8 1/2 Festa do Cinema Italiano | Banana, em análise

Banana é uma das mais deliciosas surpresas da Festa do Cinema Italiano, mostrando como dilemas existenciais podem ser abordados pela mais solarenga das comédias.

Nos seus momentos iniciais, a primeira longa-metragem de Andrea Jublin parece propor-se como mais uma previsível e banal celebração do poder dos sonhos numa narrativa juvenil. Isso, ou uma negra comédia com um particular foco em despertar monumentais doses de vergonha alheia na audiência que passivamente observa as ações do protagonista de Banana. O nome deste sonhador jovem é Giovanni, mas os seus colegas há muito lhe deram a derrogatória alcunha que dá título ao filme. A razão para tal é a incompetência futebolista de Giovanni que, apesar das suas ambições e auto mitificação como um herói do futebol brasileiro, é um completo zero à esquerda quando chega a hora de tentar marcar um golo.

Esta peculiar maneira de ver o mundo, cheia de desmesurado otimismo e irracional ambição, marcam toda a narração que insistentemente segue o protagonista sempre que este está em cena. Em muitos outros filmes, este monólogo interior poderia facilmente revelar-se como um facilitismo dramático por parte dos cineastas, mas, em Banana, tal uso de voz-off torna-se uma parte essencial da linguagem humorística do filme. Ou pelo menos de uma das suas linguagens, pois Banana tem tantas abordagens tonais como tem personagens de interesse para além da sua figura titular.

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Usualmente, neste tipo de bildungsroman em forma de comédia juvenil, uma rígida miopia parece abater-se sobre os mais primorosos dos autores, mas, aqui, isso surpreendentemente não ocorre. Banana está longe de ser uma singular narrativa sobre o triunfo inquestionável de seu “herói”, sendo algo mais próximo de uma tapeçaria de humanidade, cada linha fiada a partir de um material cinemático diferente. Enquanto, Giovanni vive num mundo de constante voz-off, momentos de exuberantes sonhos materializados e um humor que sugere uma farsa pré-adolescente, as restantes figuras do filme vivem cada uma nas suas próprias produções paralelas. Se a marca de um brilhante elenco de personagens diversas é que cada uma tem suficiente material para ser protagonista de um outro filme, então Banana é de uma luminosidade que cega.

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O único elo unitário destas abordagens parece ser apenas uma, o abjeto desespero misantrópico em contraste com a solarenga humanidade e inocente otimismo de Giovanni. Olhe-se para a professora de italiano que ensina a turma do protagonista, por exemplo. Ao longo do filme, a sua presença é como que um balde de água fria, acidamente cortando qualquer devaneio inspirador possivelmente sugerido pelas passagens que vivemos sob a perspetiva de Banana. Um one-liner de precisão militarista e é posto fim a qualquer sonho. Prova máxima do tipo de exercício humorístico desenvolvido nesta personagem é o modo como, numa das mais leves cenas da sua existência, a marca de inesperada felicidade desta pedagoga é o simples facto de não estar, naquele momento, a desejar a morte de nenhum de seus pupilos. Tais piadas poderiam facilmente cair no campo do completo absurdo, não fosse a seriedade com que a atriz Anna Bonaiuto telegrafa o cinismo existencial da sua personagem ou a inesperada sinceridade humana com que o realizador retrata estas mágoas, mesmo quando são estruturalmente posicionadas como comic relief.

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Completo otimismo juvenil e cinismo misantrópico de uma adulta cansada. Obras menores ficariam saciadas com esta relação de contrastes binários, mas, como já foi apontado, este filme é uma tapeçaria, e não um díptico de registos cómicos. Por vezes, as mesmas personagens podem ser observadas com duas abordagens completamente diferentes, como por exemplo os pais do protagonista. Quando este duo nos é introduzido, observamo-los sob o filtro da mentalidade de Giovanni e sua enlouquecida devoção, quase religiosa, ao futebol brasileiro. Através do prisma que é a mente de seu filho, eles parecem ser apenas mais um casal de estereótipos saído da mais banal das sitcoms americanas, mas isso altera-se quando Jublin se atreve a filmar as personagens numa outra dimensão de intimidade. Sozinhos na sua cama, a comédia continua a existir, mas os estereótipos vão-se esvanecendo e as marcas de dolorosa humanidade vão marcando a sua presença. Não é que Banana, se torne, repentinamente, numa tragédia, mas certamente se torna num delicado prazer agridoce ao invés de uma sobremesa demasiado açucarada.

Banana, seus pais e professora estão longe de ser os únicos humanos de interesse nesta narrativa. Entre muitos outros temos, por exemplo, uma colega mais velha que captura o interesse romântico do protagonista, lançando-o numa hercúlea missão de assegurar a sua passagem para o ano seguinte de ensino. Outro colega é um minúsculo empreendedor que tudo consegue vender, sendo que o seu sofrimento físico acaba por se tornar na máxima comodidade económica a que tem acesso. Num panorama menos caricaturado, Emma, a irmã de Giovanni, é a marca de destruidora tragédia em todo filme, sendo uma prova viva que nem sempre o sonho, o empenho, a integridade e o esforço são condutores garantidos de sucesso pessoal. Uma antiga paixão de Emma é outra figura de melancólica existência mesclada de ridículo, sendo um professor bipolar que desastrosamente tenta encenar Hamlet com um elenco infantil.

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Jublin interpreta esse mesmo aspirante a encenador de Shakespeare do jardim-de-infância, sendo que os paralelos entre o seu dilema artístico e profissional dentro do filme facilmente se traduzem para o produto final de Banana. Por muito que sumárias descrições do seu enredo, ou materiais promocionais possam sugerir, no seu âmago, Banana é um filme sobre dilemas existencialistas. A comparação com uma das mais grandiosas obras do bardo inglês é um exagero, mas as mágoas da incerteza e do descontentamento depressivo com o mundo humano estão fortemente contidas no argumento e discreta mise-en-scène. Tal como acontece com a sua personagem, Jublin acaba por não construir uma tragédia épica, mas sim uma comédia infantil. O génio deste cineasta, que já foi nomeado a um Óscar pelas suas curtas-metragens, é precisamente o modo como evita o inevitável fracasso do seu sósia fictício. Banana pode ter um tom que superficialmente se assemelha ao musical de animais faladores que vemos no espetáculo final deste desesperado encenador, mas Jublin consegue pegar nessa leveza e com ela construir uma obra em que suas indagações existencialistas ainda estão fortemente presentes.

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No final de Banana, esta harmonia tonal e ideológica chega ao seu apogeu, com o expectável final inspirador a ser abruptamente negado. A conclusão narrativa da história de Giovanni e pessoas que integram a sua vida não parece ser o inquestionável triunfo do otimismo sem limites ou modulação do protagonista, mas também não é a completa perda de inocência do jovem face à dureza da realidade humana. O que vemos, na verdade, é um compromisso de ideias, com a misantropia a esbater a sua implacável negrura, e a solarenga perspetiva heroica a perder algum do seu brilho e encontrar triunfo nas pequenas graças da vida e não em inalcançáveis vitórias. Em consequência de tudo isto, Banana é uma obra de insólita mestria tonal, que conjuga registos ativamente antagónicos num filme de estonteante brevidade e eficiência estrutural. Para uma estreia nas longas-metragens, esta produção de Andrea Jublin dificilmente conseguiria ser mais prometedora, sendo que é, sem dúvida, uma das mais agradáveis surpresas desta edição da Festa do Cinema Italiano.

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O MELHOR: O argumento original e sua maravilhosa criação de um fascinante elenco de personagens coloridas.

O PIOR: A concretização formal é tão discreta ao ponto de se tornar em anti estilo, algo que deixa um pouco a desejar quando posto em comparação com a ambição mostrada no resto deste edifício cinematográfico.



Título Original:
 Banana

Realizador:  Andrea Jublin
Elenco: Marco Todisco, Camilla Filippi, Giselda Volodi, Gianfelice Imparato

Comédia | 2015 | 90 min

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