Os melhores guarda-roupas de 2016 | 7. A Lagosta

A partir de figurinos simples, mas extremamente codificados, A Lagosta estabelece um discurso visual tão rico como a sua narrativa surreal.

 


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a lagosta top 2016 figura de estilo the lobster

Uma das primeiras cenas da mais recente insanidade do realizador Yorgos Lanthimos, A Lagosta, encontra uma série de pessoas a serem admitidas num estranho hotel onde, como parte do check-in, eles têm de se despir. A imagética presidiária é óbvia e a componente de humilhação pública ainda mais, mas é a imagem dos hóspedes despidos e não suas consequentes emoções ou contexto que realmente nos interessa para esta análise. Basicamente, em cuecas brancas e sutiãs em bege e rosa deslavado, os hóspedes estão a separar-se do seu pouco individualismo para serem mais tarde vestidos pelo hotel e se tornarem parte do coletivo homogéneo. Essa metamorfose, de um indivíduo para parte de um mecanismo social coletivo, é ainda mais acentuada pela figura de Colin Farrell, uma estrela do cinema de relativa fama, que nos aparece aqui despido, não só das suas roupas, mas da sua usual dignidade e imagem de marca – afinal há pouco do sedutor irlandês de Miami Vice neste tristonho homem barrigudo, com bigode e um gosto em roupa interior muito triste.

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Esses momentos acima descritos constituem somente um dos muitos jogos de subversão que A Lagosta gosta de infligir aos seus espetadores. Isso não será nenhuma surpresa pois, afinal, este é um filme sobre um futuro distópico onde pessoas solteiras são obrigadas a ir para hotéis como aquele que já mencionámos, onde têm um tempo limitado para encontrar um parceiro romântico ou serão transformados em animais da sua escolha. Quem tenta fugir é subsequentemente caçado pelos outros hóspedes, mas, mesmo assim, existe uma comunidade rebelde escondida nas florestas adjacentes ao hotel. Basicamente, temos aqui uma diabólica metáfora sobre o modo como relacionamentos românticos funcionam no mundo contemporâneo, com especial destaque para a tirania da ideia de casal e da monogamia utópica.

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O génio dos figurinos concebidos por Sarah Blenkinsop está no modo como o vestuário ilustra, reflete e complementa as ideias do realizador, criando assim um discurso visual que é tão ou mais cortante que o próprio texto. Veja-se, por exemplo, o modo como os uniformes dos hóspedes representam ideias rígidas de género e heteronormatividade – ou seja, os homens vestem fatos azuis, camisas e gravata, enquanto as mulheres andam em vestidos florais com saias rodadas, delgados blazers e casaquinhos de malha a condizer. A única grande união entre as duas facetas desta sociedade é o uso do azul, uma perversa indicação de calma cromática que parece mais uma piada cruel que um real esforço por criar um ambiente confortável.

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Outras variações deste tipo de codificação da indumentária apresentam-se nas roupas do staff do hotel, nomeadamente os empregados que parecem autênticos cartoons, tal é o cliché dos seus figurinos. Nesse sentido, o guarda-roupa de A Lagosta faz o mesmo que a sociedade da sua narrativa, reduzindo a vida humana a uma série de significantes sociais. O extremo disto chega-nos com dois casais, o primeiro dos quais é formado pelos gerentes do hotel, que parecem mais individuais que os seus hóspedes, mas estão sempre presos aos seus uniformes de anfitriões ao estilo de apresentadores de uma gala televisiva. O segundo extremo é um casal de hóspedes que, depois de assumirem a relação, são relocalizados para um iate onde têm de tomar conta de uma filha, que aqui é um mero mecanismo de estabilidade matrimonial. Novamente aqui, os figurinos sintetizam clichés e reduzem o humano a significantes imagéticos – uma família unida, toda vestida de igual em riscas náuticas que refletem o seu ambiente.

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Mas, como já foi mencionado, a sociedade deste filme não é unicamente representada pelo hotel, sendo que também temos os rebeldes na floresta com quem passamos a segunda metade da narrativa. O grande problema aqui é que, no seu individualismo extremista, estes rebeldes são tão desumanos como o regime contra o qual se rebelam, impondo barreiras sociais insanas e impondo uma perversa ideia de igualdade em que a vontade pessoal é exterminada. Ao contrário do texto, os figurinos nunca permitem que o espetador tenha quaisquer ilusões impróprias sobre estes rebeldes, realçando logo os sucessos e fracassos da sua ideologia. Por um lado, as suas roupas semelhantes e em tons terrenos, unem-nos ao ambiente natural e apagam diferenças de género, mas a sua unificação é desconcertante e feia, com o plástico das suas capas a remeter para algo artificial e estéril.

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A uma primeira e muito breve análise, os figurinos de A Lagosta poderão parecer pouco complexos mas o seu discurso concetual subjacente é dos mais aguçados e gloriosos deste ano cinematográfico. Como exemplo final da grandeza desta criação, chamamos a atenção para a figura interpretada por Rachel Weisz. Quando ela visita o mundo “normal”, veste-se com o único figurino identificado por género de todos os rebeldes – um fato com saia. No entanto, a sua indumentária ainda reflete a subjugação aos esquemas sociais da tirania do casal e a conformidade estoica desta distopia. De uma forma incrivelmente grotesca, é quando a vemos neste fato e com os olhos encobertos em gaze cirúrgica, e mais tarde óculos-de-sol protetores, que temos a nossa primeira imagem indicativa de alguma liberdade. É uma ideia pervertida e violenta de liberdade, mas a idiossincrasia da sua imagem é como uma explosão de esperança luminosa neste mundo de uniformização sintomática.

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Bem longe de um futuro distópico, o próximo filme da nossa lista trata de uma história muito mais risonha na Irlanda dos anos 80. Não percas!

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