MOTELx ’17 | La región salvaje, em análise

Amat Escalante volta a surpreender com “La región salvaje”, um filme que examina poderes sexuais de uma misteriosa criatura extraterrestre sobre vários indivíduos no México contemporâneo.

la region salvaje critica

Em 2013, Amat Escalante conquistou críticos por todo o mundo com “Heli”, o mesmo filme que lhe valeu um merecido galardão para Melhor Realização no Festival de Cannes desse mesmo ano. Nessa obra, o realizador catalão mostrou-nos a história infernal de uma família que acidentalmente se vê metida no mundo da droga e dos cartéis. A sua abordagem foi uma de grande severidade formalista, de prolongados silêncios e planos estáticos tortuosos que não deixavam a sua audiência desviar o olhar dos horrores à sua frente, foi uma de realismo sanguinário e árido, tão seco quanto acídico. O seu mais recente trabalho “La región salvaje”, pelo menos aquando de uma análise superficial da sua premissa, parece representar um afastamento desse realismo. Afinal, este é um filme parcialmente acerca de pessoas a terem sexo com um alien. Não é certamente realismo puro e duro.

No entanto, a verdade é mais complicada que isso. Uma temática transversal aos dois filmes é a capacidade humana para a violência e crueldade, mas a pesquisa de Escalante em “La región salvaje” também se foca na exploração do desejo, do sexo e da procura humana por prazer. Tais facetas do seu projeto não tomam nunca proporções irreais, sendo que os comportamentos das suas personagens, por muito confusos que sejam ou estimulados por uma entidade fantasiosa, não demonstram nenhum tipo de estilização, mas sim uma procura por crua autenticidade. Para além do mais, apesar de marcadamente menos rígidas, as escolhas formais de Escalante também aqui demonstram um primor estudado que é inegável.

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Antes de mais quaisquer considerações formalistas, convém apresentar, resumidamente, a narrativa deste peculiar filme. “La región salvaje” relata as experiências de quatro indivíduos que entram em contacto com uma misteriosa criatura alienígena que, há tempo incerto, chegou à terra num meteoro, e agora é guardada em segredo por um casal no meio do campo. A primeira pessoa que conhecemos é Verónica, uma jovem que anda a ter vários encontros sexuais com a criatura. Ela está viciada no prazer sobre-humano, mas os comportamentos crescentemente agressivos do ser misterioso são um sinal do perigo do seu desejo.

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É numa ida ao hospital para tratar de uma dentada do monstro que Verónica conhece Fabián, um enfermeiro simpático que mantém há anos uma relação secreta com o seu cunhado, Angél. O amante de Fabián, ao contrário do enfermeiro, esconde os seus desejos do mundo, sendo casado com Alejandra, que trabalha na fábrica da sogra conservadora. Ao longo do filme todos os quatro se vão encontrar sexualmente com o alien, para alguns, esse encontro será mortífero, mas, para todos, a experiência é de prazer celestial. Aliás, não é muito difícil ver o monstro como uma materialização viva do prazer animal em toda a sua bestialidade e maravilha, em todo o seu apelo e todo o seu perigo.

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Parte do seu apelo, aliás, é a delícia do segredo e a montagem elíptica combinada com o tom misterioso de todo o filme fazem uma boa ilustração disso mesmo. Tal construção formal propõe tipos de exposição narrativa ausente ou oblíqua, que, quando emparelhada com as composições cuidadas, e ritmos secos do filme, possibilita uma experiência estranha. Aqui existe o paradoxo da sensualidade fantástica e espetacular com o realismo misterioso, sendo que o monstro em si e o modo como é filmado também exemplificam tais ideias. Ele aparece em planos breves, chocantemente explícitos e diretos que nenhum espetador facilmente esquecerá.

Mas essas aparições do monstro em momentos de sexo inter-espécies não são as únicas cenas de sexo no filme. O exemplo mais flagrante é, obviamente, uma orgia animal numa cratera que parece ter saído da mente de Lars von Trier, mas também temos outros momentos, entre Alejandra e Ángel e Fábian, por exemplo. Aí, é curiosa a maneira como Escalante nos apresenta a atividade sexual das suas personagens. Não há grande pudor no olhar do realizador, mas raramente nos apresenta algo explícito, a não ser em momentos vagamente aleatórios, como quando vemos Fábian colocar um preservativo na sua ereção antes de penetrar o cunhado.

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Tal escolha, parece mais motivada por ritmos mecânicos do filme do que pela vontade de chocar o público com imagética provocatória. Do mesmo modo, as aparições do monstro no ecrã também parecem mais um fenómeno mecânico que o espetáculo lúgubre que outros realizadores, como o já mencionado von Trier, proporcionariam. Escalante, apesar de toda a sua violência infernal e gosto por premissas insólitas e obscuras, é um cineasta imensamente direto e literal. As suas provocações nunca são exacerbadas ao nível de espetáculo o que torna os seus filmes em terríveis peças de entretenimento, mas em fascinantes objetos de mistério e horror.

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A presença de “La región salvaje” no MOTELx, um festival de cinema de terror, é peculiar, pois o filme não segue muitos parâmetros convencionais do género, mas a aflição interior que consegue proporcionar no espetador, ao mesmo tempo que o atrai e, porventura, excita, é tão ou mais visceral que o melhor jump scare imaginável. Este é um filme que nos afoga na sua atmosfera, que nos choca e atordoa em igual medida e é também um dos melhores projetos cinematográficos sobre sexo dos últimos anos.

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Em “La región salvaje” a materialidade do ato sexual e a imaterialidade do desejo animal e do prazer humano colidem, mas não é uma explosão vistosa que surge desse confronto, mas sim um longo tinido que nos entra no ouvido e nos enlouquece lentamente. Se o filme choca, para além das suas imagens, é porque nos faz pensar sobre os nossos próprios limites, atitudes e impulsos escondidos, porque nos mostra o horror de que somos capazes quando nos deixamos consumir pelo lado animalesco como quando reprimimos o desejo com violência puritana. Afinal, este foi um projeto inspirado, em grande parte, pelo modo homofóbico como a morte de um homem foi noticiada no México – uma situação em que alguém seguiu os seus desejos e sofreu as consequências violentas da reação de um mundo odioso. É um cliché dizer tais coisas, mas, por muitos aliens que Escalante coloque nos seus filmes, eles nunca conterão nada mais misterioso ou monstruoso que o ser humano.

 

La región salvaje, em análise
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Movie title: La región salvaje

Date published: 9 de September de 2017

Director(s): Amat Escalante

Actor(s): Ruth Ramos, Simone Bucio, Jesús Meza, Eden Villavicencio, Andrea Peláez, Oscar Escalante, Bernarda Trueba

Genre: Terror, Drama, Ficção-Científica, 2016, 98 min

  • Claudio Alves - 88
88

CONCLUSÃO

“La région salvaje” é uma obra desconcertante e provocadora, que chocará muitos e aborrecerá tantos outros com os seus ritmos vagarosos e opacidade narrativa. Para fãs do cinema severo e aterrorizador de Escalante, no entanto, esta obra sobre sexo, desejo, prazer e violência é visionamento obrigatório.

O MELHOR: A insólita premissa que tem vindo a tornar o filme num dos títulos mais infames do circuito dos festivais de cinema nos últimos 12 meses.

O PIOR: Quanto o monstro parece ser uma reciclagem pouco original ou inesperada de criatura semelhante na “Possessão” de Zulawski.

CA

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  1. Gigante 17 de Novembro de 2017

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