Claude Lanzmann

Adeus Claude Lanzmann (1925-2018)

O francês Claude Lanzmann, maior explorador cinematográfico do Holocausto, deixa-nos aos 92 anos. Para trás fica uma filmografia de incalculável valor cinematográfico e histórico que incluiu o documentário épico “Shoah”, talvez o suprassumo filme sobre os horrores trazidos ao mundo pelo nazismo, o preconceito e a nossa intrínseca capacidade para o mal enquanto pessoas.

O Holocausto é um dos temas históricos mais retratados e explorados no grande ecrã. Tal fenómeno é fácil de entender, é claro, pois, afinal, é difícil não apreciar tentativas de se compreender alguns dos maiores crimes na História do ser humano. Como foi possível esses horrores terem ocorrido? Como é que se sobrevive a tal cataclisma? Considerando tal monstruosidade, o que é o ser humano? Algo intrinsecamente maligno?

Entre todos os filmes que já foram feitos sobre o Holocausto, narrativos ou não, talvez nenhum seja mais importante que “Shoah”. Esse documentário de Claude Lanzmann é, para todos os efeitos, o suprassumo documento fílmico do Holocausto. Não que inclua qualquer imagem de arquivo do flagelo. Muito pelo contrário, Lanzmann, num gesto de espetacular sagacidade jornalística, compôs o seu épico de mais de 9 horas somente através de entrevistas e imagens dos campos de concentração e extermínio na atualidade.

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SHOAH é o suprassumo filme sobre o Holocausto.

Testemunhar “Shoah” é uma das experiências cinematográficas que todos deviam ter, mesmo que seja algo difícil e até transformador. Parte do impacto é a riqueza de vozes que Lanzmann reuniu ao longo de 11 anos de pesquisa, nos quais ele entrevistou sobreviventes, civis que saíram incólumes do Holocausto, colaboracionistas e até polacos que viviam perto desses estabelecimentos de carnificina sistematizada. Na sua inclusão mais polémica, “Shoah” chegou mesmo a incluir entrevistas filmadas sem o consentimento de Nazis que trabalharam em campos.

O material jornalístico acumulado por Lanzmann foi tão grandioso que, apesar de ter doado grande parte do seu trabalho a museus e arquivos, o realizador viria passar grande parte das décadas seguintes à estreia de “Shoah” a fazer filmes com base nas entrevistas não usadas para essa magnum opus. Alguns dos filmes que estrearam desde 1985 incluem, por exemplo, “ Sobibór, 14 octobre 1943, 16 heures” e “O Último dos Injustos”.

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No ano passado, Lanzmann, que nunca deixou de trabalhar, trouxe a Cannes um dos seus poucos filmes fora do panorama do Holocausto, mesmo que o tema não seja de grande leveza também. Tratava-se de “Napalm”, uma exploração da Coreia do Norte, sua cultura, sua realidade histórica e contemporânea. Apesar de não se saber isso na altura, esse viria a ser o seu último filme estreado e feito para o grande ecrã.

Ainda este ano, o cineasta então com 92 anos, assinou uma longa minissérie chamada “Les quatre soeurs”, que ainda chegou a passar pelo IndieLisboa. Contudo, todos os outros projetos que pudesse ainda estar a planear vão permanecer ideias perdidas, pois, após cinco dias de grande fraqueza, o cineasta morreu, neste dia 5 de julho. A sua vida foi longa e produtiva, seu legado incalculável. Se há alguém que talvez tenha chegado perto do impossível – compreender o Holocausto – talvez tenha sido este realizador francês, do qual ficamos com os filmes como monumento ao seu legado e à capacidade humana para o mal.

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NAPALM foi o último projeto cinematográfico de Claude Lanzmann.

Como homenagem a este cineasta sem igual, revisita as suas obras mais importantes. “Shoah” é visionamento obrigatório, não só para cinéfilos, mas para qualquer pessoa.

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