Robert Redford e Jane Fonda

Nós Ao Anoitecer, em análise

“Nós, Ao Anoitecer” ou “Our Souls At Night” reúne Robert Redford e Jane Fonda num filme com uma visão nostálgica sobre o amor na terceira idade. 

Quem diria que duas das maiores e carismáticas estrelas do cinema de Hollywood, cuja imagem conserva padrões clássicos do star-system, se reuniriam para um filme produzido para uma plataforma streaming onde o público-alvo é maioritariamente jovem? Pois bem, Robert Redford, de 81 anos, e Jane Fonda, de 80, protagonizam “Nós, Ao Anoitecer”, drama disponível há algum tempo na Netflix Portugal e que é esta semana um dos “Grandes Filmes na TV” a não perder.

O filme, cujo título português é bem melhor que o original – o quanto sinistro “Our Souls At Night” -, teve estreia internacional na última edição do Festival de Veneza, onde foi aplaudido de pé e onde os dois atores receberam um Leão de Ouro pelas suas carreiras. Não seria de esperar outra coisa senão tamanhos elogios aos também vencedores do Óscar da Academia – Redford com o Óscar de Melhor Realizador por “Gente Vulgar” (1980); Fonda com dois Óscares de Melhor Atriz por “Klute” (1971) e “O Regresso dos Heróis” (1978). Acresce o facto de “Nós, Ao Anoitecer” marcar a quarta colaboração entre Robert Redford e Jane Fonda – depois de “Perseguição Impiedosa” (1966); “Descalços no Parque” (1967) e “O Cowboy Eléctrico” (1979). Depois de mais de cinquenta anos desde a primeira colaboração juntos é impressionante observar como os atores mantêm uma forte e tão doce empatia. Aliás, esta é uma química que não se vê todos os dias, nem tão pouco se vê em todos os filmes.

Nós, Ao Anoitecer
Robert Redford e Jane Fonda na antestreia de ‘Our Souls At Night’ durante a 74ª edição do Venice Film Festival

Para além da óbvia passagem do tempo, que nem a própria indústria de Hollywood consegue evitar, existe uma outra grande diferença entre esses projectos, e este tão delicioso “Nós, Ao Anoitecer”. A verdade é que os atores já não estão na flor da idade, nem os seus corpos são sensualizados ou dados a ver como objectos de desejo ao espectador. Mas, talvez hoje, e mesmo com os seus corpos cansados e tão envelhecidos, Robert Redford e Jane Fonda sejam filmados como verdadeiramente são. E nós espectadores agradecemos tamanha humildade da produção. Não há qualquer tipo de artificialismos, porque os atores estão despojados dos seus estatutos de vedetas, interpretando dois seres humanos vulgares de uma pequena cidade do Colorado, nos Estados Unidos da América. Um filme assim só nos engrandece a alma.

Curiosamente “Nós, Ao Anoitecer” nasceu pela força de vontade de Robert Redford, também ele produtor do filme, em querer contracenar novamente com Jane Fonda. Como fundador do Festival de Sundance, que promove o cinema independente, Robert Redford volta a piscar o olho à mudança no cinema de Hollywood, justamente porque se rendeu àquela que poderíamos apelidar como uma das maiores novidades dos dias de hoje: a Netflix. A partir da plataforma digital, Redford conseguiu dar luz a um filme sobre o amor na terceira idade, história que certamente os principais estúdios de Hollywood recusariam. Já Jane Fonda não é estranha à Netflix, uma vez que protagoniza a série de comédia “Grace & Frankie” ao lado de Lily Tomlin.

Nós, Ao Anoitecer
Jane Fonda e Robert Redford

Adaptado do romance do mesmo nome de Kent Haruf, “Nós, Ao Anoitecer” foca-se num homem e numa mulher de terceira idade, ambos viúvos que estão à procura de felicidade. Certa noite, Addie Moore (Jane Fonda) arranja coragem para bater à porta do vizinho Louis Waters (Robert Redford), sobre quem pouco sabe, para lhe pedir um favor. Addie pergunta a Louis se estará disponível para dormir com elas durante todas as noites seguintes. Não, não se trata de sexo. Addie quer apenas uma companhia, alguém com quem conversar. Louis à partida sente-se embaraçado, mas no dia seguinte aceita a proposta. Aí começa um forte laço de amizade que permite despertar alguns sentimentos aparentemente adormecidos de ambas as partes. De tal maneira, Addie e Louis deixar-se-ão de rotinas fixas, da solidão que os acomodava aos seus recantos, e passam a desabafar sobre todos momentos vividos. Cada um tem uma história ou episódio para contar sobre o passado. Falam sobre os seus casamentos, sobre os seus filhos, também sobre os seus erros, e sobre aquilo que os faz sentir sós. E mesmo que Louis salte para a casa de Addie com o seu pijama num saco de papel, não tardam a chegar os comentários maldosos dos habitantes da pequena cidade rural. Mas Addie e Louis sabem como lidar com isso.

Eventualmente, terminando o seu visionamento, este é um filme que dá que falar porque não se assimila, nem se encaixa, nos amaldiçoados romances hollywoodescos contemporâneos. Não temos, por exemplo, um grupo de jovens miúdos a tentar ajudar os avozinhos a se juntarem, como se fossem um motivo de gozo lá do bairro. As personagens sustentam-se porque não há qualquer necessidade de conduzir o espectador às emoções mais desesperantes. Nem aos risos desenfreados, nem ao choro soluçante.

Nós, Ao Anoitecer
Robert Redford e Jane Fonda

O filme deixa ainda ver que não há idade para amar, nem limites para filmar as várias formas amor. Mesmo assim, o amor sobretudo quando se trata de pessoas que já passaram da marca dos 60, dos 70 ou dos 80 anos continua a ser tabu. E o tabu trespassa da sociedade para as histórias que são contadas pelo cinema, sobretudo o de Hollywood que maioritariamente se recusa a filmar gentes mais velhas. Um aspecto particular, e até um quanto irónico, diz respeito ao argumento da autoria Scott Neustadter e Michael H. Weber, os responsáveis pelo argumento de “A Culpa é das Estrelas”. Ora, só o facto de redigirem uma história de amor na terceira idade depois de uma história de amor para adolescentes só prova que estas histórias podem coexistir no universo cinematográfico.

Aqui, o filme, mesmo sem ser revolucionário, segue por uma linha que permite apontar o dedo à indústria, pela discriminação a atores mais velhos. A Netflix não fica indiferente e inova, ou renova, ao chamar à atenção, e querendo que Hollywood mude. É por isso que a plataforma existe, mesmo que esteja constantemente a ser criticada. O público pede novas histórias, pede filmes em que a discriminação da idade, sobretudo de protagonistas femininas com mais de 65 anos, deixe de ser um problema.

“Nós Ao Anoitecer” faz algo impressionante para o cinema contemporâneo, e muito embora não tenha qualquer impacto na indústria, é uma das mais belas histórias de amor dos últimos tempos.  

Nós, Ao Anoitecer
  • Virgilio Jesus - 80
80

Um resumo

Nós, Ao Anoitecer é um poderoso retrato de um dos maiores tabus da sociedade contemporânea que ganha vida pelas personagens de Jane Fonda e Robert Redford que voltam a ser um par amoroso passados mais de 50 anos desde a sua primeira colaboração no cinema.

O MELHOR: Para além da duplicidade entre Fonda e Redford, e o carisma que trespassam como estrelas de cinema que são, Nós, Ao Anoitecer prima pela sua direcção de fotografia que reforça tons outonais como se nostalgicamente nos reenviasse ao desaparecido cinema clássico.

O PIOR: O final do filme deixa um certo vazio porque afasta-se um pouco daquilo que a história contou até então. Além disso, a presença de Bruce Dern poderia ser mais aproveitada porque o ator assume a mera figura de um arquétipo.


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