LEFFEST ’16 | Palmarés e considerações finais
The Last Family foi o grande vencedor da competição oficial do Lisbon & Estoril Film Festival deste ano, mas o festival esteve longe de se resumir a apenas uma obra-prima.
Começou há pouco mais de uma semana com uma sessão de abertura no casino Estoril, onde os sons da batalha de Okinawa soaram vindos da tela onde foi exibido o último filme de Mel Gibson, O Herói de Hacksaw Ridge; e teve a sua conclusão a noite passada de domingo, dia 13, onde Animais Noturnos de Tom Ford teve o privilégio de encerrar as festividades. Esta edição do Lisbon & Estoril Film Festival, a sua décima, foi, sem dúvida, uma das suas melhores, sendo que se pode encontrar excelência desde a seleção dos filmes em competição até aos debates e homenagens a grandes artistas, do cinema e não só.
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Apesar de alguns, já habituais, problemas de organização, o festival marcou com grande cinema o seu décimo aniversário e o vencedor do prémio principal para Melhor Filme em Competição foi atribuído a um filme bem merecedor. The Last Family, o segundo filme polaco consecutivo a arrecadar este prémio, depois de 11 Minut, aborda o tema da família e da reconstrução histórica através do prisma da arqueologia reconstrutiva e de uma frieza formalista incomum e merecedora de louvor. Ficando-se por uma menção honrosa foi outra obra sobre dinâmicas familiares, Sand Storm, enquanto, no panorama das curtas-metragens, os grandes vencedores foram The Sleeping Saint de Laura Samani e Paul est Là de Valentina Maurel, premiada com uma menção honrosa.
Para além destas honras votadas por dois júris oficiais, o Lisbon & Estoril Film festival contou ainda, nesta edição, com um inédito prémio do público que foi entregue a Elle, o novo filme de Paul Verhoeven. Essa comédia negra cheia de provocação sem pudor e uma cataclísmica prestação de Isabelle Huppert representa, juntamente com American Honey e The Last Family, uma raridade no que diz respeito à competição deste festival específico. Ao longo dos últimos anos, a organização do LEFFEST tem feito um claro esforço para evitar escolher títulos que tenham competido nas seleções principais dos grandes festivais da Europa. Este ano, tais cauções foram esquecidas e os resultados são excelentes, resultando numa heterogénea coleção de filmes de várias origens, abordagens e com realizadores tão célebres como Verhoeven ao lado de nomes desconhecidos, mas muito promissores, como Nele Wholatz.
Mais prestigiada, mas talvez menos interessante, foi a seleção de filmes fora de competição deste ano, onde, como é habitual, estiveram presentes vários títulos de Cannes, Locarno e Veneza. Entre eles, aquele que mais se destacou foi o épico The Woman Who Left. O vencedor do Leão de Ouro deste ano traz o cinema de Lav Diaz a um público português, usualmente privado de tais prazeres, e traz também ao LEFFEST a necessidade de por intervalos tal é a sua épica duração. Um tema que abrange essa obra filipina, outros títulos da competição e secção fora de competição, é a dissecação de sistemas sociais de hegemonia patriarcal, algo que se vai tornando cada vez mais urgente à medida que a conjetura política atual parece remeter para valores retrógrados e conservadores.
Seguindo essa linha de pensamento, há que felicitar a presença de vozes de realizadoras femininas entre a competição oficial. Apesar de ter apenas três sobras realizadas por mulheres entre as 13 a competir pelo prémio principal, os organizadores do LEFFEST podem gabar o facto de terem tido quase mais diversidade que os selecionadores de Cannes, cuja oferta se tem vindo a tornar progressivamente desinspirada e homogénea nos últimos anos.
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A presença feminina também foi sentida nas homenagens e retrospetivas que incluíram a exibição da obra completa de Teresa Villaverde, incluindo muitos filmes, como Três Irmãos, que são quase impossíveis de encontrar e ver, estando indisponíveis em DVD e raramente exibidos pela Cinemateca. Um trabalho de igual louvor retrospetivo foi aquele levado a cabo para honrar o trabalho de um dos maiores vanguardistas do cinema francês, Jean-Luc Godard. Tal como Villaverde, o antigo crítico tornado cineasta teve todos os seus filmes em exibição, muitos deles em cópias eximiamente restauradas e acompanhadas por legendas portuguesas com uma qualidade bem acima da média.
Como forma de observação e avaliação final, deixamos aqui a lista de todos os filmes visionados no âmbito da nossa cobertura do Lisbon & Estoril Film Festival de 2016, sendo que não incluímos os títulos das homenagens, tendo-nos focado somente nas obras recentes e inéditas em cinemas portugueses. Clica nos títulos a azul para acederes às nossas análises.
- ELLE de Paul Verhoeven (EM COMPETIÇÃO)
- NOCTURAMA de Bertrand Bonello (EM COMPETIÇÃO)
- AMERICAN HONEY de Andrea Arnold (EM COMPETIÇÃO)
- THE WOMAN WHO LEFT de Lav Diaz (FORA DE COMPETIÇÂO)
- CERTAIN WOMEN de Kelly Reichardt (FORA DE COMPETIÇÂO)
- EL FUTURO PERFECTO de Nele Wohlatz (EM COMPETIÇÃO)
- O EXAME de Cristian Mungiu (FORA DE COMPETIÇÂO)
- O VENDEDOR de Asghar Farhadi (FORA DE COMPETIÇÂO)
- HOMENZINHOS de Ira Sachs (EM COMPETIÇÃO)
- THE LAST FAMILY de Jan P. Matuszynski (EM COMPETIÇÃO)
- BIG BIG WORLD de Reha Erdem (EM COMPETIÇÃO)
- SAND STORM de Elite Zexer (EM COMPETIÇÃO)
- MA LOUTE de Bruno Dumont (FORA DE COMPETIÇÂO)
- PORTO de Gabe Klinger (DESCOBERTAS)
- HELL OR HIGH WATER (FORA DE COMPETIÇÂO)
- BANGKOK NITES de Katsuya Tomita (EM COMPETIÇÃO)
- CHRISTINE de Antonio Campos (EM COMPETIÇÃO)
- THE LAST OF US de Ala Eddine Slim (EM COMPETIÇÃO)
- DOGS de Bogdan Mirica (EM COMPETIÇÃO)
- JEUNESSE de Julian Samani (DESCOBERTAS)
- PADRE de Giada Colagrande (DESCOBERTAS)
- HARMONIUM de Koji Fukada (EM COMPETIÇÃO)
- LA FILLE INCONNUE de Jean-Pierre e Luc Dardenne (FORA DE COMPETIÇÂO)
- OS BELOS DIAS DE ARANJUEZ de Wim Wenders (FORA DE COMPETIÇÂO)
- O HERÓI DE HACKSAW RIDGE de Mel Gibson (FORA DE COMPETIÇÂO)
- LONDON TOWN de Derrick Borte (FORA DE COMPETIÇÂO)
- O DIVÂ DE ESTALINE de Fanny Ardant (FORA DE COMPETIÇÃO)
Em conclusão, este foi um justo e excelente décimo aniversário para o Lisbon & Estoril Film Festival que, se tudo correr bem, vai apenas continuar a ficar melhor com o passar dos anos. Isso não implica que não haja ainda algumas arestas a limar, tanto em termos logísticos como em termos artísticos. Algo que salta logo à vista é a raridade de títulos portugueses entre a competição, o que é especialmente mau quando se compara este festival a outros feitos na mesma cidade. Enfim, nada é perfeito.
Não percas as nossas coberturas dos principais festivais de cinema em Portugal e no estrangeiro. Fica atento!