10 filmes esquecidos pelos Óscares | Ensurdecedor e O Que Está Por Vir

Graças ao seu trabalho em Elle, Isabelle Huppert foi finalmente nomeada para o Óscar, mas em 2016 a atriz ofereceu muitos mais desempenhos de excelência.

 


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2016 foi o ano de Isabelle Huppert. Pelo menos nos EUA, onde, no espaço de 9 meses estrearam quatro filmes com esta icónica diva do cinema francês e nos quatro, Huppert ofereceu, aos seus fãs, algum do seu melhor e mais inspirador trabalho de sempre. Essas obras foram Vale do Amor, Ensurdecedor, Elle e O Que Está Por Vir e, como bem sabemos, o penúltimo título foi a obra que finalmente garantiu a Huppert a sua primeira nomeação para o Óscar. Já não era sem tempo mas, infelizmente, esta honra há muito merecida acabou por ofuscar os três restantes filmes e até os prémios César se parecem ter esquecido que a sua atriz preferida foi excelente em mais do que um só filme em 2016. Aqui, vamos focar-nos apenas em Ensurdecedor e O Que Está Por Vir, onde, se possível, a atriz consegue superar o lacerante génio de Elle.

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Começando pelo filme que estreou primeiro. Ensurdecedor é a estreia anglófona do realizador norueguês Joachim Trier que, apesar da sua mudança linguística, mantém aqui os temas principais de toda a sua filmografia, o luto, a perda e o isolamento resultante dos limites da perceção humana. Neste caso, a narrativa foca-se numa família de três homens, o pai e os seus dois filhos, um adulto e o outro ainda adolescente. Quando os encontramos, o trio está ainda a recuperar da morte da matriarca da família, Isabelle, que morreu há um ano num acidente de automóvel que alguns dos seus colegas suspeitam ter sido um suicídio. Uma série de acontecimentos leva a que essa possibilidade tenha de ser ativamente confrontada pelos três familiares ainda afogados nas mágoas do luto, ao mesmo tempo que as suas vidas são assombradas pela memória de Isabelle.

Isabelle Huppert dá vida à personagem com quem partilha um primeiro nome, ou melhor dá vida à memória que os seus entes queridos guardam nos seus corações pois Trier enfatiza continuamente, quão subjetiva é a perspetiva vigente na sua obra. Como tal, o trabalho da atriz francesa é um pequeno milagre que forçosamente resolve os problemas impostos por uma personagem que, no guião, está deliberadamente reduzida a um ambivalente esboço, meio esbatido e indefinido. Ao interpretar uma mulher cuja vida nós nunca testemunhamos, Huppert é capaz de sugerir um inteiro universo no seu olhar, na forma reticente como interage com o marido e seus filhos, assim como na sua própria postura, no modo de habitar o seu próprio corpo. Um dos detalhes principais do filme é a carreira de Isabelle enquanto fotógrafa de guerra, uma vocação que a fez viver a sua vida ao lado de devastação inimaginável e consequentemente criou uma barreira intransitável entre o seu mundo e aquele habitado pelos homens da sua vida. Essa barreira, essa solidão autoimposta é como um veneno que Huppert nunca deixa tornar-se demasiado visível nem demasiado ignorável – no equilíbrio precário está o seu génio.

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De certo modo, com a sua frieza e natureza abrasiva, Isabelle é uma típica personagem desta atriz mas o mesmo não pode ser dito de Nathalie, a protagonista de O Que Está Por Vir. No papel de uma professora de Filosofia a passar por um ano de intermináveis perdas e desgostos, Huppert exibe uma transparência emocional que normalmente é evitado na sua filmografia em prol de desempenhos mais enigmáticos e combativos. A cena em que Nathalie está num autocarro e vislumbra o seu marido, recentemente separado, com a nova amante é um rasgo de lacerante emoção. Huppert começa a cena a chorar, mas uma punhalada de vergonha alheia e absurdez existencial despoletam um riso, tão explosivo como delicado. A sua face a mudar de expressão é como o sol a sair por detrás de uma barreira de espessas nuvens, uma verdadeira força da Natureza tão simples como deslumbrante e descomplicada na sua espetacular beleza.

Temos de reiterar, contudo, que Isabelle Huppert traz ao papel alguma da sua natureza abrasiva do costume. Nathalie é uma mulher sem tempo para chorosas sentimentalidades e é precisamente essa abjeta negação do melodrama que eleva O Que Está por Vir ao patamar de uma das grandes obras-primas do ano. Ao tornar os momentos mais emotivos da vida de Nathalie em material perdido nas elipses da montagem, a sagaz cineasta Mia Hansen-Løve, constrói um filme profundamente singular e portador de uma inteligência incomum. Inteligência essa que não está limitada somente às mágoas do coração humano, mas estende-se a todos os aspetos do filme e da vida da sua protagonista. Afinal, se há um tema transversal à totalidade do filme é como as preocupações intelectuais nos ajudam a viver, a encarar o mundo, a nos distrair e como elas próprias têm inexoráveis limites.

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Quando um filme tem a ousadia de passar uma cena inteira a discutir e esmiuçar as implicações ideológicas de assinar ou não um artigo de uma revista de Filosofia, para depois terminar com todas as personagens a rirem-se da natureza rebuscada da sua indagação, sabemos que estamos perante uma obra verdadeiramente especial. O Que está Por Vir é um filme maturo, focado na grandiosidade contida nas minúcias do quotidiano e na assombrosa maravilha do intelecto humano. Trata-se de um filme sobre viver, sobre amar e sobre seguir em frente, sobre o efémero futuro que nos espera a cada minuto que passamos neste mundo. Não é por acaso que a última imagem da obra é Nathalie, a embalar o neto bebé na Véspera de Natal, enquanto a câmara se afasta e nos mostra a sua casa, cheia de livros, guardiões do pensamento, do passado e do conhecimento em vigília à fragilidade de uma nova vida.

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Com tudo isto dito, fica ainda uma nota final: perdoem-nos a desonestidade de chamar a esta lista “Os 10 filmes esquecidos pelos Óscares”, quando efetivamente se falou de 11 obras. Enfim, Isabelle Huppert merece ser duplamente celebrada.

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