O Dia Mais Feliz na Vida de Olli Mäki, em análise

Com a sua simplicidade charmosa e primor formal, O Dia Mais Feliz na Vida de Olli Mäki foi um justo vencedor do prémio máximo da secção Un Certain Regard no Festival de Cannes.

 O Dia Mais Feliz na Vida de Olli Maki critica

Filmes sobre pugilistas há muitos. Aliás, dentro do género de cinema desportivo, o pugilismo é o incontestável rei e o seu domínio já se estende desde os primórdios de Hollywood. Na década de 70, em particular, o cinema americano aperfeiçoou o uso de histórias de pugilismo como veículos para estudos de personagem e masculinidade. Os dois mais famosos exemplos desse fenómeno são Rocky e Touro Enraivecido e, por muito que este seja um tema em constante revisitação no cinema anglófono, é muito raro ver um novo filme deste subgénero que não pareça, de algum modo, um eco ou débil cópia desses triunfos do passado.

Parte do problema deve-se ao modo como, enquanto um subgénero cinematográfico, o filme sobre pugilismo tem vindo a ser ossificado por fórmulas constantemente repetidas e uma coleção de protagonistas que, não obstante o trabalho de bons atores, tendem a ser relativamente invariáveis nas suas personalidades, conflitos e desafios pessoais. Por isso mesmo é que, mesmo que mais nada tivesse para oferecer, O Dia Mais Feliz na Vida de Olli Mäki mereceria imediata admiração crítica, sendo que propõe ao espetador uma radical alternativa ao usual herói de um filme sobre pugilismo.

 O Dia Mais Feliz na Vida de Olli Maki critica

Longe da brutalidade hiperagressiva de Jake LaMotta, da determinação heroica de Rocky Balboa, da trajetória trágica de Maggie Fitzgerald ou da inspiradora força de vontade de Adonis Johnson, a história e personalidade de Olli Mäki são caracterizados pela sua simplicidade passiva. Diretamente inspirado numa figura histórica do desporto finlandês, o protagonista de O Dia Mais Feliz na Vida de Olli Mäki é um homem comum, sem grande ambição que, apesar do seu relativo sucesso desportivo, nunca parece ver o triunfo no ringue como o ponto focal da sua existência. Aliás, por muito que todo o enredo se centre no combate entre Mäki e o campeão americano peso pluma Davey Moore, a narrativa geral é infinitamente mais focada no desabrochar de um romance.

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Não é nenhum acaso ou mostra de indisciplina textual, que, enquanto espetadores, a nossa primeira grande introdução ao homem que é Olli Mäki seja feita em cenas completamente removidas do contexto desportivo. Com um carro avariado, um inesperado compromisso social e uma namorada charmosa, o pugilista aparece-nos como o herói meio improvável de uma comédia romântica. Nessas cenas, tanto o realizador Juho Kuosmanen como os dois atores principais, Jarkko Lahti e Oona Airola, deixam que o filme se desdobre numa coleção de momentos casuais cristalizados em toda a sua beleza familiar e deliciosamente banal. É difícil não nos deixarmos apaixonar um pouco por este par e suas viagens de bicicleta através dos arvoredos solarengos da Finlândia de 1962.

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No entanto, tais visões idílicas não são compatíveis com o já mencionado enredo desportivo e o grande conflito do filme acaba por não ser o de um homem e os seus demónios internos, mas sim o de um homem e as expetativas que as pessoas dentro do filme e a audiência têm da sua persona enquanto pugilista. Elis, o treinador e manager de Olli Mäki, é a principal personificação desse conflito, pressionando o protagonista e tentando moldá-lo à imagem de um grande herói desportivo que Mäki obviamente não tem nenhum interesse em ser. O píncaro desta dinâmica ocorre durante uma conferência de imprensa quando, para grande infelicidade de Elis, o pugilista tem uma epifania pessoal, e apercebe-se que está verdadeiramente apaixonado por Raija, a sua já mencionada namorada, que acompanhou Olli até Helsínquia para o apoiar no combate.

Tal descrição pode induzir o leitor a imaginar o filme como uma dramática luta pelo amor face aos ditames de uma força maior, mas O Dia Mais Feliz na Vida de Olli Mäki não tem interesse nenhum em tais melodramas. Os cineastas, pelo contrário, deixam que o filme se desenvolva em pequenos episódios, que por vezes se assemelham a sketches cómicos e em que vamos observando as preparações para o combate, o combate em si e o rescaldo pessoal dos eventos para Olli. Também perscrutamos a vida de Elis, cujos esforços e ambições vão resultando em pequenas explosões de comédia desconfortável sem que a personagem alguma vez se torne numa força antagonista.

 O Dia Mais Feliz na Vida de Olli Maki critica

Em suma, a nível narrativo, este é um filme descomplicado, divertido, comovente e incrivelmente agradável de ver. Mas, não obstante a sua subversão de convenções do género, a leveza que rege toda a história tende a sugerir algo inconsequente e tão ligeiro que se torna aborrecido. Pela sua parte, os atores, mesmo aqueles em papéis mais secundários, elevam o projeto e injetam-lhe necessário calor humano, especialmente Lahti. Com isso dito, aquilo que torna O Dia Mais Feliz na Vida de Olli Mäki numa indispensável obra cinematográfica e num justo vencedor da secção Un Certain Regard no Festival de Cannes do ano passado não é nem a história, nem o elenco, mas sim o puro primor formalista da sua execução técnica.

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Apesar de estar a fazer um filme de época centrado em eventos verídicos na história desportiva da Finlândia, o realizador Juho Kuosmanen não teve acesso a um grande orçamento. Isso nota-se principalmente na cenografia, onde os usos de localizações reais com mínimas alterações poderão perturbar o espetador com um olho atento. A compensar isso, o cineasta decidiu filmar todo o projeto em 16mm, usando uma película feita especialmente para fotografia a preto-e-branco e não para uso em cinema. Tal risco técnico resulta num filme que parece um editorial fotojornalístico dos anos 60 em movimento, com negros densos, grão expressivo e níveis de contraste que tornam a mais anódina das situações num potencial tableau de cortar a respiração.

 O Dia Mais Feliz na Vida de Olli Maki critica

Excelência formalista raramente é algo que apela a uma audiência geral, mas a beleza fotográfica deste docudrama finlandês é difícil de ignorar. O trabalho do diretor de fotografia J.P. Passi não ofusca os outros prazeres do filme, mas leva-os a níveis de expressividade que não teriam sem a triunfante abordagem estética. O simples ato de ver uma pedrinha ressaltar na superfície de um lago torna-se num pequeno epíteto de deslumbramento e é fácil perceber como, para o nosso protagonista, os prazeres simples da vida, como esse fenómeno, podem constituir algo mais valioso que a glória desportiva. No final, O Dia Mais Feliz na Vida de Olli Mäki é uma celebração da modéstia e da simplicidade, uma canção sobre o contentamento de alguém que não ambiciona ser um herói, um gesto cinematográfico tão leve como uma brisa de verão.

 

O Dia Mais Feliz na Vida de Olli Mäki, em análise
The Happiest Day in the Life of Olli Maki

Movie title: Hymyilevä mies

Date published: 25 de June de 2017

Director(s): Juho Kuosmanen

Actor(s): Jarkko Lahti, Oona Airola, Eero Milonoff, John Bosco Jr., Deogracias Masomi, Joanna Haartti

Genre: Drama, Biografia, Romance, 2016, 92 min

  • Claudio Alves - 75
75

CONCLUSÃO

Não obstante uma falta de ambição dramática, concetual e narrativa que reflete a disposição do protagonista, O Dia Mais Feliz na Vida de Olli Mäki é um filme de grande primor técnico com inegável charme.

O MELHOR: A gloriosa fotografia a preto-e-branco. A sequência em que Olli Mäki tenta desesperadamente perder peso com uma série de exercícios e longas sessões na sauna é especialmente primorosa neste aspeto.

O PIOR: Sem contar com a já muito referida simplicidade exasperante e antidramática da narrativa, a opacidade na definição de Raija como mais do que um simples par amoroso para Olli Mäki é um dos maiores problemas do filme.

CA

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