Cinema Europeu? Sim, Por Favor | O Ódio

O Ódio permanece tão explosivo e oportuno como há 22 anos – uma obra profundamente controversa, ela própria objecto de acesa polémica face à ambiguidade da exposição do fenómeno da violência urbana.

Mathieu Kassovitz galvanizou o mundo cinematográfico em 1995 com o lançamento de O Ódio, um inquietante e explosivo olhar sobre a volatilidade cultural em França. Marco do cinema contemporâneo europeu, é um reflexo difícil mas emocionante da crise de identidade atravessada pelo país.

 

O QUE É QUE VOU RELEMBRAR HOJE?

O Ódio, ou no original La Haine, realizado por Mathieu Kassovitz e com interpretações de Vincent Cassel, Hubert Koundé e Saïd Taghmaoui.

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MAS AFINAL DO QUE É QUE TRATA?

Três jovens de origem étnica distinta de uma banlieue (uma expressão usada para descrever algo como “bairros sociais dos subúrbios”) deambulam por Paris num estado de agitação provocado pela morte de um amigo às mãos da polícia, que se vai agravando a pouco e pouco, até serem levados a um beco sem saída.

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PORQUE É QUE NÃO POSSO PERDER?

O Ódio é um filme especial. Não apenas por ter sido distinguido com o prémio de Melhor Realizador no Festival de Cannes, ou por contar ainda com 11 nomeações aos Prémios César (os “Óscares franceses) tendo mesmo levado para casa três estatuetas, entre as quais a de Melhor Filme. Não exatamente por isso… mas por segurar um espelho perante as maleitas e enfermidades da França contemporânea, chegando num período particularmente negro da história do país.

Mais de 20 anos volvidos, o gigante europeu volta a períodos de incerteza, com novos terrores e pesadelos a manchar a sua diosa identidade, obrigando-nos a reenquadrar e repensar o tenebroso ano de 1995.

Foi nesse ano, entre julho e outubro, que a França sofreu oito ataques bombistas levados a cabo pelo Grupo Islâmico Armado que pretendia alastrar a Guerra Civil da Argélia para França. No total, os ataques mataram oito pessoas e feriram mais de 100. Paralelamente, o país aguentava uma pressão de violência extrema enquanto reagia às medidas de austeridade do Primeiro Ministro Alain Juppé com manifestações e greves perturbadoras que fizeram o país parar até ao final desse ano.

Neste sentido o timing de O Ódio não podia ter sido mais perfeito. Recebido com ovações em Cannes, o filme prosseguiu como uma avalanche pelos cinemas europeus, refletindo o passado problemático e um futuro apreensivo de uma França em crise de identidade nos meandros da sua realidade cada vez mais multicultural.

As histórias trágicas de Malik Oussekine e Makone M’Bowole, vítimas da brutalidade policial respetivamente em 1986 e 1993, foram o carburante a alimentar o argumento de Kassovitz focado no violento confronto entre as forças policiais e a juventude dos banlieue, vítima de profunda alienação e confinamento, e capaz de suportar cada vez menos combustão até à próxima explosão rompante de brutalidade.

Conduzidos tanto pelo protesto como pela sobrevivência, estes tumultos não são diretamente enclausurados a um tempo ou enquadramento político e social, mas universais. A premissa é portanto intemporal e sem fronteiras, dando voz àqueles que são recorrentemente e violentamente silenciados e que sofrem para ser ouvidos. Essencialmente, O Ódio dá faces humanas a estas comunidades lateralizadas, ao seu fervilhante ressentimento perante a marginalização.

É certo que Kassovitz não foi o primeiro ou último cineasta a estilhaçar a visão clássica de uma Cidade das Luzes romântica, mas a sua exploração da verdade dos subúrbios da capital francesa é uma tradução perfeita da raiva efervescente de uma juventude (in)consciente subjugada a uma cultura intrincada de racismo, marginalização e brutalidade.

Efetivamente, é um retrato poderosíssimo das divisões que ameaçam destruir uma sociedade, sem definir heróis ou vilões num final ambíguo e permissivo a diferentes interpretações onde quem puxa o gatilho é, justamente, a sociedade. E essa arrepiante realização garante que O Ódio permaneça essencial – hoje e sempre.

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UMA FRASE PARA A POSTERIDADE

C’est l’histoire d’un homme qui tombe d’un immeuble de 50 étages. Le mec, au fur et à mesure de sa chute, il se répète sans cesse pour se rassurer : « Jusqu’ici tout va bien… Jusqu’ici tout va bien… Jusqu’ici tout va bien. » Mais l’important, c’est pas la chute. C’est l’atterrissage.”

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PARA FICAR NO OLHO E NO OUVIDO (DA MENTE)

 

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