ARTE Kino | Bright Nights, em análise

“Helle Nächte”, também conhecido como “Bright Nights”, é um retrato minimalista da difícil relação entre um homem alemão e o seu filho adolescente. Este filme está disponível gratuitamente no site ARTE Kino, até dia 17 de dezembro.

arte kino bright nights helle nachte critica

O pai de Michael morreu. Há décadas que os dois não se falavam e há cinco anos o patriarca foi viver sozinho para a Noruega, deixando o que restava da sua família na Alemanha. De tal modo ele era ausente da vida dos filhos, que a irmã de Michael recusa homenagear de qualquer forma o homem que a trouxe a este mundo, deixando os arranjos do funeral aos cuidados do irmão. Michael é confrontado pela namorada que, depois de receber uma imperdível oportunidade profissional, vai viver para Washington. Michael é um engenheiro civil, filho de um pai ausente e é um homem que se distancia mesmo daqueles que mais ama de modo a nunca se mostrar vulnerável. Michael é também um pai ausente por mérito próprio, tendo basicamente desaparecido da vida do seu filho no seguimento do divórcio. Michael leva o seu filho até à Noruega, pois Michael é alguém amedrontado pela real possibilidade de ser um homem tão terrível e negligente como o seu próprio pai.

Michael é também a personagem cuja interpretação valeu a Georg Friedrich o prémio de Melhor Ator na Berlinale deste ano. Independentemente da qualidade da sua competição, o trabalho do ator austríaco merece admiração, nem que seja pelo modo como transmite tudo aquilo que foi elaborado no primeiro parágrafo deste texto sem praticamente mover um único músculo facial ou modular o seu registo vocal. Muito crédito há que também ser dado à elegância minimalista do realizador Thomas Arslan que, em pouco mais de 15 minutos, estabelece todo o conflito interno e a premissa narrativa de “Bright Nights”. Isso é feito através de cenas curtas, quase bruscas na sua brevidade e frontalidade, mas só funciona dramaticamente graças aos esforços de atores capazes de fazer muito com pouco.

arte kino bright nights helle nachte critica

Não é preciso ver muito de Friedrich no papel de Michael para entendermos como este homem é uma ilha humana, que passou uma vida a distanciar-se deliberadamente das pessoas da sua vida. Basta um vislumbre do protagonista a caminhar ao lado de Luis, o seu filho, para que o espetador entenda a abismal barreira que os separa. Tal introdução sumária de todas as dinâmicas humanas em cena é chave para a construção estrutural de “Bright Nights”, sendo que, passados esses primeiros 15 minutos, Arslan põe o pé no travão e substitui cenas curtas e diretas, por prolongadas observações de comportamento humano. Assim que Luis e Michael se encontram fechados dentro do mesmo carro, por exemplo, Arslan imediatamente leva a cabo tais intenções observacionais, forçando o espetador a examinar minutos a fio de duas pessoas que não têm nada a dizer um ao outro e que, no caso do adolescente, não têm vontade alguma de quebrar o silêncio mútuo.

De saltos elípticos e estonteante economia narrativa, Arslan passa assim para um registo de enorme indulgência, onde o drama é somente um suspiro perdido no vento e a inação é rainha. O talento do realizador para sumarizar vidas inteiras num só gesto volta a manifestar-se quando Luis e Michael chegam ao seu destino, onde perscrutam os conteúdos de uma casa fria e comparecem a um funeral, em que para além deles só o padre também se encontra presente. Uma vida vazia e isolada, cujo fim não trouxe grande tristeza a ninguém. Foi assim a existência do pai de Michael e é talvez esse o mesmo destino do nosso protagonista. Pelo menos ele parece aperceber-se disso e, verdade seja dita, aos olhos de Luis talvez não haja grande diferença entre o patriarca enterrado e aquele que ainda respira ao seu lado.

A frustração do adolescente só aumenta quando, numa tentativa desesperada de se redimir para com o filho antes de ser tarde demais, Michael arrasta Luis numa viagem de carro ao norte da Noruega e suas paisagens, tão pitorescas quanto gélidas. Em parelha com o jovem, também o espetador pode começar a cair num poço sem fundo de frustração, não para com o filme, mas para com as personagens nele retratadas. Afinal, este pode ser um road movie, só que a sua conceção foge a quaisquer desfechos e resoluções ao estilo de Hollywood, preferindo desdobrar o cliché da sua proposta narrativa numa dança de aproximações e recuos, onde cada gesto de afeto abortado é refletido na dicotomia formalista do filme.

Esteticamente, este jogo é agradável de se ver e inteligente na sua construção de contrastes entre grandes planos dos atores e enormes paisagens que esmagam a figura humana isolada. No entanto, é fácil perceber como é fácil perder a paciência para com Michael, que, não obstante a genuína natureza do seu desespero silencioso, não merece a redenção que procura. Luis, brilhantemente interpretado por Tristan Göbel não deve nada a este homem que, antes de ter a sua crise existencial na meia-idade, estava pronto para passar o resto dos seus dias a apaticamente ignorar a existência do filho. A feiura psicológica desta figura central é efetivamente o maior risco tomado pelos cineastas de “Bright Nights”, que apoiam todo o seu projeto na exatidão do seu retrato humano e no fascínio da sua observação.

arte kino bright nights helle nachte critica

Para quem aguentar passar quase uma hora e meia na companhia das complicações emocionais e expressivas de Michael, as últimas passagens de “Bright Nights” levam ambos os seus atores principais ao rubro e conjuram um poder emocional até aí ausente do edifício cinematográfico. Uma fuga, perseguição e pequena representação de rituais parentais não demolem as barreiras entre pai e filho ou resolvem os seus problemas de comunicação, mas, para o espetador, tais gestos ganham um impacto titânico. Tal elevação do mais humilde gesto afetivo ao patamar de um milagre divino é o resultado da cuidada construção do filme, sua gradual isolação das personagens e sistemática dissecação dos seus silêncios. “Bright Nights” não é um filme fácil de se ver e não é particularmente incisivo nas suas conclusões, mas tem valor na sua reflexão da ideia de um artista a mirar o mistério das relações humanas e lá encontrar a maior preciosidade de um mundo frio e inóspito.

 

Bright Nights, em análise
arte kino bright nights helle nachte critica

Movie title: Helle Nächte

Date published: 4 de December de 2017

Director(s): Thomas Arslan

Actor(s): Georg Friedrich, Tristan Göbel, Marie Leuenberger, Hanna Karlberg, Aggie Peterson, Frank Arne Olsen, Helle Goldman

Genre: Drama, 2017, 86 min

  • Claudio Alves - 66
66

CONCLUSÃO

Um road movie feito na tradição minimalista da escola de Berlim, “Bright Nights” é um modesto retrato de laços familiares deteriorados pela distância emocional dos seus dois protagonistas um para com o outro.

O MELHOR: As prestações dos dois atores principais. Friedrich pode ter ganho o Urso em Berlim, mas, talvez pela sua maior claridade introspetiva, o jovem Tristan Göbel consegue superar os feitos do seu colega adulto.

O PIOR: A inação que domina a maioria do filme depois dos 15 minutos iniciais é capaz de testar a paciência até do mais generoso e empenhado dos cinéfilos.

CA

Sending
User Review
3 (1 vote)
Comments Rating 0 (0 reviews)

Leave a Reply

Sending