Car Seat Headrest - Twin Fantasy

Car Seat Headrest, Twin Fantasy | em análise

Em Twin Fantasy (Face to Face), gémeo do seu disco de culto de 2011, Will Toledo regressa ao passado para tirar dele o futuro e surpreender-nos com o que pensávamos conhecer.

Para quem pôde ver a sua estreia em Portugal no Primavera Sound ou, um ano depois, em Paredes de Coura, os Car Seat Headrest já não são uns ilustres desconhecidos mas uma banda a estimar, com um passado de culto e um futuro promissor. Os CSH começaram como um projeto a solo de Will Toledo, ainda hoje o único compositor das canções que lhes ouvimos. Músico universitário, objecto de (e por vezes activo participante na) conversa afectuosa de uma crescente linha de fãs em blogs, no Reddit ou no Tumblr, com uma invejável lista de oito álbuns gravados no quarto da residência e lançados no Bandcamp, Will Toledo passou a integrar em 2015 a mítica editora Matador. Reuniu uma banda para regravar canções antigas, gravar as novas e tocá-las a todas ao vivo. Lançou dois álbuns, Teens of Style e Teens of Denial, onde se assistia ao abandono, se não da estética, pelo menos das condições lo-fi das anteriores edições. E alcançou a visibilidade mundial com o fantástico Teens of Denial, que muitos críticos e revistas incluíram nas suas listas de melhores álbuns de 2016.

Dada esta progressiva marcha em direcção ao sucesso, pode parecer estranho o retorno de Toledo a um dos discos dos bons velhos tempos do Bandcamp, mesmo se Twin Fantasy – conhecido agora pelo aposto “(Mirror to Mirror)” – era o seu disco lo-fi mais amado e se tal retorno não é novo, uma vez que Teens of Style já consistia na regravação de algumas das melhores canções do catálogo Bandcamp. No entanto, embora arriscado, o regresso resultou numa surpreendente novidade, capaz de persuadir os velhos fãs do original e conquistar novos adeptos que não deixarão de o perseguir por esses festivais fora. Acima de tudo, nada faz mais sentido, dentro da lógica do pós-modernismo de Will Toledo, do que reescrever o passado à luz do presente para poder projectar o futuro.

Will Toledo

Um dos aspetos mais interessantes dos Car Seat Headrest e de Twin Fantasy é o contributo a pôr fim às intermináveis conversas sobre a morte e a ressurreição do indie rock. Com uma morte anunciada deste que surgiu na década de 50 do século passado, o rock já passou por muitas vicissitudes que nada têm a ver com o género em particular mas com a arte em geral. Às vezes, pura e simplesmente, não surge ninguém com talento. E, quase sempre, não cabe a ninguém proclamar a priori o que pode ou não funcionar, o que já deu o que tinha a dar ou o que ainda tem pano para mangas e pernas para andar. A razão é só uma, o carácter imprevisível das pessoas, da sua personalidade e do que conseguem pôr de novo cá no mundo a partir do mundo velho que já cá está. A propósito de The Life of Pablo, de Kanye West (mas podia muito bem dizê-lo da sua obra também), Will Toledo comentou que a arte não se cria num vácuo. Tendo estudado Literatura Inglesa e Teologia no College of William and Mary, a mais antiga universidade americana a seguir a Harvard, Toledo está bem ciente de que tudo o que é gerado uma primeira vez no seio de uma forma de arte passa a poder ser usado e reutilizado por todos, para todo o sempre.

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Onde muitos tentam renovar o passado sem conseguir sair dele, estando já datados ao soar do primeiro acorde, Will Toledo consegue citá-lo descaradamente, entretecê-lo de forma camaleónica e, ainda assim ou por causa disso mesmo, trazê-lo de novo à vida. A voz vai oscilando, em viragens repentinas mas imperceptíveis, entre o roufenho quieto-gritado de Robert Pollard (Guided by Voices), o dialogismo irónico, semeado de apartes, de Jarvis Cocker (Pulp), o staccato displicente de Stephen Malkmus (Pavement) ou a displicência arrastada de Julian Casablancas (The Strokes). A textura densa das guitarras e as suas melodias desenterram da memória o hardcore americano mais pop dos Mission of Burma, Replacements ou Hüsker Dü e o lo-fi dos Sebadoh e Pavement, podendo Twin Fantasy ter saído na década de 90 que não destoaria. Ou até na década seguinte, dado que os ritmos dançáveis e acelerados relembram bandas como os Strokes, Bloc Party ou Arcade Fire.

A “Bodys” começa com uma introdução sincopada e angular, saída directamente do auge dos anos 2000, e avança em épicos crescendos, cujo entusiasmo frenético, reflexo do tema da canção, só é refreado por um dedilhado solitário de guitarra acústica, truque de dinâmica que já ouvimos na “Celebrated Summer”. O motivo de baixo que abre a “Famous Prophets” é quase o mesmo da “Shadowplay” dos Joy Division. Construindo-se como um suscitar intermitente de (irritantes?) reminiscências musicais, nenhuma das manhas ou técnicas em CSH é propriamente original. A não ser o seu uso como a máscara proteica por meio da qual se exprime o rosto dos CSH, sendo que não há realmente um rosto por detrás ou para além da máscara.

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A expressão teatral e irónica de Will Toledo não retira nada da confessionalidade do seu projecto. Twin Fantasy não se limita a regressar ao eu passado, que o disco original revela, mas revê-o e aos seus sentimentos sob a perspectiva do eu presente. Um exemplo de que a música sempre lhe serviu de documentação do seu progresso como pessoa, tanto musical como poeticamente. (Noisey) O carácter lúdico e laboriosamente intertextual do seu pós-modernismo não eliminou nunca o desejo de sinceridade, que o fez recusar, desgostoso, os métodos analíticos de abordagem à literatura cultivados na academia. Toledo procurou sempre escrever as suas letras com um “propósito mais lato” em vista, que lhe vinha da leitura de “poemas que, tendo centenas de anos, ainda retinham uma importância e urgência emocional” (L&Q)

Twin Fantasy (Mirror to Mirror) é tanto a documentação como a digestão de uma amizade adolescente de rapazes, vivida entre os limites da sobriedade e da embriaguez, do humano e do desumano, da desejada unidade fraterna (incompreensível ao elemento feminino) e da ressentida distância que inevitavelmente se intromete. Confusões de identidade, sentimentos indistintos com que não se sabe lidar, a enigmática materialidade do corpo e motivos caninos compõem o universo onde se desenrola o drama de crescer. Neste cosmos introduz-se a arte que, fazendo parte dele, o cria e recria, convertendo a vida em história e o passado numa hesitação entre o real rememorado e a fantasia imaginada. Mesmo se “it’s not enough to love the unreal”.

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No gémeo de 2018, Twin Fantasy (Face to Face), Will Toledo repete, mas agora com o peso de seis anos em cima, que “I haven’t looked at the sun for so long/ I’d forgotten how much it hurts to”. Dístico que refere, por um lado, o tema central do conto “All Summer in a Day”, de Ray Bradbury, de cuja adaptação cinematográfica Toledo retira uma das amostras sonoras do disco. Mas também aquilo que é preciso voltar a fitar para compreender, não interessa quão doloroso. As ligeiras e, no entanto, significativas mutações líricas do original para o remake assinalam o distanciamento (a superação?) de Toledo relativamente ao acontecimento pessoal narrado e a assumpção de uma voz mais universal, capaz de falar de nós e por nós, ouvintes. Toledo talvez seja ainda novo demais para declamar, sem parecer presunçoso, a famosa passagem de 1 Coríntios 13: 11-13, de onde aliás retira a ideia do espelho e da face, como chave de leitura do seu disco e da nossa vida. Mas novo que é, substituindo num jogo de palavras a tríade da fé, esperança e caridade pela díade dos seus discos, mostra que da sua vida, pelo menos, já “these two remain”. Quanto a nós, lá diz o salmo que da boca das crianças e meninos de peito sai um louvor que confunde os adversários.

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Car Seat Headrest, Twin Fantasy | em análise

Name: Twin Fantasy (Face to Face)

Author: Car Seat Headrest

Genre: Indie Rock, Lo-fi

Date published: 16 de February de 2018

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  • Maria Pacheco de Amorim - 90
  • Rui Ribeiro - 90
  • Daniel Rodrigues - 90
90

Um resumo

Will Toledo, apesar da sua pouca idade, mostra ter idade suficiente para regravar e reescrever um disco de há seis anos atrás, fazendo contas com o passado e revelando a vida como um crescimento contínuo. Longe de ser um exercício académico, Twin Fantasy (Face to Face) resulta da aplicação inteligente das técnicas do pós-modernismo e vibra com a vivacidade da experiência pessoal dos Car Seat Headrest. Uma história em acto, tanto da tradição musical usada e subvertida, como da vida e do catálogo de Will Toledo, que poderemos ouvir com regozijo enquanto esperamos ansiosamente pelos próximos capítulos.

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