14º IndieLisboa | Werewolf, em análise

Ao contar a história do amor tóxico de dois toxicodependentes canadianos, Werewolf revela-se como um dos títulos mais deprimentes e menos originais do 14º IndieLisboa.

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Desde que Jack Lemmon e Lee Remick eletrizaram os cinemas americanos em 1962 com o seu trágico romance em Escravos do Vício que a exploração de romances entre viciados se tem vindo a tornar num dos temas mais recorrentes do cinema mundial. É bem possível que este tipo de filme, quase um subgénero por si só, remonte a ainda mais cedo, mas o facto é que, especialmente depois da ascensão do cinema independente anglófono e do realismo europeu nos anos 90, estas histórias de amor tóxico no cinema têm vindo a ficar progressivamente presas a uma série de clichés e fórmulas, que atraiçoam mesmo os mais sinceros esforços humanistas ao despi-los de qualquer tipo de interesse ou vitalidade. Werewolf, a primeira longa-metragem da realizadora canadiana Ashley McKenzie é mais uma vítima desse fenómeno.

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O filme apresenta-nos o doloroso e muito sôfrego dia-a-dia de Blaise e Vanessa, um casal de toxicodependentes que estão, de momento, num programa de metadona para se tentarem livrar do vício da heroína e dos sintomas do desmame, inclusive sentimentos suicidas. Apesar de se refugiarem numa rulote arruinada e deixada ao abandono no meio do mato, eles são basicamente sem-abrigos que apoiam todo o seu sustento num corta-relvas que passeiam pelos subúrbios em busca de alguém que lhes queira pagar para eles apararem os seus jardins sob o sol aparentemente insuportável do verão canadiano.

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Werewolf foi filmado na ilha de Cape Breton na Nova Escócia, a terra natal da realizadora e uma infame região do Canadá graças ao seu descomunal nível de desemprego e uma proliferação do consumo ilegal de opiáceos quase epidémica. A familiaridade da cineasta com o seu ambiente, contudo, não oferece grandes benesses ao filme, sendo que McKenzie tomou a curiosa decisão de capturar a trama dos dois toxicodependentes através de uma série de claustrofóbicos grandes planos, mais ou menos reminiscentes da fragmentação corporal evidenciada no trabalho mais antigo de Jane Campion. Não é que essa proximidade sufocante seja particularmente agradável ou inspirada, mas pelo menos tem mais interesse estético que o outro mecanismo visual da cineasta que é o uso indisciplinado de câmara ao ombro na tradição do realismo social moderno, onde quanto mais a imagem treme mais visceral se presume que seja a reação da audiência face às realidades difíceis que o filme expõe.

Também temos, como não podia deixar de ser num drama desta seriedade, o uso de uma paleta cromática pouco saturada e dominada por uma pátina de luz acinzentada que faz com que a tez já pálida dos protagonistas pareçam cadavéricas. Na verdade, quando ouvimos descrições do calor, é a primeira sugestão de que o filme começa no verão e não no píncaro do inverno. Se julgarmos tais escolhas como um modo de manifestar a perspetiva subjetiva das personagens, uma conclusão que é apoiada pelo modo como todas as figuras de autoridade são efetivamente empurradas para fora do frame pelo uso de espaço negativo, então há algo de eficiente, mas muito perfuntório, na direção de McKenzie. Werewolf não é, afinal, um filme formalmente incompetente (o som é horrível, mas ajuda à claustrofobia desejada), só é um poço de anemia criativa.

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O mesmo se aplica à relação central do filme, o que não invalida o bom trabalho dos dois atores que tentam construir retratos tridimensionais a partir de caracterizações indefinidas ou terrivelmente redutoras. Blaise, interpretado por Andrew Gillis, é um parasita beligerante que pode ter perdido tudo ao vício menos o seu orgulho e arrogância. Pelo contrário, Vanessa é uma rapariga acabada de sair da adolescência, que ainda mantém alguma da inocência romântica dessa idade, mesmo que nunca vejamos na sua face algo tão singelo como único sorriso. Ela é uma presença de constante submissão e passiva vitimização às mãos do seu namorado que acaba sempre por ser a força que impede Vanessa de avançar na vida e deixar para trás o inferno que lhe roubou a juventude.

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O que parece inicialmente ser um filme sobre a dor e o sofrimento potenciado pela toxicodependência acaba por se revelar como uma história de ascensão e crescimento para a sua protagonista feminina. Vanessa acaba por arranjar um emprego, por pedir auxílio à mãe e por conseguir alcançar o privilégio de poder tomar as suas doses de metadona em casa e não em visitas diárias à farmácia local. A ligação a Blaise continua a envenenar a sua existência, mas, pelo final do filme, ela lá parece ter decidido parar o movimento cíclico da sua vida (algo simbolicamente pontuado pela imagem de Vanessa a usar uma trituradora manual com uma morfologia circular e a subsequentemente a abandonar, parada para o escrutínio da câmara).

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Apesar de fascinante, o modo como Ashley McKenzie decidiu estruturar Werewolf através de uma série de rituais e processos da rotina diária dos protagonistas acaba por se provar traiçoeiro no que diz respeito ao desenvolver das personagens. Ainda mais nociva é a bizarra negligência prestada à figura de Vanessa no princípio do filme, uma decisão que rouba muito do impacto dramático à sua eventual conclusão narrativa. Enfim, Werewolf não é, como já referimos, um filme mau ou incompetente. É somente um projeto sem muita originalidade que foi orientado por fórmulas tão fatigadas como os corpos letárgicos dos seus protagonistas. Com os seus simbolismos gritados e personagens insuficientemente esboçadas, o projeto acaba por dar a ideia de ser um rascunho para algo maior e melhor, pelo que, com sorte, os próximos esforços da realizadora talvez já se apresentem como obras merecedoras de mais valor que este infeliz trabalho.

 

Werewolf, em análise
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Movie title: Werewolf

Date published: 13 de May de 2017

Director(s): Ashley McKenzie

Actor(s): Andrew Gillis , Bhreagh MacNeil, Kyle M. Hamilton

Genre: Drama, 2016, 80 min

  • Claudio Alves - 50
50

CONCLUSÃO

Encabeçado por duas prestações naturalistas simultaneamente admiráveis e limitadas, Werewolf é mais uma entrada no crescente cânone de romances tóxicos filmados de modo realista no panorama do cinema independente.

O MELHOR: A prestação de Andrew Gillis como o beligerante Blaise. Por vezes, é insuportável aturar as suas palavras e atitude, mas seria injusto não reconhecer que o ator capturou algo visceralmente desconfortável e genuíno no seu retrato deste homem que, para a sua namorada, é um nocivo parasita.

O PIOR: Toda a falta de originalidade formal e narrativa que se abate sobre todo o projeto.

CA

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