Jonathan Freedland

Jonathan Freedland em entrevista: “Black Mirror reflete muitas das minhas preocupações”

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Através do seu pseudónimo Sam Bourne, Jonathan Freedland é o responsável pela criação de um dos thrillers mais inquietantes do ano, obrigando os leitores a responder a uma difícil questão: é justificável matar alguém para manter a paz mundial?

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“Se um presidente ficar fora de controlo, quem dará o passo decisivo?” Este foi o mote lançado por Sam Bourne em “Matar o Presidente”. O título, publicado pela Saída de Emergência, conta a história de um presidente dos EUA que se revela perigoso, colocando o país à beira de um conflito nuclear com a Coreia do Norte. A premissa parece semelhante aos tempos de hoje, não?

Na realidade, quando Sam Bourne, pseudónimo literário de Jonathan Freedland, escreveu “Matar o Presidente” o conflito estava longe de se tornar numa possibilidade. A Magazine.HD esteve à conversa com o jornalista britânico que explicou como a realidade alimenta a imaginação e revelou a sua reação face ao desenrolar dos acontecimentos  ficcionais no panorama político atual.

Jonathan Freedland

Magazine.HD: Quais as diferenças entre escrever um livro e escrita jornalística?

Jonathan Freedland: Escrever um livro pode ser libertador. Podes deixar a tua imaginação descolar, seguir todas as escolhas que surgem apenas com uma simples questão: “E se?”. Essa é a grande diferença com o jornalismo.

Mas os dois campos são mais parecidos do que aquilo que se pensa. É preciso fazer muita pesquisa enquanto jornalista – ler, entrevistar especialistas, ir aos lugares e anotar tudo – e para um livro como este, esse trabalho também é necessário. Uma coisa que descobri é que os leitores permitem os devaneios mais loucos da imaginação, mas se tu te enganas num facto real do mundo real, o feitiço quebra-se e a experiência da leitura deles é estragada. Podes construir uma realidade alternativa e os leitores seguem-te – até ao momento em que uma personagem que, por exemplo, vai para a Northern Line da linha metropolitana de Londres em Green Park. Nesse momento, eles [os leitores] lançam o livro contra a parede e afirmam “Não podes acreditar numa palavra deste lixo”. Se os leitores podem confiar em ti nas pequenas coisas, então eles estão mais propensos a acreditar nas grandes coisas.

 

MHD: Por que razão escolheu escrever thrillers? E quais são as principais características que mais gosta neste género literário?

JF: Não me lembro de uma altura em que sentei e decidi escrever este género em particular. A primeira ideia que tive para um livro era obviamente um thriller. Não podia ser outro género. E a ideia deu origem a “The Righteous Men”. Mas encaixou naturalmente, porque eu adoro thrillers, quer sejam em filmes ou livros.

As principais características do género que mais gosto são, primeiramente, uma história que me prenda de tal modo que não consiga deixar até saber como acaba. E a segunda característica é a capacidade de ser levado para um mundo fascinante. Um bom thriller consegue alcançar estes dois pontos.

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MHD: Considera libertador escrever com um nome diferente?

JF: Sim, considerava, porque eu era outra pessoa, “Sam Bourne”. Mas isso não demorou muito, uma vez que as pessoas descobriram rapidamente que Sam Bourne era eu. Mesmo assim, o sentimento de liberdade prevalece – não se deve ao facto de escrever sob outro nome, mas por estar a escrever num domínio diferente: no domínio da imaginação.

 

MHD: Qual foi o momento mais importante da sua carreira enquanto escritor?

JF: Encontrar a confiança para dizer ao meu agente que tinha uma ideia para um livro, apresentar-lhe a ideia – e ele gostar o suficiente para me dar uma oportunidade.

 

MHD: Enquanto jornalista que fez a cobertura das eleições norte-americanas, considera difícil escrever ficção inspirada nos assuntos atuais?

JF: Na verdade, é o contrário. Acho que o mundo atual alimenta a ficção. Os acontecimentos atuais fazem-me sempre questionar: “E se?”.




MHD: Ficou surpreendido quando viu alguns dos eventos que aconteceram no livro “Matar o Presidente” a desenrolarem-se na vida real?

JF: “Matar o Presidente” imagina a situação em que um demagogo volátil e imaturo é eleito para a Casa Branca. Dois dos seus assessores mais antigos concluem que ele representa um perigo para os EUA e para o mundo – e decidem que é um dever patriótico retirá-lo do cargo. Maggie Costello, que trabalha na Casa Branca, descobre o plano e tem de decidir o que está certo: parar um homicídio e deixar o mundo livre à mercê de um potencial tirano cada vez mais louco, ou cometer traição contra o seu Comandante.

Como pode ver, nenhum destes eventos se desenrolou na vida real. Mas têm surgido várias surpresas. Por exemplo, o meu livro abre com um presidente ficcional, cujo nome nunca é mencionado, a ordenar um ataque nuclear à Coreia do Norte. Quando escrevi o livro, o conflito com a Coreia do Norte parecia hipotético. Admito que agora o cenário pareça menos hipotético.

No meu livro também tenho dois antigos militares nos cargos de Secretário de Defesa e de Chefe de Equipa. Quando escrevi eu não sabia que eles – Mattis e Kelly – eram generais e estariam agora nesses cargos.

No meu livro o Presidente e a sua equipa mostram uma impressionante simpatia com a “direita alternativa”, que leva a que sejam realizados grandes debates sobre se o presidente é de facto racista. Quando escrevi o livro, os tumultos em Charlottesville e tudo o que seguiu ainda não tinham acontecido.

No meu livro os funcionários da Casa Branca referem-se à filha do presidente como “A Princesa”. Quando escrevi não tinha ideia de que isso se tornaria no apelido da filha do verdadeiro Presidente dos EUA.

Por isso, admito que fiquei surpreendido – e um pouco chocado [por ver os casos do livro a acontecerem na vida real]. E os leitores também. Há quem me chame Nostradamus [médico conhecido pela sua suposta capacidade de vidência] e há quem me peça para escolher os seus números da lotaria! Mas tudo aquilo que fiz foi olhar para o que tinha acontecido em 2016 e começar a imaginar aquilo que poderia acontecer em 2017, 2018 e por aí adiante.

Jonathan Freedland

MHD: Estava à espera que “Matar o Presidente” fosse tão bem-recebido pelo público?

JF: Tu nunca sabes como os leitores vão reagir até eles começarem a ler. Estava na esperança que esta história tocasse os leitores, mas a extensão do seu entusiasmo foi uma grande surpresa e prazer para mim. A reação tem sido extremamente positiva e isso é uma bela sensação. Eu acredito que muitos [leitores] acharam purificante ler o livro, assim como eu achei purificante escrevê-lo.

 

MHD: Dada a importância dos videojogos e das redes sociais nos seus últimos livros, qual é a sua opinião sobre a internet e a sociedade?

JF: Estou extremamente preocupado com algumas dessas tendências, especialmente com o impacto que elas terão na próxima geração. Estou preocupado pelo facto de os media sociais permitirem que as eleições sejam pirateadas e as notícias falsas sejam divulgadas, mas também pela realidade em que tanto as crianças como os seus pais estejam igualmente viciados nos seus telemóveis. A série “Black Mirror” reflete muitas das minhas preocupações de uma forma brilhante. Recomendo a produção, uma vez que é uma forma de aviso do futuro.

 

MHD: Por último, tem alguns conselhos para jovens escritores?

JF: Tenho três dicas. Primeira, lê muito. Segunda, lê mais do que uma vez os livros que gostas. Na segunda leitura, tenta perceber aquilo que o autor fez.

Por ultimo, sê curioso. Faz pergunta às pessoas, faz com que elas te contêm as suas histórias. Eventualmente uma delas irá lançar uma ideia.

MHD: Jonathan foi um prazer conhecê-lo e muito obrigada pela entrevista!

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