Gus Van Sant

Entrevista EXCLUSIVA MHD a Gus Van Sant sobre Não Te Preocupes, Não Irá Longe a Pé

“Não Te Preocupes, Não Irá Longe a Pé” é o novo filme do realizador Gus Van Sant, um biopic sobre o famoso cartunista norte-americano John Callahan, que conta com uma fabulosa interpretação de Joaquin Phoenix. Gus Van Sant, conta tudo aqui, em entrevista à MHD.

Este longo título “Não Te Preocupes, Não Irá Longe a Pé”, parece ter sido um bom pretexto para o realizador Gus Van Sant (n.1952, Louisville, Kentucky, EUA) voltar a filmar em Portland, Oregon — um regresso às origens de “No Trilho da Droga”, (1989) — e realizar este inspirado biopic baseado nas memórias do controverso cartunista John Callahan; e, logo para um papel bem à medida do actor Joaquin Phoenix. Para um pequeno filme independente — com a assinatura da Amazon Studios — Van Sant conseguiu, além de Phoenix a participação de um elenco de luxo: Jonah Hill, Rooney Mara, Jack Black. No final dos créditos aparece ainda um surpreendente agradecimento a Robin Williams: o malogrado actor comprou os direitos do livro de Callahan, para fazer mais um projecto com Gus Van Sant, depois de “O Bom Rebelde” (1997). Apesar de terem começado a trabalhar no argumento em conjunto Williams, mas faleceu em 2014. Pelo menos não ficamos a perder no protagonista, pois Joaquin Phoenix faz uma das melhores e mais maduras interpretações da sua carreira, que lhe pode dar inclusive uma nomeação para os Óscares do próximo ano.

Tantas coisas foram estranhamente homogeneizadas. Eu não sei se isso é bom ou mau. De certeza que, digamos há 15 anos, Portland era uma espécie de refúgio. […] Agora o mundo parece não ter refúgios.

Não Te Preocupes, Não Irá Longe A Pé
Não Te Preocupes, Não Irá Longe A Pé

“Não Te Preocupes, Não Irá Longe a Pé” conta a história de John (Joaquin Phoenix) um tipo com uma inclinação para as piadas sarcásticas e estúpidas e sobretudo para a bebida. É então, que encontra numa festa Dexter (Jack Black), que lhe sugere que passem o resto da louca noite de copos em Los Angeles, algo que John não consegue obviamente recusar. Depois de adormecer no assento do lado do condutor, completamente bêbado, John acorda tetraplégico na manhã seguinte no hospital, devido a um acidente de viação. A partir daí, e aos 21 anos, John fica numa cadeira de rodas para o resto da vida, e começa a ser-lhe posto a prova, cada gota do seu raro sentido de humor, como forma de ultrapassar o seu azar e redescobrir um novo significado para a sua existência. John é ajudado por Annu (Rooney Mara), que traz de volta à sua luxúria para a vida — numa história de amor um tanto improvável —, bem como por Donny (Jonah Hill), um hippie já fora de tempo, cujas as reuniões que dirige nos Alcoólicos Anónimos, não são muito convencionais. Mas encontram-se lá pessoas com uma diversidade de experiências, que ajudam John a ter uma perspectiva diferente da vida. E assim ele descobre a beleza e o humor nas profundezas da experiência humana, usando o seu talento artístico para transformar essas descobertas, em caricaturas brilhantemente bem observadas, que pouco a pouco vai conseguindo vender para importantes revistas como a Penthouse.

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Nesta aparente reminiscência de “American Splendor”, filme dirigido por Shari Springer Berman e Robert Pulcini de 2004, a propósito do cartunista Harvey Parker, Gus van Sant mostra neste seu novo filme sobre a cultura dos comics, também muitas das sarcásticas caricaturas de Callahan, em movimento. Van Sant trabalhou com o director de fotografia Christopher Blauvelt e com o compositor Danny Elfman, para destacar e reforçar o incrível trabalho e as dificuldades que John Callahan tem de aguentar para se afirmar profissionalmente, recuperar a alegria de viver e ter controlo sobre a sua vida. “Não Te Preocupes, Não Irá Longe a Pé”, não é apenas um filme sobre a vontade de superar as reviravoltas inesperadas da vida. É também um excelente retrato ficcional e melancólico, ainda que esperançoso, sobre a vida, mesmo que esta se vá desenrolando às custas das limitações do cartunista John Callahan, falecido em 2010 aos 59 anos. Como na maioria dos seus filmes, em “Não Te Preocupes, Não Irá Longe a Pé”, Gus Van Sant aborda novamente as questões da busca de identidade, na abordagem das sub-culturas, na intimidade de vidas de pessoas pouco comuns. E conta-nos isso tudo e muito mais nesta entrevista cedida em exclusivo à MHD.

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Durante a longa jornada de mais de 20 anos para fazer “Não Te Preocupes, Não Irá Longe a Pé”, Gus Van Sant nunca perdeu a esperança de que um dia a notável história de John Callahan chegaria ao ecrã, mas houve momentos em que ele receou que o filme nunca aconteceria.

Existiram momentos em que pensei que o filme estava prestes a acontecer, quando você está a trabalhar no guião e finalmente o entrega é como: ‘Ok, agora vamos’ mas o tempo passa e você pensa ‘bem, talvez nunca aconteça”, afirmou ele.

[Callahan] estava ansioso e sempre à espera durante todos esses anos e ficou tipo “todos nós estaremos mortos quando o filme for feito…”; E depois que o Robin e John morreram, percebi que ele estava certo.

Van Sant está, então, compreensivelmente satisfeito porque “Não Te Preocupes, Não Irá Longe a Pé” finalmente foi feito com uma performance brilhante de Joaquin Phoenix como Callahan que ficou paralisado após um acidente de carro, lutou contra o alcoolismo e tornou-se num célebre cartunista.

Callahan, que faleceu em 2010, sem dúvida também ficaria maravilhado. “Tenho certeza que ele ficaria encantado“, sorri Van Sant.

Não Te Preocupes, Não Irá Longe a Pé
Não Te Preocupes, Não Irá Longe a Pé

A autobiografia de Callahan, “Não Te Preocupes, Não Irá Longe a Pé”, viu os seus direitos adquiridos pelo falecido Robin Williams que, por sua vez, abordou Van Sant para escrever e realizar o filme em meados dos anos 90.

Robin e eu fizemos ‘O Bom Rebelde’ juntos. Ele perguntou-me se eu queria desenvolver o guião e foi aí que comecei a trabalhar com o Callahan, apenas para descobrir coisas sobre ele, saímos para almoçar e escrever o guião, e adaptando o seu livro”, recorda Van Sant.

O John estava super entusiasmado com isso. Tudo o que ele queria que acontecesse era colocar Robin Williams na frente da câmara e fazê-lo interpretá-lo, porque penso que seria uma grande honra – ele era fã de Robin e Robin era fã dos seus desenhos, eu acho que foi por isso que tudo começou, depois Robin descobriu que havia um livro e adquiriu os direitos.

Como Van Sant realça, houve um par de vezes em que o filme quase foi feito, mas a agenda ocupada de Williams, além de outros factores, fizeram com que isso nunca acontecesse.

Depois de Williams morrer em 2014, Van Sant foi contactado pela Sony, onde Williams tinha um contrato de produção. “Eu realmente não pensei nisso até que alguém me ligou da Sony e disse que eles tinham os direitos sobre o livro [John Callahan], e o que deveriam fazer com eles?”

Eu disse-lhes ‘bem, se está disponível para ser trabalhado, eu posso voltar a ele [o projecto]. E pensei sobre o assunto por algum tempo, sobre se era algo suficientemente interessante para continuar e sempre o foi. Sempre foi uma história muito interessante”.

Ele imediatamente pensou em Joaquin Phoenix para interpretar Callahan. Eles tinham trabalhado juntos em 1995 na primeira longa-metragem de Phoenix em adulto, “Disposta a Tudo”. Phoenix abraçou o desafio e desenvolveu a sua própria pesquisa, preparando-se para interpretar o cartunista alcoólico tetraplégico.

Nós apresentámo-lo ao pessoal do Centro Nacional de Reabilitação de Los Amigos, que era o hospital onde John Callahan esteve“, diz Van Sant.

Nós ainda não tínhamos financiamento mas Joaquin comprou uma cadeira de rodas e ele levava-a na sua carrinha. Era muito pesada. Ele faz a sua própria preparação e compensou.”

Não Te Preocupes, Não Irá Longe a Pé
Não Te Preocupes, Não Irá Longe a Pé

No set, trabalhámos ao lado de um elenco repleto de estrelas que incluem Jonah Hill, Rooney Mara e Jack Black, Phoenix também estava empenhado.

Joaquin é muito bom em encontrar os momentos da cena e ser o personagem“, diz Van Sant. “Há mais a dizer sobre isso, mas uma das coisas que eu gostava ao trabalhar no filme era vê-lo no momento, qualquer que fosse o momento, às vezes era no grupo, às vezes era no hospital, às vezes era quando ficava em casa quando estava a desenhar.”

Van Sant reuniu-se com Callahan várias vezes enquanto pesquisava para o seu guião, muitas vezes chegou mesmo a gravar em vídeo as reuniões e o seu sentido de humor anárquico e irreverente – a marca registada dos seus desenhos – brilhava.

Ele estava a desenhar para nós em vídeo quando saíamos com ele e nós filmávamos. Há um episódio muito divertido no vídeo em que ele está a tentar fazer um desenho e não está a resultar, como se não fosse engraçado o suficiente, e são dois cowboys numa carrinha em forma de panqueca e ele faz uma alusão a panquecas serem gay.”

Há uma bola de disco na carrinha, eu sou gay e a minha co-escritora era lésbica, então eu não sabia se ele estava a gozar connosco ou se ele estava realmente a fazer uma piada ou se ele fez a piada de propósito a pensar em nós, tipo ‘duas pessoas gays estão a chegar e eu vou fazer uma piada sobre uma carrinha panqueca’. Mas está gravado…”, ele ri.

Callahan tinha desenhado enquanto criança e redescobriu a sua paixão por desenhos após o acidente e ao participar nos Alcoólicos Anónimos (AA). Como muitos artistas, diz Van Sant, ele ficou obcecado com seu trabalho.

A obsessão pode ser um dos traços de um cineasta, escritor ou cartunista, neste caso. A maneira como ele o descreve no livro é realmente interessante. Ele estava tão obcecado com isso que não percebia porque é que todo mundo não fazia desenhos o tempo todo”, ele ri. “Ele estava tipo ‘por que é que aquela pessoa não está a fazer um desenho?

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Ele estava obcecado e interrogo-me porquê. Talvez porque naquela época ele tinha 26 ou 27 anos e finalmente encontrara algo para fazer. Ele estava a desperdiçar a sua vida e, em seguida, ele encontrou o seu chamamento, foi tão emocionante para ele e veio do nada, muito provavelmente, como resultado de parar de beber e passar a ter energia.”

De repente, ele tinha energia e, como ele disse no seu livro, ele apenas desenhou desenhos durante um ano inteiro, constantemente“.

Van Sant tem duas nomeações ao Óscar de Melhor Realizador por “O Bom Rebelde” (1997) e “Milk” (2008). Os seus outros filmes incluem o “No Trilho da Droga”, “A Caminho de Idaho”, “Disposta a Tudo”, “Descobrir Forrester”, “Elefante”, “Last Days: Últimos Dias” e o “Inquietos”.

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Em seguida poderás ler a entrevista completa.

[Callahan] era fã do Robin e o Robin era fã de seus desenhos, que é a razão pela qual eu penso que tudo começou, foi aí que o Robin percebeu que ele tinha um livro e escolheu-o.

Magazine.HD: Tem sido um longo caminho até a ao grande ecrã para este…

Gus Van Sant: Sim, mais de 20 anos.

MHD: Houve momentos em que você pensou que o filme não aconteceria?

GVS: Sim, houve momentos em que eu pensei que estava prestes a acontecer, quando você está a trabalhar no guião e o entrega é como: ‘OK, agora é que vai’ e então passa algum tempo e você pensa ‘bem, talvez nunca aconteça’.”

MHD: Qual foi a chave para fazer o filme acontecer?

GVS: Robin tinha uma biblioteca de trabalho dentro da Sony Pictures, então acho que parte da razão pela qual o projecto evoluiu foi que, aparentemente, durante os seus últimos 20 anos, outros projectos atravessaram-se no caminho e ele não conseguiu encontrar espaço na agenda; infelizmente a morte dele desbloqueou-a. Depois de se trabalhar no primeiro esboço do guião, o projecto entra suficientemente no sangue de modo a que possa sempre voltar a ele. Eu realmente não pensei nisso até que alguém me ligou da Sony e disse que eles tinham o livro de John Callahan, que o Robin o tinha deixado e o que eles deveriam fazer com ele? Eu disse-lhes ‘bem, se está disponível para ser trabalhado, eu posso voltar a ele. E eu pensei nele por um tempo, sobre se era algo que era interessante o suficiente para continuar e sempre foi, sempre foi uma história muito interessante.

MHD: Você conheceu John Callahan. Como é que ele era? Ele tinha esse tipo de espírito anárquico que vemos no filme?

GVS: Sim. Ele era realmente um irlandês ruivo nos Estados Unidos, o que era engraçado porque ele cresceu independentemente de qualquer vínculo com a Irlanda, mas ele parecia desordeiro e usava humor nas suas arruaças. Ele foi criado como católico, praticamente criado por freiras, além da família que o adoptou. A fonte do seu problema com a bebida foi sentir-se deslocado, mas não sabia porquê. Ele era o filho mais velho de quatro na sua família adoptiva e acho que ele se sentia estranho com as outras crianças. Ele sentiu que não era um deles, o que era um grande problema. Naquela geração, descobrir que você não era do sangue da sua família era uma coisa muito debilitante e ele sempre se interrogou sobre quem seria sua mãe e onde é que ela estava. Mas ele também passava o tempo a fazer maldades.

MHD: Você mencionou que assim que ele começasse a desenhar ele não conseguia parar, que ele tinha um traço obsessivo que muitos artistas partilham. Você também tem esse traço obsessivo?

GVS: Penso que posso dizer que provavelmente partilho disso. O cartunismo é uma coisa particular, quase como comédia, que tem uma recompensa muito particular, o riso. Há uma semelhança entre o John e Robin Williams; Robin Williams era muito obcecado e se ele começava a fazer alguém rir, ele não conseguia parar, ele continuava porque entrava em transe com os risos, fosse um grupo ou uma pessoa. Foi o mesmo com o John; uma vez que ele recebesse uma resposta, ele precisava dar a volta e mostrar os seus desenhos às pessoas na rua porque ele precisava de mais risos. Ele ficava parado nas esquinas da rua, parava as pessoas e dizia “acha que isso é engraçado?”. Penso que ele queria a opinião delas, mas também queria rir. Não bastava que uma ou duas pessoas olhassem para os seus desenhos, ele queria mais e mais pessoas. Então eu penso que a publicação de seus cartoons e os e-mails que ele recebeu sobre eles, esse feedback foi muito importante para ele.

Gus Van Sant
Gus Van Sant

MHD: O Joaquin visitou o centro de reabilitação onde John se tratou e passou algum tempo acostumado-se a estar numa cadeira de rodas. Você envolveu-se na preparação de Joaquin para a personagem ou simplesmente deixou que ele seguisse em frente?

GVS: Eu envolvi-me. Nós apresentamo-lo às pessoas do Centro Nacional de Reabilitação de Los Amigos, que era o hospital onde John Callahan se tratou, mas foi por conta própria ele decidiu alugar ou comprar uma cadeira de rodas quando ainda estávamos em início. Nós realmente ainda não tínhamos financiamento mas o Joaquin comprou uma cadeira de rodas e ele levava-a na sua carrinha. Ele faz a sua própria preparação e compensa.

MHD: Você conheceu John Callahan antes de morrer. O que é que ele pensou de você querer fazer um filme sobre ele?

GVS: Ele estava super empolgado com o filme. O Robin Williams tinha uma empresa na Sony e adquiriu os direitos do livro escrito em 1989, no início dos anos 90. Depois do Robin e eu termos feito “O Bom Rebelde” juntos, ele perguntou-me se eu queria desenvolver o guião e foi aí que comecei a trabalhar com o Callahan, apenas para descobrir coisas sobre ele, saímos para almoçar e escrever o guião, e adaptando o seu livro. Tudo o que ele queria que acontecesse era colocar Robin Williams na frente da câmara e fazer com que ele o interpretasse, porque isso era uma grande honra. Ele era fã do Robin e o Robin era fã de seus desenhos, que é a razão pela qual eu penso que tudo começou, foi aí que o Robin percebeu que ele tinha um livro e escolheu-o. Então Callahan estava extremamente animado, mas depois não aconteceu e o John ficou muito triste. Ele estava ansioso e sempre à espera durante todos esses anos e ficou tipo “todos nós estaremos mortos quando o filme for feito…” E depois que Robin e John morreram, percebi que ele estava certo.

MHD: Você morava em Portland. Conheceu os desenhos de John antes de Robin se aproximar de você?

GVS: Sim. Eu conhecia os cartoons do John nos anos 80 do jornal local, Willamette Week, que era o seu principal jornal de Portland e eu também os via no LA Weekly quando estava em Los Angeles.

MHD: Ele tinha apenas 21 anos na altura do acidente, enquanto Joaquin é claramente mais velho. Tiveram isso em consideração?

GVS: Penso que deixámos tudo em aberto, não tentámos identificar a idade dele apenas para que o mesmo actor pudesse interpretar ambas. A outra escolha seria conseguir outro actor para interpretar o jovem Callahan, mas nós apenas queríamos o Joaquin.

MHD: O que faz do Joaquin um óptimo actor na sua opinião?

GVS: Joaquin é muito bom em encontrar os momentos de uma cena e ser o personagem. Há mais a dizer sobre isso, mas uma das coisas que eu gostava ao trabalhar no filme era vê-lo no momento, qualquer que fosse o momento na altura, às vezes era no grupo, às vezes era no hospital, às vezes era em casa quando ele estava a desenhar. Ele sempre foi muito bom em evocar o personagem.

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MHD: E ele surpreendeu-o?

GVS: Sim. Houve coisas fantásticas que ele criou.

MHD: Quais foram os maiores desafios ao fazer o filme?

GVS: Penso que os filmes comportam muitos desafios, por isso não sei se houve um grande desafio. Eu lembro-me que estávamos a filmar em Los Angeles e era difícil encontrar locais baratos porque em LA as pessoas filmam há tanto tempo e há uma expectativa das pessoas na cidade e uma manipulação por parte das pessoas que estão à procura de dinheiro, então você não pode simplesmente alugar uma casa por 3000 dólares para filmar. Quanto ao assunto, eu já tinha passado por isso tantas vezes com os outros rascunhos do guião que eu conhecia o material tão bem  que não existiram realmente dificuldades nesse aspecto.

MHD: Você mostra as reacções aos desenhos de Callahan e às vezes eles podem ofender as pessoas. Você pensa que temos uma visão diferente agora por causa do tempo que passou?

GVS: Talvez. Os desenhos que mostramos no filme são dos anos 80 e 90 e eu pensei nisso.

MHD: Você falou sobre como os desenhos se tornaram uma obsessão para Callahan. Quando você conheceu o John, ele fez desenhos?

GVS: Sim. Nós filmámos o John a desenhar para nós quando saíamos com ele. Há um episódio muito divertido em vídeo em que ele está a tentar fazer um desenho e não está a resultar, como se não fosse engraçado o suficiente, e são dois cowboys numa carrinha em forma de panqueca e ele faz uma alusão a panquecas serem gay.

Há uma bola de disco na carrinha, eu sou gay e a minha co-escritora era lésbica, então eu não sabia se ele estava a gozar connosco ou se ele estava realmente a fazer uma piada ou se ele fez a piada de propósito a pensar em nós, tipo ‘duas pessoas gays estão a chegar e eu vou fazer uma piada sobre uma carrinha panqueca’… mas está gravado.

MHD: O que você descobriu sobre o mentor de Callahan, Donnie (interpretado por Jonah Hill)?

GVS: Ele chamou-o de Donnie, que era um nome fictício, e numa gravação em vídeo que temos dele, ele chama-lhe de Bobby Ants, seja ou não um nome inventado também, não o poderíamos saber. Mas não conseguimos encontrar um Bobby Ants em Portland. Eram os Alcoólicos Anónimos (AA), tudo era anónimo e não existem registos de nomes das pessoas. Ele era um homem gay rico em Portland, cuja família tinha uma ligação com Alcoólicos Anónimos e ele também tinha passado pelo programa. Ele era um professor de inglês que recebeu uma herança e também fazia viagens periódicas a Nova Iorque para dançar. Ele era o conselheiro do John. Ele conhecia os 12 passos e sabia como os cumprir. Nos AA há muitos truques, muita negação das pessoas que passam por lá, e dado que Donnie passou pelos AA, ele reconhecia os truques a que as pessoas novas se agarram. Era uma espécie de grupo de encontro, uma terapia de grupo que eles faziam, que era uma vertente dos AA.

Joaquin Phoenix e Gus Van Sant
Joaquin Phoenix e Gus Van Sant

MHD: O filme é sobre um homem que está paralisado após um terrível acidente e também sobre sua batalha contra o alcoolismo. Como foi que você conseguiu encontrar equilíbrio ao contar a história do John e evitar que ela se tornasse mais sentimental?

GVS: Apenas ao tomar decisões ao longo do caminho. A história original não era muito doce porque já era suficientemente horrível ele ser cartunista e os seus desenhos serem muito provocatórios na história que já estava desenhada.

MHD: Você enquadra a história de uma forma não convencional – nós vemos no palco numa espécie de convenção e também nas reuniões dos AA – então há quase uma dupla narrativa. Porque fez essa escolha?

GVS: Eu debrucei-me sobre as diferentes partes da sua vida, não as mostrando por ordem, contando o que eu queria contar, sem ser linear, porque isso seria demasiado lento.

MHD: Embora tenha filmado em Los Angeles, está a retratar Portland, uma das cidades mais pequenas da América, e onde também filmou outras histórias. Ainda descobre coisas novas sobre Portland?

GVS: Penso que já fiz outros três filmes em Portland: o “No Trilho da Droga”, “Mala Noche” e “A Caminho de Idaho”, e eu voltei para outro personagem de Portland. Os outros personagens eram personagens muito originais, e eles como que nasceram em Portland e o John também. Então, foi como um quarto personagem de Portland e simplesmente aconteceu dessa forma, não foi necessariamente intencional.

MHD: E também está a tratar o tema da dependência novamente, como no “No Trilho da Droga”…

GVS: Sim, é verdade. Há uma passagem pelos AA em “No Trilho da Droga”.

MHD: O que significa Portland para si agora?

GVS: Eu já não tenho um lugar lá. Eu estou em LA e também Palm Springs. Eu penso que todas as cidades ao redor do mundo foram equalizadas por comunicações, então, com a Internet, é quase como se você não estivesse mais numa só cidade, mas faz-se parte da aldeia global. Foi mais ou menos isso que aconteceu. Você pode estar em Berlim e acordar e sentir que está em Portland, ou pode estar em Los Angeles e sentir que está em Portland. Ou você pode estar em Portland e sentir que está noutro lugar qualquer. É uma espécie de equalização para mim.

MHD: Acha que isso aconteceu com a cultura gay?

GVS: Sim, aconteceu com tantas coisas diferentes. Tantas coisas foram estranhamente homogeneizadas. Eu não sei se isso é bom ou mau. De certeza que, digamos há 15 anos, Portland era uma espécie de refúgio. Qualquer cidade que estivesse longe o suficiente em que só se poderia ser contactado pelo correio, em que só se poderia falar com outros através de um telefonema ou se tinha que conduzir ou voar para ir para outro lugar, não se sentia a ligação a outros lugares, o que era uma boa sensação. Mas agora, com todas as comunicações disponíveis, não se está mais afastado, isolado e isso é igual em todo o mundo. Agora o mundo parece não ter refúgios.

MHD: Nós conversámos sobre John Callahan e a sua necessidade de fazer desenhos o tempo todo. Tem uma câmara consigo, isso é porque você não consegue deixar de fotografar coisas?

GVS: Não, não é a mesma coisa, porque eu quase nunca fotografo com ela, apenas a tenho por perto. Às vezes eu tiro fotos e eu comprei-a porque pensei em tirar fotos e tirei algumas, mas não a uso incessantemente. Eu costumo fotografar as pessoas com quem estou.

“Não Te Preocupes, Não Irá Longe a Pé” chega aos cinemas nacionais a 28 de junho!

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