Como os Nossos Pais

Como os Nossos Pais | em análise

O filme de abertura do FESTin 2018, “Como os Nossos Pais’, de Laís Bodanzky, chegou numa das raras estreias de cinema brasileiro, nas salas comerciais. O filme da realizadora brasileira retrata minuciosamente as emoções e as contradições de uma mulher, de quarenta anos no meio de um casamento em crise, de um segredo nunca revelado e de um conflito intergeracional.

A realizadora paulista Laís Bodanzky (“O Bicho das Sete Cabeças”, 2000) dirigiu e co-escreveu com o seu marido Luiz Bolognesi, — seu colaborador habitual na maioria dos seus filmes anteriores — este “Como os Nossos Pais”, uma excelente crónica familiar fictícia,  por vezes divertida, mas quase documental sobre muitas super-mulheres, divididas entre, um casa, a família e o trabalho. Num tempo de afirmação no feminino este filme é um brilhante retrato familiar realista e irónico, sobre o papel das mulheres na sociedade contemporânea, aparentemente mais responsáveis que os homens. Mas no fundo, esta é uma história de homens e mulheres ambos escravos de uma sociedade alienada, competitiva, carregada de stress auto-induzido, que invade até o nosso ADN mais primitivo.

Como os Nossos Pais
Um ‘luta’ de papéis inter-geracional entre as protagonistas Clarisse Abujamra (mãe) e Maria Ribeiro (filha).

O único desejo de Rosa (Maria Ribeiro) é ser perfeita: no seu trabalho, como mãe, filha, esposa e amante. Mas quanto mais se esforça mais impressão tem de que tudo lhe sai ao contrário. Filha de dois intelectuais proeminentes e mãe de duas meninas na pré-adolescência Rosa sente-se como que presa nas exigências das duas gerações distintas, a sua mãe e as duas filhas e um marido quase sempre ausente (Paulo Vilhena). Rosa tem de ser responsável, moderna, eficaz e infalível, uma verdadeira super-mulher. Até ao dia em que a sua mãe (Clarisse Abujamra) revela a toda a família, um segredo crucial sobre a sua vida, e Rosa começa a redescobrir-se a si própria.

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“Como os Nossos Pais” começa com um almoço familiar, com uma longa e clássica sequência cinematográfica, onde se revelam todas as personagens, todos os membros do clã e as relações familiares existentes. Uma mãe que sobrestima um genro defensor da selva amazónica e a sua filha, Rosa, a quem trata de explicar de uma forma quase de sermão, mas na verdade em vão, todas as dificuldades da vida diária. No entanto, uma revelação que a mãe faz no final do almoço vai tornar-se uma verdadeira bomba no seio daquela família mas, principalmente vai ter um forte impacto em Rosa. A partir desse momento, parte dessas personagens da família é ‘abandonada’ e o filme vai centrar-se mais em Rosa — maravilhosamente interpretada por Maria Ribeiro, actriz e apresentadora do “Saia Curta”, programa feminino do GNT  —, e na sua relação com a mãe, marido e filhas.

Como os Nossos Pais
Rosa (Maria Ribeiro) esquece-se de si própria por causa da sua vida familiar.

No entanto, “Como os Nossos Pais”, desenvolve um retrato muito preciso da ‘família nuclear’, onde Rosa representa a geração das mulheres divididas entre as exigências sociais de uma sociedade dominada pelos homens e a necessidade de encontrarem o seu lugar na vida e no mundo do trabalho. Rosa esqueceu-se de si própria renunciando a uma carreira artística e profissional por causa da sua vida familiar. Daqui para a frente o que vamos assistir é se graças à revelação da sua mãe, de que forma Rosa vai mudar completamente ou não?

O filme é uma grande ode às mulheres de ontem, de hoje e de amanhã e por isso centra-se nesse triângulo: avó, mãe e netas. Sophia Valverde é a mais pequena da casa, apesar de muito adulta não consegue entrar nessa ‘luta’ de papéis entre Clarisse Abujamra (Avó) e Maria Ribeiro (Mãe). A Avó tem uma presença magnética, —    Abujamra é uma actriz muito conhecida no Brasil sobretudo nas telenovelas e teatro — que ameaça roubar o foco central do filme, até quando está em silêncio — sempre a fumar — graças à sua interpretação, mas também a um magnífico argumento, que lhe dá uns diálogos de uma excepcional sinceridade: em certos momentos as sua palavras parecem dardos precisos e acertados. Em nenhum momento Abujamra  faz com duvidemos da consistência da sua personagem, que vive um processo letal, mas que ainda afirma que “viveu muito bem a sua vida”. Mas todo o peso de “Como os Nossos Pais” recaí em Maria Ribeiro, que consegue chegar aos corações dos espectadores manter-nos dentro das dúvidas e das suas lutas internas. Os seus medos e esperanças são recriados com uma subtileza enorme, para que compreendamos perfeitamente o que se passa na sua cabeça, criando uma grande empatia com o espectador. Os momentos de diálogo e confissões com o marido (o conhecido galã Paulo Vilhena) são magníficos e de uma profunda empatia entre o casal em crise.

Como os Nossos Pais
Um história que nunca cai na tentação fácil de desequilibrar contra os homens.

A realizadora procura ainda uma forma de apresentar todas as possíveis emoções com um delicioso jogo de esconder ao espectador o que não necessita saber, escolhendo inesperados e criativos planos de câmara, para extrair maravilhosos detalhes do quotidiano. Talvez o único senão esteja quando se fecha num excesso de metáforas para nos indicar o estado emocional de Rosa, como se a sua própria inquietação não fosse suficiente para deixar claro a sua desordem interior, não confiando nas capacidades dedutivas do espectador, e mostrando algumas situações caricatas como a do leite a ferver que acaba transbordando, ou uma cena em que Rosa se mostra livre tanto física como mentalmente em pleno centro paulistano.

Como Os Nossos Pais
Uma excelente crónica familiar, sobre muitas super-mulheres, divididas entre, um casa, a familia e o trabalho.

“Como os Nossos Pais” é ainda um ensaio sociológico, porque aborda questões culturais sobre o papel da mulher na sociedade, dentro da sua família e em todos os seus papéis sociais, através da ficção, mas com casos concretos e realistas, e com múltiplas referências feministas e dramáticas: os ensaios da filósofa e escritora francesa, defensora dos direitos humanos e feminista, Simone De Beauvoir e a peça de teatro “A Casa de Bonecas” do dramaturgo Henrik Ibsen — a protagonista é igualmente uma aspirante a dramaturga e revê-se na personagem de Nora, da peça do norueguês — mas sem nunca desequilibrar a história contra os homens.

“Como os Nossos Pais” mostra-nos que as decisões mais polémicas e naturais, parecem ser quase instintivamente herdadas de uma forma genética de pais para filhos. Como no velho ditado português ‘tal pai, tal filho?.

JVM

Como Os Nossos Pais, em análise

Movie title: Como os Nossos Pais

Date published: 18 de March de 2018

Director(s): Laís Bodanzky

Actor(s): Maria Ribeiro, Paulo Vilhena, Clarisse Abujamra, Felipe Rocha

Genre: Comédia, Drama, 2017, 93 min

  • José Vieira Mendes - 80
80

CONCLUSÃO

“Como os Nossos Pais” é um drama excelente com inteligentes toques de humor e muito realismo que deixa claro que os princípios que temos sobre a igualdade de géneros, às vezes não são nada fáceis de aplicar na vida real.

O MELHOR: Os diálogos e as interpretações de Maria Ribeiro e da veterana Clarisse Abujamra;

O PIOR:
Um certo exagero de pequenas metáforas para nos mostrar os diversos estados emocionais de Rosa ao longo do filme.

JVM

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