O Couraçado Potemkine, em análise

Jamais algum filme igualará O Couraçado Potemkine, realizado por um dos “pais” do Cinema Contemporâneo, que junta as formas tradicionais narrativas e as formas experimentais da linguagem cinematográfica. 

No âmbito do Ciclo do Grande Cinema Russo levado a cabo pela Medeia Filmes, chega finalmente às salas de cinema a magnífica cópia restaurada de O Couraçado Potemkine, realizado por Serguei M. Eisenstein (1898-1948). Mais do que todos os filmes que entretanto serão exibidos no decurso do ciclo este é aquele que mais corremos riscos em abordar, seja pelas inúmeras teorias que entretanto foram sendo publicadas por parte de investigadores e especialistas, seja pela admiração de larga escala deste projeto por muitos dos membros da nossa equipa.

O Couraçado Potemkine

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Em primeiro lugar, O Couraçado Potemkine torna-se, sem dúvida alguma, um dos célebres exemplos de como a técnica e a narrativa podem surgir em todo o seu esplendor e em simultâneo. Como bem sabemos e percecionamos nos dias de hoje, juntar um plano ao outro nunca foi tão fácil, na verdade trata-se de uma experiência tão corriqueira que qualquer um de nós pode fazê-lo nos múltiplos dispositivos que dispõe. Aliás, os moldes mais comerciais, como o cinema de Hollywood e o  interessante exemplo de Mad Max: Estrada da Fúria (último vencedor do Óscar de melhor montagem) tem vindo a mostrar essa “facilidade”, ao unir planos num ritmo frenético, que quase nos impossibilitam um normal piscar os olhos. No entanto nada disto seria possível sem O Couraçado Potemkine, que graças ao empenho do seu cineasta, revolucionou as maneiras de fazer e pensar cinema.

Na verdade e numa explicação um quanto minimalista, a teoria da montagem de Eisenstein prima pela sua insistência na ligação dos planos, ou seja, uma imagem não poderá estar sozinha porque de outra forma não lhe poderá ser atribuído um sentido, rotulando-se apenas um discreto e banal fotograma. Daí que quando em comunhão com outras, uma imagem veicula um propósito, por exemplo, gera ideias e emoções no seu espetador, sendo igualmente ágil por intensificar uma maior consciência política preponderante na relação com o mundo em redor – tudo pelo período histórico que estava a ser vivenciado na época da estreia de O Couraçado Potemkine, de uma reflexão sobre os momentos históricos anteriores à Revolução Russa de 1917.

O Couraçado Potemkine

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Neste enquadramento, o também revolucionário Eisenstein vai inicialmente ao encontro do cinema americano, ao incorporar algumas noções que já tinham sido apontadas dez anos antes – em 1915 – por parte de D.W. Griffith em O Nascimento de uma Nação, sobretudo na tentativa de reconstituição histórica e na idêntica utilização dos close-ups e dos planos gerais. Porém, O Couraçado Potemkine vai inclusive além. Sem qualquer vetor racista, Eisenstein apresenta a história verídica dos marinheiros da embarcação czarista Potemkin que em 1905 realizaram um motim para reivindicar melhores condições de trabalho e, por sua vez melhores condições de vida, já a prenunciar um certo realismo socialista em ascensão na produção artística russa. E o que vemos são momentos de puro cinema. O ambiente do navio, filmado com destreza e cuidado nunca cai em interesses propangadísticos (mesmo assim, tratou-se de uma encomenda do governo estalinista para comemorar o vigésimo aniversário da Revolução) e retrata a intolerância humana ainda abrangente a muitas nações.

O Couraçado Potemkine

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De facto, o que verá em O Couraçado Potemkine dificilmente lhe sairá da cabeça. Temos uma divisão da trama em cinco partes, as quais de uma forma ou de outra, são tocadas pela manifestação que diz respeito ao coletivo de homens e de mulheres da URSS e não a uma elite. Atente-se por exemplo à sequência da escadaria da Odessa que em sete minutos se torna possivelmente na mais importante da história do cinema. Nela, as forças repressoras do regime eliminam, sem dó nem piedade, aqueles que ali estavam para saudar a tripulação do navio. Homens, mulheres, crianças que tentam escapar são e salvos ao tiroteio são esmagados e mortos com uma brutalidade que nos faz questionar. A cena, construída com uma sensibilidade incrível, mostra uma mãe a lamentar a morte do seu filho e outra a morrer ao mesmo tempo que empurra o carrinho do seu bebé pela escadaria abaixo – instante que mais tarde seria homenageado noutros filmes como em Os Intocáveis, de Brian de Palma. O mesmo que se diga da posição das personagens – os soldados acima e as pessoas abaixo servem para realçar a organização social e as relações de poder. Outro aspeto aqui notável é o intervalo de tempo sentido pelo espetador. Se tudo se passasse em tempo real a sequência seria muito menos demorada, contudo Eisenstein brinca com o tempo para criar suspense. A distensão temporal faz inserir essas duas pequenas tramas das crianças e das suas mães, sem esquecer o impacto seguinte desta sequência que faz acordar uma estátua de um leão adormecido.

Por fim, ao mesmo tempo que incorpora momentos passados, fundamentais na construção de uma memória coletiva, Eisenstein projeta o seu O Couraçado Potemkine para um futuro, um futuro que pode muito bem estar contido num decurso da sua obra-prima, não havendo maior e melhor milagre do que esse.

O Couraçado Potemkine

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O MELHOR – A passagem de um plano ao outro e os sentidos que daí adveem.

O PIOR – A dificuldade de muitos espetadores em assistir hoje em dia a um filme a preto e branco e mudo, independentemente do período histórico tratado.


O Couraçado Potemkine

Título Original: Chelovek s kino-apparatom
Realizador:  Serguei Eisenstein
Elenco: Aleksandr Antonov, Vladimir Barsky, Grigori Aleksandrov
Leopardo Filmes | História, Guerra, Drama | 1925 | 75 min

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VJ

 

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