagonizadas pelos os meninos bonitos — Jean-Luc Godard, François Truffaut, Louis Malle e outros, da nouvelle vague francesa de 1968, acompanhados por Milos Forman e Roman Polansky  que Fremaux falou longamente.

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71º Festival de Cannes
O folheto sobre a linha de informação de denúncia contra abuso sexual, como se fosse um convite.

Em primeiro lugar abordou a postura do festival em relação às mulheres, ao anunciar a criação de uma linha direta — um e-mail e um número de telefone — para os festivaleiros que por qualquer razão vivenciem ou testemunhem casos de assédio ou abuso sexual. Obviamente numa referência ao escândalo Harvey Weinstein, que em tempos foi recebido aqui em Cannes como o príncipe dos príncipes da produção americana independente. Segundo Fremaux “não foi apenas o Festival de Cannes que mudou depois do escândalo de Weinstein, foi o mundo todo. Depois das revelações, divulgamos imediatamente uma nota para expressar a nossa surpresa em relação ao sucedido e expressando nossa solidariedade para com as vítimas”. Fremaux disse ainda a propósito de o Festival de Cannes 2018 ter apenas três filmes dirigidos por mulheres na Selecção Oficial: “Estamos a fazer o melhor possível para garantir que a selecção seja bem equilibrada e diversificada”, conclui  citando ainda vários eventos que vão acontecer para promover as mulheres, como por exemplo o Women in Motion|Kering. Quanto a decisão de alterar ou cancelar as sessões da imprensa antes da estreia de gala e de impor embargos   informativos posteriores à exibição dos filmes exibidos às 22h e meia-noite, Fremaux reconheceu que alguns críticos e jornalistas vão quebrar naturalmente esses embargo, reconhecendo que “haverá alguma luta em relação a esses problemas de embargo.”

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Aparentemente há uma fraca presença de filmes americanos na Selecção Oficial.

Este ano há também uma menor presença de cineastas norte-americanos na Selecção Oficial e Freemaux justificou que: “os cineastas franceses estão cada vez mais obcecados por Cannes, ao passo que os americanos estão cada vez mais obcecados com os Óscares”. Citando como exemplo “Mystic River”, de Clint Eastwood, que competiu em Cannes 2003 e venceu dois Óscares no ano seguinte, Fremaux disse que continua  a ser possível que um filme lançado em Maio no Festival, seja meses depois nomeado para os Óscares. Na verdade há pelo menos “cerca de três filmes de Cannes”, nomeados para o Óscar de Melhor Filme de Língua Estrangeira, como aconteceu este ano.

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O beijo de Jean-Paul Belmondo e Anna Karina, há quarenta anos

A disputa entre o festival e a Netflix, cujos filmes foram efetivamente banidos desta competição 2018, foram também comentados pelo director artístico: “No ano passado, foi o primeiro episódio da saga, este ano é o episódio 2, e no próximo ano será o episódio 3.” Reed Hastings, CEO da Netflix, “disse recentemente, que ‘deveríamos ter sido mais diplomáticos e respeitosos para com eles’, e eu até acredito que sim”, disse Fremaux. No entanto, referiu que um filme-relíquia como “O Outro Lado do Vento”, de Orson Welles, patrocinado pela Netflix, poderia bem ter tido estreia mundial fora de competição neste Festival de Cannes 2018. Quanto à questão jurídica sobre “O Homem Que Matou Dom Quixote”, de Terry Gilliam, anunciado como filme de encerramento, o director artístico do Festival de Cannes, preferiu não adiantar muito sobre esta questão, afirmando, o que aliás é já do conhecimento público, de que a decisão do tribunal francês de ontem precisamente, é que irá determinar se o filme de Gilliam, pode ser exibido ou não no encerramento e tal vai ser divulgado na próxima quarta ou seja amanhã à tarde (9 de Maio).

Acabaram-se as selfies na passadeira vermelha. Segundo Fremaux é um tanto “grotesco dar tanta importância a este tema”. As selfies parecem atrasar todas as movimentação na passadeira vermelha, antes de começarem as sessões. Por vezes até acontece as pessoas cair nas escadas porque estão a olhar para as câmaras dos telemóveis:“Vocês não vêm a Cannes para ser vistos, mas antes para ver as pessoas e os filmes”, conclui o diretor artístico do Festival de Cannes.

José Vieira Mendes (em Cannes)

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