Venice Sala Web | El vendedor de orquídeas, em análise

Em El vendedor de orquídeas, Lorenzo Vigas, que ganhou o Leão de Ouro de 2015, constrói uma belíssima elegia ao seu pai, o pintor venezuelano Oswaldo Vigas. Tal como todos os filmes presentes no Venice Sala Web, esta obra foi exibida no Festival Internacional de Veneza e está, de momento, disponível no Festival Scope.

el vendedor de orquídeas lorenzo vigas venice sala web festival scope

Depois de surpreender o mundo e arrecadar um merecido Leão de Ouro na Bienal de Veneza do ano passado, Lorenzo Vigas tinha enormes expetativas sobre os seus ombros quando regressou ao Festival que o coroou pela sua primeira longa-metragem. No entanto, ao invés de ser como tantos realizadores que tropeçam no seu segundo projeto por tentarem recapturar a magia do primeiro, Vigas trouxe a Veneza um projeto completamente diferente de Desde Allá, um volátil romance homossexual executado com minimalismo, que lhe valeu o Leão de Ouro.

Lê Também: 13º IndieLisboa | Desde allá, em análise

El vendedor de orquídeas é, em primeiro lugar, um documentário cheio de entrevistas e conversas, completamente diferente dos silêncios taciturnos do projeto anterior. Mas, para além disso, este filme não é um simples estudo sobre um pintor admirado pelo realizador, mas sim uma homenagem de um filho ao seu pai, Oswaldo Vigas, que morreu antes do filme ser terminado, aos 90 anos. O cineasta nunca tenta esconder o seu envolvimento pessoal com esta história e não tem nenhuma sombra de objetividade ilusória, sendo que o projeto final é quase como uma peça de exploração familiar privada que, por alguma razão, Lorenzo Vigas decidiu expor ao mundo. Talvez para tentar dar ao público a oportunidade de ver o pai através dos seus olhos.

el vendedor de orquídeas lorenzo vigas venice sala web festival scope

Para além de Oswaldo, que é uma presença constante em todo o filme, El vendedor de orquídeas também conta com a mãe do realizador, Jeannine Castes Vigas, e seu tio. Para além deles, poucas pessoas são vistas, a não ser um silencioso assistente que vai ajudando o pintor envelhecido a pintar nas telas, apesar de ter de estar sempre sentado. Quando o filme se inicia, o casal está a organizar uma exposição sobre o trabalho do início de carreira de Oswaldo, e, apesar de já se ter adquirido mais de uma centena de pinturas, para o artista há algo a faltar. Esse algo é a pintura que dá nome ao filme e que é originalmente apresentada como uma obra complementar a outra tela em exibição. A procura por El vendedor de orquídeas é, a partir desta introdução, a principal linha narrativa que une e propulsiona todo o filme.

Por essa mesma razão, vale a pena esclarecer que este quadro não simplesmente uma obra complementar a outra, pois existe uma grande carga emocional associado a ele. Ao longo do documentário, o foco de Lorenzo Vigas é muito mias direcionado para o homem que foi Oswaldo do que para o pintor, sendo que o sujeito principal se está sempre a desdobrar em reminiscências do seu passado. É nesses momentos de lembrança que nos vai sendo revelado o protagonista ausente do filme, Reynaldo, o modelo da pintura do título e o irmão mais novo de Oswaldo que já morreu há muitos anos, enquanto o pintor estava a estudar medicina em Paris. Isso e o facto de que o último momento partilhado entre os irmãos ter sido a recusa do pintor em levar o irmão esquizofrénico consigo, ainda atormentam Oswaldo e ele culpa-se pela morte de Reynaldo num acidente de viação que, como já dissemos, aconteceu quando ele estava do outro lado do Atlântico.

el vendedor de orquídeas lorenzo vigas venice sala web festival scope

Com momentos como aquele em que Oswaldo nos expõe a sua culpa e muitas outras ocasiões em que o protagonista do documentário se desmancha em lágrimas, podemos ver como um tema emerge da exploração de Lorenzo Vigas. Falamos, pois claro, do peso e da dor da memória. A certa altura, Oswaldo diz que “A memória é uma maldição. A memória pode também ser uma bênção.” E o seu filho parece levar isso a peito encontrando tanta mágoa como sublime beleza nas recordações do pai. É doloroso ver a angústia que consome Oswaldo à medida que ele se lembra de quem já morreu, da pobreza terrível com que ele e os irmãos cresceram e os sacrifícios que teve de fazer na vida. No entanto, também há catarse a ser encontrada nestas pulsantes feridas de dor humana.

Lê Ainda: Venice Sala Web | Franca: Chaos and Creation, em análise

No final, El vendedor de orquídeas afirma-se como uma obra de extrema simplicidade, onde não há uma gota de inovação ou originalidade formal, mas, em compensação, existem monumentais doses de emoção. A admiração e afeto, que o realizador tem pelos seus pais, são palpáveis e o modo como ele nunca inclui nada que sugira a morte do pai, acaba por converter este filme numa gloriosa cristalização de Oswaldo Vigas, enquanto pai, marido, ser humano e artista. Quando o documentário começa, vemos o pintor a tocar em obras de arte das civilizações antigas da Venezuela. Esse toque, o presente a tocar e em comunhão com o passado é semelhante ao que Lorenzo Vigas no está aqui a possibilitar, a comunhão com Oswaldo, sua arte e sua história de vida.

el vendedor de orquídeas lorenzo vigas venice sala web festival scope

O MELHOR: O candor e emoção das entrevistas com Oswaldo.

O PIOR: Apesar de poderoso, este documentário padece de alguns problemas estruturais, especialmente a sua falta de propulsão coerente. Por vezes, parece que o filme se perde numa tangente e não sabe bem como voltar organicamente ao seu estudo principal.


 

Título Original: El vendedor de orquídeas
Realizador:  Lorenzo Vigas
Festival Scope | Documentário | 2016 |75 min

[starreviewmulti id=22 tpl=20 style=’oxygen_gif’ average_stars=’oxygen_gif’] 


CA

 

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *