MOTELx ’17 | Grandes vencedores e balanço final

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Vem saber as nossas considerações finais sobre esta última edição do MOTELx e quais foram os seus grandes vencedores, premiados pelo júri do festival.

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Mais uma edição do MOTELx terminou, deixando para trás uma coleção de sustos, gritos e arrepios de centenas de pessoas que todos os anos invadem o Cinema São Jorge, a Cinemateca Portuguesa e o Teatro Tivoli em busca do que de melhor se faz no panorama do cinema de terror. Esta foi a 11ª edição do festival e, entre as suas principais competições, para Melhor Longa-Metragem Europeia e Melhor Curta-Metragem Portuguesa, os grandes vencedores foram “Cold Hell” de Stefan Ruzowitzky e “Thursday Night” de Gonçalo Almeida, respetivamente.

 

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“COLD HELL” de Stefan Ruzowitzky

 

Cold Hell” é o mais recente projeto do realizador cujo filme de 2007 “The Counterfeiters” arrecadou o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. Desta vez, longe de campos de concentração nazis, a trama da sua narrativa incide numa Alemanha contemporânea e multicultural, onde uma taxista de origem turca se vê na mira de um serial killer. Tendo em conta o clima político atual, especialmente na Alemanha, tal história de horror é de uma urgência estarrecedora.

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Outros grandes destaques da competição de longas-metragens europeias deste ano foram “Rift” do islandês Erlingur Óttar Thoroddsen, e “Animals” do polaco Greg Zglinski. Ambos os filmes são, em parte, dramas sobre relacionamentos amorosos, ora em deterioração ora já desintegrados quando o filme começa, e ambos mergulham a audiência na perspetiva confusa e fortemente subjetiva dos seus protagonistas para nos oferecer experiências de horror, absurdo e comovente dor. Se “Rift” vacila um pouco no que diz respeito aos seus elementos mais claramente fantásticos, o trabalho dos atores e a calcinante autenticidade da sua relação fraturada elevam o projeto.

 

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“ANIMALS” (2017) de Greg Zglinski

 

“Animals” pelo contrário é um sucesso do principio ao fim, usando as prestações admiráveis dos seus atores para desdobrar o que poderia ser uma narrativa clássica e um pouco cliché numa desconstrução febril de estrutura narrativa e mecanismos cinematográficos. Tirando a elegância virtuosa da sua execução e brincadeiras rítmicas, a racionalidade não tem grande lugar nesta experiência surreal que, como o próprio realizador abertamente admite, deve muito ao cinema de David Lynch. A montagem de Karina Ressler é particularmente soberba e, se houvesse justiça no mundo, valeria muitos prémios à austríaca que, entre outros realizadores de renome, já trabalhou muito com a fantástica autora vienense Jessica Hausner.

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Outros títulos em competição a deixarem impressões fortes foram “Os Crimes de Limehouse” de Juan Carlos Medina e “Prey” de Dick Maas. O filme do espanhol merece destaque pela sua reimaginação proto feminista e autocrítica da clássica trama de um assassino a vitimar mulheres nas sombrias ruas da Londres vitoriana. “Prey”, por outro lado, foi uma das experiências mais deliciosas desta edição, não tanto pela qualidade do horror em mostra, mas pelo divertido ridículo da sua proposta de um leão monstruoso à solta em Amesterdão. Mesmo que Maas não tenha imaginado o seu filme como uma comédia hilariante, o resultado final é um dos filmes mais hilariantes dos últimos tempos.

 

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“THURSDAY NIGHT” de Gonçalo Almeida

 

Ainda dentro das secções competitivas, há que falar um pouco da curta vencedora. “Thursday Night”. Esta obra utiliza um elenco animal para dar vida a uma história de fantasmas cuja principal fonte de inspiração foi o álbum “Thursday Afternoon”de Brian Eno. O realizador ganhou 5000 euros, o maior prémio atribuído a curtas-metragens no circuito de festivais portugueses, e o seu trabalho ficou assim automaticamente selecionado para competir pelo Meliés d’Argent. Acrescentando-se a isso, Gonçalo Almeida vai ainda receber mais 5000 euros em serviços de pós-produção disponibilizados pelo Kino Sound Studios. “Depois do Silêncio” de Guilherme Daniel recebeu uma Menção Especial por parte do júri.

 

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“DEPOIS DO SILÊNCIO” de Guilherme Daniel

 

Para saberes mais sobre a opinião da Magazine HD em relação a alguns dos outros títulos, fora de competição, apresentados nesta edição do MOTELx, abre a galeria do link abaixo. Também podes ler outros artigos da nossa cobertura deste festival, carregando nos links a azul, quer sejam as notícias sobre a sua programação, ou as críticas dos filmes “The Void”, “Os Crimes de Limehouse” e, é claro, o melhor filme do festival “The Untamed”, também conhecido como “La región salvaje”.

 

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O HORROR REALISTA DO CINEMA DE TERROR AUSTRALIANO

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O cinema de terror é muitas vezes associado a espetáculos sobrenaturais de monstros insólitos e fantasmas vingativos, mas, por vezes, mais horrendo que qualquer pesadelo fantasioso é a realidade da capacidade humana para a crueldade e para a violência. Duas propostas australianas apresentadas nesta edição do MOTELx provam isso mesmo.

Killing Ground” é um sufocante espetáculo niilista sobre um casal e uma família que são dizimados, perseguidos e caçados por um par de assassinos que vêm os outros seres humanos como meros animais a serem chacinados por divertimento. Avisamos que este filme não é para todos, sendo que a violência sórdida contra personagens infantis é de dar a volta ao estômago e um efeito sonoro seco e impiedoso vai reverberar na mente dos espetadores durante semanas a seguir ao seu visionamento desta experiência sôfrega.

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Hounds of Love” de Ben Young é uma proposta igualmente cruel, mas o seu foco na psicologia dos assassinos e alguns devaneios estilísticos, especialmente ao nível musical, tornam-no numa experiência mais suportável que o outro projeto seu compatriota. Aqui, conta-se a história de uma jovem adolescente que, nos anos 80, é raptada por um casal de serial killers, é repetidamente violada e mantida acorrentada a uma cama durante dias a fio, observando de perto a tóxica dinâmica entre os seus captores.

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Não obstante algumas estranhas escolhas estruturais e estilísticas, este filme é um dos melhores desta edição do festival, especialmente devido ao trabalho aterrorizante dos seus atores principais. Como a vítima destes horrores, Ashleigh Cummings, é um milagre de reações viscerais e instinto de sobrevivência animal filtrado pela fragilidade física e mental de um corpo violentado e exausto.

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No entanto, é o duplo retrato psicopático de Emma Booth e Stephen Curry que realmente dá arrepios. No seu trabalho materializa-se a proposta mais arriscada de Young, o entendimento de que monstros sob forma humana podem existir e parecer pessoas comuns para aqueles à sua volta, que podem mostrar afeto por animais de estimação, problemas amorosos e casual banalidade doméstica como todos nós. Booth, que tem o papel mais complexo e multifacetado, é particularmente extraordinário, especialmente nos momentos em que as suas inseguranças a levam a ser ainda mais assustadora e impiedosa que a presença mais fisicamente ameaçadora do seu marido.

 




CINEMA COREANO VOLTA A ARRASAR

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É verdade que nenhum dos dois filmes coreanos presentes nesta edição do MOTELx são, de modo algum, tão estupendos como “Goksung” do ano passado, aquele que é talvez o melhor pesadelo cinematográfico que o festival teve o privilégio de exibir nos últimos anos. No entanto, nem “Missing You” de Mo Hong-jin ou “Train to Busan” de Yeon Sang-ho são obras menosprezáveis.

Mo Hong-jin foi até agora um argumentista e este foi o seu primeiro passo como um realizador de longas-metragens. Verdade seja dita, o filme, um thriller policial que se poderia resumir como a história de três psicopatas e um detetive incompetente, tem um estilo formal um pouco genérico quando visto no panorama geral do cinema coreano de género. Para além disso, “Missing You” repete muitas das tendências mais dúbias do cinema coreano atual com a sua obsessão com vingança e a aparente tolerância para com brutalidade policial.

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Esses elementos não são necessariamente problemas, mas uma perspetiva mais distante, crítica e analítica sobre estes mecanismos usuais das narrativas policiais coreanas poderia ter sido mais interessante. Certamente faria com que o filme se distinguisse mais de entre uma miríade de obras semelhantes que todos os anos vêm da Coreia do Sul.

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O que o filme tem que o eleva acima de muitos outros, é a sua estrutura complexa e, sobretudo, os seus notáveis atores. Kim Sung-oh, que perdeu 16 kg para o papel de Ki-bum, um psicótico serial killer. A sua fisicalidade é monstruosa e desumana, movendo-se como um reptil hirto, rígido e pronto a atacar em movimentos staccato, este trabalho de ator é estupendo, indo para além do naturalismo preferido por Hollywood neste género e almejando a uma estilização meio melodramática meio avant-garde na sua teatralidade muscular.

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“Train to Busan”, por outro lado, está longe de ser uma montra de grandes desempenhos, apesar de Gong Yoo ser excelente no papel principal. Em compensação, é um dos filmes mais empolgantes do festival, oferecendo aos seus espetadores uma proposta narrativa maravilhosa em que experienciamos o começo de uma infestação zombie através do microcosmo de um comboio cheio de pessoas a tentar sobreviver. Ao mesmo tempo que o mundo exterior mergulha no caos, também o comboio o faz com um único zombie no seu interior a despoletar uma crescente infeção e onda de violência. A dinâmica do comboio como uma câmara de horrores e simultânea proteção máxima das personagens para com os horrores que assolam o resto da Coreia e os subsequente jogos de ação e sobrevivência que isso despoleta são talvez os melhores elementos do filme.

O pior elemento é, sem dúvida, o comentário social que o filme tenta forçar ao enredo, principalmente ao nível do antagonista humano da história. A personagem é tão irritante e repugnante que nem dá prazer ver a sua untuosa presença em cena e, por alguma razão inexplicável, o seu eventual castigo acontece off-screen. Comparativamente, o filme espanhol “El Bar” usa uma proposta semelhante para mostrar outro grupo de pessoas encurraladas numa situação insólita, mas a sua crítica humana e social é mais acutilante, mesmo que, formalmente, seja uma obra infinitamente inferior ao espetáculo horrifico de “Train to Busan”.

 




PESADELOS AVANT-GARDE

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É um enorme cliché da crítica cinematográfica caracterizar um filme como” semelhante a um sonho”, “onírico” ou “regido pela lógica de um sonho”, mas a verdade é que existem algumas propostas cinematográficas que realmente tornam difícil o uso de diferentes expressões. Afinal, é difícil ver “Dave Made a Maze” sem ver na sua insana história algo de sonhador e oniricamente antilógico.

Infelizmente, tirando a sua louca e engenhosa cenografia, não há muito a recomendar no filme. As personagens são odiosas, os atores pouco ajudam, o diálogo é um pesadelo no mau sentido da palavra e ainda por cima, depois de chamar descarada atenção para problemas de representação feminina em cinema, o próprio filme apenas inclui duas figuras femininas, a namorada do protagonista e uma vítima maníaca e unidimensional tornada marioneta demónica de cartão.

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No extremo diametralmente oposto do espectro de qualidade, temos “La región salvaje”. O filme de Amat Escalante foi, sem sombra de dúvida, o melhor da seleção deste ano do MOTELx e, se desejarem saber mais sobre a sua criativa e desconcertante exploração da sexualidade humana, vem ler a nossa análise completa do filme que é uma proposta verdadeiramente avant-garde, de um ponto de vista narrativo e estrutural, apesar de uma abordagem formal de grande severidade e virtuosismo quase clássico, não fosse o seu rígido minimalismo.

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“La región salvaje” é um autêntico pesadelo capaz de perturbar o espetador como poucos outros projetos farão, mas, mesmo assim, a sua capacidade para suscitar reações viscerais na audiência certamente não é maior que a de “Kuso”. Este filme, realizado pelo músico Flying Lotus, é uma explosão dadaísta do mais nojento tipo de humor e horror imaginável, parecendo uma tentativa de ativamente violar todos os limites do espetador.

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Com isso dito, é também uma das propostas mais originais, não só do festival, como de todo o ano cinematográfico e, por muito asqueroso que sejam as suas visões escatológicas, há uma contracorrente de fatalismo apocalíptico nas suas histórias fragmentadas e sonhadoras que modula a sua restante insanidade. Até uma ménage trois explicita entre uma mulher e homem cobertos de pústulas e a borbulha falante que cresceu no pescoço dela, consegue ter notas de variação tonal surpreendentes. Só por isso, o filme merece admiração e respeito pela sua ambição vanguardista.

 




EXPERIÊNCIAS DE GÉNERO CINEMATOGRÁFICO

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Com o passar dos anos, parece que o MOTELx cada vez mais aposta em experiências que, apesar de se poderem vagamente incluir no cinema de terror, vão contra qualquer categorização dogmática e separação de obras em “dramas”, “comédias”, “filmes de terror” etc. Em 2017, apesar de nenhum filme se ter assumido como uma experiência tão inclassificável como “Personal Shopper” em 2016, houve certamente uma série de testes aos limites da caracterização de um filme como uma obra de terror.

Por exemplo, um filme sobre a juventude do infame serial killer americano Jeffrey Dahmer parece ser, obviamente, uma obra recheada com sugestões de terror mais ou menos convencional. Com isso dito, é difícil classificar “My Friend Dahmer” como uma obra deste género, sendo algo muito mais próximo de um dramático estudo de personagem histórica. Aliás, o filme é baseado no testemunho, tornado banda-desenhada, de um colega e companheiro do assassino nos tempos da escola secundária.

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Mais do que qualquer outra coisa este retrato funciona à escala dos atores e da direção dos intérpretes feita pelo realizador Marc Meyers. Este é um filme cheio de pequenos toques de autenticidade humana. Por exemplo, num longo plano geral em que, contra qualquer tipo de jogo rítmico ou continuidade tonal, um homem a fazer jogging reage ao passar de um carro, vacila, parece pensar em mudar a linha do seu percurso, mas acaba por não alterar o rumo. É algo completamente casual, mas o facto de o realizador deixar esse pequeno gesto quebrar a tensão desta cena de voyeurismo da parte de Dahmer, escondido nas ervas sombrias, reflete uma procura por autenticidade comportamental.

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Essa procura atinge o seu píncaro, não só nesses gestos perdidos no fundo de cenas, mas na prestação principal de Ross Lynch e sua apresentação no filme. Aqui, Jeffrey Dahmer é, em simultâneo o monstro estereotipado que Bryan Singer mostrou na quarta temporada de American Horror Story, mas também é um adolescente cuja futura atividade criminal é uma conclusão violenta da acumulação de detalhes sociais e familiares que vemos abaterem-se sobre a sua pessoa, que já tinha tendências violentas pré-existentes. Empatizar com um serial killer tão obscenamente monstruoso como Dahmer é difícil e perturbador, mas este filme consegue fazer isso mesmo com os seus espetadores.

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A outra face da moeda desta abordagem ao trabalho de ator e construção de personagem, é Anne Heche como a mãe de Dahmer. Esta é uma prestação hiperbólica, cheia de trejeitos caricaturados e desnecessários que vão contra a coerência tonal do filme e parecem estar a gritar pedidos desesperados por uma nomeação para o Óscar. Se esse é um limite óbvio da direção de Meyers, outro é o modo desajeitado e pouco erótico como ele tenta ilustrar os desejos do seu protagonista. Talvez Todd Haynes, um mestre da cristalização de desejo homoerótico no grande ecrã, pudesse ter ajudado o filme a alcançar outros píncaros cinematográficos, por exemplo.




UMA INFELIZ DESILUSÃO

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Se há uma grande diferença entre a seleção deste ano para com a edição do MOTELx de 2016 é a diferenciação qualitativa entre os vários títulos. No ano passado tivemos inúmeras desilusões, mas também tivemos obras-primas espetaculares. Na 11ª edição do festival, em contraste, a qualidade geral dos títulos foi mais estável, mais geralmente positiva. Só que isso também leva a que houvesse menos grandes píncaros ou grandes desastres e desilusões.

Com isso dito. “The Bad Batch – Terra Sem Lei” foi um grande desapontamento. Atenção, este não é o pior filme do festival, sendo que alguns dos seus elementos formais seriam suficientes para o manter acima de tais horrores. No entanto, as expetativas eram altas para este filme. Afinal, a primeira longa-metragem de Lily Ann Amirpour, “A Girl Walks Home Alone At Night foi uma brilhante história de uma vampira de Shador que trouxe ares da Nouvelle Vague ao cinema de terror vampírico de modo excitante e estranhamente moderno.

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“The Bad Batch” foi outra experiência de género, fundindo um romance pós-apocalíptico com o terror canibal e a ficção-científica. O resultado final, contudo, está longe de ser tão bom como o esforço anterior da realizadora, a começar pelo contraste entre as duas protagonistas. Se a vampira de “A Girl Walks Home Alone At Night” era uma personagem surpreendentemente bem definida para a sua mínima quantidade de elementos caracterizantes, Arlen, interpretada sem grande interesse por Suki Waterhouse, é uma cifra indefinida. A centralização da narrativa à volta dela é o primeiro grande problema do filme.

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Os outros elementos frágeis da obra focam-se principalmente no seu ritmo vagaroso, sua opacidade e sua confusão temática. Os primeiros dois problemas aqui mencionados têm como principal consequência, a criação de uma experiência aborrecida, mas é a confusão temática que realmente mata o filme. Segundo Amirpour, esta é uma obra cheia de crítica social por entre as suas visões de horror no deserto, mas, pelo meio dos seus devaneios estilísticos, a realizadora parece ter perdido o controlo sobre as suas próprias intenções autorais, resultando numa obra confusa e ocasionalmente contraditória na sua ideologia.

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Pior que isso é a hipocrisia da realizadora em relação a uma série de questões de representação étnica que têm vindo a ser cada vez mais levantados, à medida que o filme chega a circuitos comerciais pelo mundo fora. Depois de ser acusada de cair no mesmo cliché odioso do cinema de terror que leva todas as personagens pretas a morrerem de modo grotesco e híper violento, a cineasta respondeu com indignação cáustica. Amirpour parece estar desejosa de desafiar as convenções do género, mas não consegue admitir que o seu projeto acabou por reforçar algumas dessas mais perniciosas convenções.

Do facto de Jason Momoa estar a interpretar um gangster canibal latino nem se fala. Juntamente com a presença distrativa e desperdiçada de Jim Carrey, esse é um desastre de casting imperdoável da parte da equipa por detrás deste filme.




UM GRANDE FINAL

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Durante toda a duração do festival, o Cinema São Jorge esteve decorado a rigor. Uma mesa de jantar macabra aqui, um tanque de cobras ali, uma guilhotina peniana na casa-dos-homens e umas quantas aparições monstruosas a passearem pelo espaço. Com isso dito, nada bate a visão que aguardava os aficionados do terror que se dirigiram ao cinema histórico de Lisboa no último dia desta edição do MOTELx. No primeiro andar, o teto enchia-se de balões vermelhos numa celebração bela, festiva e horripilante daquele que seria o filme de encerramento, “It”.

Esta adaptação do enorme romance homónimo de Stephen King tem sido um dos filmes mais aguardados do ano, dentro e fora do panorama da cinefilia do terror. Afinal, ainda há muitas pessoas que têm memórias afetuosas da minissérie protagonizada pelo extraordinário Tim Curry em 1990, e o livro é certamente um dos trabalhos mais famosos deste autor que, graças a projetos como “Stranger Things”, está a ter um ressurgimento na cultura popular moderna.

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O livro original é também um dos trabalhos mais complexos de King, tendo uma estrutura incrivelmente problemática de flashbacks, assim como uma conflagração de múltiplas temáticas e críticas sociais. Por exemplo, por um lado esta é uma exploração dos medos da infância, o modo como lidamos com eles e a influência que esses traumas têm no nossos crescimento e vida adulta. Por outro, é uma história sobre o processo de saída da meninice através de um despertar sexual, de uma perda de inocência e da confrontação com a mortalidade, e de como isso se reflete no cinismo de um adulto. Também é uma ácida crítica social à sociedade americana, seu infecioso racismo, homofobia, antissemitismo, sexismo e outros preconceitos que, no livro, não são somente personificados e alimentados pelo demónio titular como pelas próprias pessoas tornadas psicopatas ou monstruosas na sua inação face ao mal que veem no mundo.

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Isso são apenas algumas das ideias subjacentes ao romance “It”, sendo que existem muitas mais facetas à sua complexa narrativa. Adaptar tal obra literária ao grande ecrã é um pesadelo de dificuldade, mas, de modo geral, esta adaptação é um sucesso, excisando as partes mais problemáticas do livro, como a estrutura de flashbacks e o clímax orgástico da primeira metade da história, e alterando detalhes necessários a uma tradução cinematográfica competente, divertida e empolgante. Nem tudo é perfeito, como é evidente, sendo que as mudanças feitas à personagem de Beverly, a única protagonista feminina desta trama, são. Em parte, fantásticas, mas, noutros casos, tristemente estúpidas e quase ofensivas.

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Para muitas pessoas, no entanto, o que interessará em “It” é a apresentação do seu horror e, nesse aspeto, o filme é mesmo muito bom. Longe de seguir as pisadas de Tim Curry, Bill Skarsgård apresenta-nos uma versão mais animalesca e primordial do palhaço Pennywise, sugerindo um ser que está para além da compreensão e fisicalidade do ser humano. O modo como o ator, com a sua voz suave, consegue fazer Pennywise passar, quase impercetivelmente, de um registo de falsa doçura para um de voracidade ameaçadora é fantástico, tal como é a sua aparência pseudo vitoriana e transformações ajudadas por muitos efeitos digitais.

É certo que o realizador Andy Muschietti se apoia muito em mecanismos cliché do horror moderno (tantos jump scares…), mas isso não invalida a sua eficácia. Aliás, é a mestria de Muschietti e do seu elenco na criação de personagens humanas complexas, definidas e simpatéticas, que realmente faz com que todo o horror seja tão poderoso. Afinal, é muito mais assustador assistir a tal carnificina quando estamos genuinamente preocupados com o destino das personagens, que facilmente irão conquistar audiências por todo o mundo. Ou melhor, já conquistaram, visto que o filme já é um sucesso de bilheteiras quase sem precedentes na História do cinema de terror!

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O próximo grande festival de cinema a conquistar Lisboa é o Queer Lisboa, que tem início esta sexta-feira, dia 15 de setembro. Não percas, nem o festival, nem a nossa cobertura do mesmo!

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