Classic Fever | A Atalante (1934)

 

A Atalante, o poema filmado de Jean Vigo que viria a inspirar toda a Nouvelle Vague, mostra que se as fórmulas existem para serem seguidas, também existem para serem quebradas.

 

 

O QUE É QUE VOU RELEMBRAR HOJE?

“A Atalante” (1934), de Jean Vigo e protagonizado por Dita Parlo, Michel Simon e Jean Dasté.

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MAS AFINAL DO QUE É QUE TRATA?

Uma jovem esposa de um barqueiro está cansada da sua vida na embarcação, A Atalante. Resolve, então, partir, atraída pela vida resplandecente da cidade, deixando para trás o marido em desespero para depois voltar, cruelmente desapontada.

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PORQUE É QUE NÃO POSSO PERDER?

Quando lhe pediram para falar sobre “A Atalante”, Bernardo Bertolucci descreveu-o espontaneamente não como um filme, mas como uma realidade que existia por si mesma, chamando-lhe sugestivamente “cinema líquido”. De facto, podemos aproveitar a deixa do realizador italiano para dizer que Jean Vigo é pioneiro de um estilo de lirismo quotidiano, enchendo as suas imagens com uma espécie de rotina espantosa.

Ao utilizar a câmara como um “registo da realidade” – ao que estava relativamente habituado da experiência que havia tido em documentários – Vigo consegue extrair um significado que vai além da própria significação da imagem. Aqui, ao mesmo tempo que o realismo se aproxima do documental, Vigo faz emergir um mundo cheio de símbolos, fantasias e de milagres do dia-a-dia. O seu dom para a composição é despregado mas incrivelmente preciso, e uma joie de vivre muito própria do realizador sente-se em cada frame. Dentro do realismo, Vigo consegue ainda abrir espaço para explorar – ainda que brevemente – uma das suas maiores preocupações: um viés muito naturalista sobre a situação económica e social precária característica da década de 30.

Este é um filme de contradições e dualidades sublime. O enredo é quase excessivamente simples quando olhamos para ele, mas de alguma forma, através dos olhos de Vigo, torna-se forte e profundo, denotando várias camadas, o que é ainda mais enfatizado em visualizações repetidas. As suas observações podem parecer cínicas, mas no final provam ser assumidamente românticas; os seus personagens são inocentes, mas palpavelmente sensuais; as suas imagens são francamente realistas, mas muitíssimo poéticas, sem esforço, além de que podemos considerar as dicotomias ainda mais claras do mar/terra ou o que se passa em cima e debaixo do convés.

De natureza lírica e hipnótica, somos absorvidos por uma sensibilidade letárgica. A sensualidade é um tema recorrente ao longo da narrativa, estando ela cheia de nuances eróticas – seja pela forma de Juliette, ou mesmo pela natureza vivaça de Père Jules. Além do amor e erotismo, e tentando-nos com o seu odor narcótico, mergulha sobre as mais variadas temáticas, como a inocência, a corrupção, a colisão, a raiva e a autoridade.

Não seria difícil reduzir o último filme de Vigo a uma crónica de um jovem casal em crise. O enredo é simples, sem dúvida, mas devemos também relembrar que foi baseado no romance pouco imaginativo de Jean Guinée – uma obrigação por parte do estúdio, tentando restringir as possibilidades rebeldes do realizador. Torna-se então bastante claro que a magia de Vigo estava intimamente ligada à forma como contava uma história, e não tanto pelo seu conteúdo efectivo. A sua habilidade, roga-se agora, estava em transformar histórias pardacentas em poesia cinematográfica.

O trabalho de Vigo, especialmente em “A Atalante”, mostrou-se de uma influência imensa para os cineastas envolvidos na Nouvelle Vague Francesa, que se inspiraram em muitas das suas técnicas nas suas obras revolucionárias. Truffaut admitiu mesmo que “quando filmou ‘A Atalante’, Jean Vigo atingiu a perfeição”.

Apesar de ter sido massacrado e mutilado, “A Atalante” é um filme que nos prova que, se as fórmulas existem para serem seguidas, também existem para serem quebradas. Reformuladas. Evoluídas. No entanto, só os que possuem uma visão à frente do seu tempo conseguem rompê-la. E entre esses Homens está certamente Jean Vigo.

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UMA FRASE PARA A POSTERIDADE

Isto não pode continuar. Vou procurá-la.

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PARA FICAR NO OLHO E NO OUVIDO (DA MENTE)

 

 

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