O Mês em Música | Playlist de Agosto

A Playlist de Agosto mostra que não há épocas baixas em música. Boygenius, Cloud Nothings, Tomberlin, Interpol e Mitski são a flor de um talento abundante, que nos fez batotar e estender o limite, numa engorda de que já não faremos dieta.

Agosto costuma ser o pesadelo do jornalismo, com meio mundo a ir de férias. Mas o descanso de uns é a labuta de outros. Os festivais engrossam para oferecer aos veraneantes alguns dos seus melhores momentos e um dos pontos altos do Estio da MHD foi, sem dúvida, o Vodafone Paredes de Coura, onde vimos alguns dos melhores concertos do ano. Esta abundância de grande música ao vivo quase ofuscou a riqueza da música de estúdio que veio à luz do dia neste mês de praia e palcos. Para os que estavam a apanhar sol ou a dançar nas arenas, aqui está a Playlist de Agosto para se porem a par do que vos escapou.

Playlist de Agosto | Os singles

Playlist de Agosto - Boygenius
Phoebe Bridgers, Julien Baker e Lucy Dacus são Boygenius (© Lera Pentelute)

A estreia de Boygenius é um dos acontecimentos marcantes do mês, que não podíamos, por isso, deixar de assinalar na Playlist de Agosto. Esta colaboração, a que já aludíramos, entre Phoebe Bridgers, Julien Baker e Lucy Dacus junta três das mais promissoras cantautoras do indie rock actual. Os álbuns Stranger In The Alps e Turn Out The Lights integraram, o ano passado, várias listas de melhores álbuns e o mesmo deverá acontecer este ano com Historian, o segundo longa-duração de Lucy Dacus, que a projectou para a ribalta e já consta das listas provisórias de várias publicações, a nossa inclusive. Da vizinhança de sensibilidades artísticas, mútua admiração e encontros acidentais nasceu uma amizade que acabou por se concretizar numa digressão a realizar conjuntamente e num “super-grupo” intitulado Boygenius. Deste projecto resultará um EP homónimo, que será lançado a 9 de Novembro pela Matador, discográfica de cujo catálogo já fazem parte Julien Baker e Lucy Dacus.

O anúncio foi acompanhado pela divulgação de um triunvirato de canções, “Bite the Hand”, “Me & My Dog” e “Stay Down”, que reflectem bem o método de trabalho adoptado. Para os ensaios cada uma das três compositoras trouxe uma canção já estruturada e uma ideia. Embora as seis canções que deram origem a Boygenius tenham sido arranjadas e finalizadas em conjunto, transparece em cada uma delas a autoria original. Numa composição realmente colectiva, permanecem intactas as especificidades das várias artistas mas num todo muito distinto do trabalho pessoal de cada uma delas. O tema que abre o EP, “Bite The Hand”, acusa a estrutura de silêncio-ruído típica de Lucy Dacus, com o seu contralto a transmitir opacamente a força sentimental que a letra verbaliza, mas a emotiva voz de soprano de Julien Baker, ao entrar no refrão, transmuta subtilmente a identidade da canção, retirando-a da órbita de Historian e mostrando que Boygenius consiste numa soma maior que as suas partes.

Playlist de Agosto - Cloud Nothings
Cloud Nothings

No dia 13 deste mês, os Cloud Nothings anunciaram um novo álbum. Last Building Burning será lançado em Outubro pela Carpark e constitui o quinto longa-duração da banda americana de Cleveland, Ohio, seguindo-se a Life Without Sound, saído o ano passado e incluído em várias listas de melhores do ano. A dar crédito às palavras do líder dos Cloud Nothings, Dylan Baldi, este novo álbum assinalará o regresso à sonoridade mais agressiva de discos como Attack On Memory (2012) e Here And Nowhere Else (2014), que catapultaram o quarteto para os palcos internacionais:

Ando de momento obcecado pela ideia de energia. Foi assim que pensei neste disco: sete breves, e uma longa, explosões de intenso, controlado caos. Queria que isso passasse de uma maneira que pudesse ser de facto sentida. (Dylan Baldi)

O tema principal que foi divulgado juntamente com o anúncio do novo longa-duração, “The Echo Of The World”, é um testemunho feroz desta direcção. Caos com a forma de um cometa, a canção começa como uma explosão de ruído e grito hardcore que eventualmente se silencia, para se ouvirem soar, solitárias, primeiro uma e depois outra, as duas linhas de guitarra à qual se junta a melodia vocal. O ruído transmuta-se em musicalidade acre que prolonga, qual cauda do cometa ou eco do mundo, o tema, só para atingir um novo, final pico de intensidade, agora diverso, exasperado. Um portento de canção que promete mais um grande álbum, por uma das mais confiáveis bandas indie do panorama actual.

PLAYLIST DE AGOSTO | “THE ECHO OF THE WORLD”

Playlist de Agosto | Os álbuns

Este mês saíram alguns dos álbuns pelos quais vínhamos a ansiar há algum tempo. No Mês em Música de Julho, demos a conhecer Tomberlin e integrámos na playlist um dos singles de At Weddings, “I’m Not Scared”. Agora é a vez de “Any Other Way”, single que acompanhou o lançamento do álbum, integrar a Playlist de Agosto. É o tema de abertura e constitui uma incisiva declaração de intenções, que dá o tom ao álbum, tanto na sonoridade como na temática: “I needed some self-assurance/ I’m gonna find that”. O disco é a prova de que Sara Beth Tomberlin o conseguiu, porque a melancolia e as dúvidas interiores de que é atravessado o lirismo não invalidam nem corroem a segurança e maturidade da composição. “I didn’t know any other way”, canta Tomberlin no final. Não era preciso. Como no caso de todo o verdadeiro artista, a única maneira que sabia era a certa.

PLAYLIST DE AGOSTO | “ANY OTHER WAY”

As melodias de “If You Love Nothing”, o tema de abertura de Marauder, dos Interpol, podem passar talvez despercebidas nas primeiras audições, mas no tempo vão-se tornando-se cada vez mais peculiares e idiossincráticas. Os pormenores salientam-se e reparamos neles, vão-se tornando cada vez mais estranhos e inesperados, enquanto nos fomos habituando e afeiçoando a eles. Tudo ganha um carácter necessário, uma identidade inconfundível, um aspecto único. A certa altura surpreendemo-nos a tentar trautear estas melodias, e descobrimo-nos necessitados do desejo pungente, nunca satisfeito, que nele transpira por todos os poros. Num certo sentido, as letras de Paul Banks não fazem, de facto, sentido. Adquirem-no. Ouvindo-os e vivendo ao mesmo tempo descobrimos que versos como “when I find my home/ the next artery/ Splendid, I bled my whole life” se vão tornando significativos, no duplo sentido de compreensíveis e relevantes.

Esta experiência é sintomática do trabalho que Marauder pede, se quiserem aproveitar o que os Interpol têm para dar neste seu grande sexto longa-duração, ou já agora em qualquer um dos seus álbuns. A maior parte das coisas ouve-se porque se percebe. No caso dos Interpol é preciso ouvir para perceber, porque é só no interior de uma longa convivência que tudo começa a fazer sentido. Como em todo o grande amor não há aqui qualquer sedução. É preciso escolhê-lo antes de nos apaixonarmos. Mas, como também em todo o grande amor, o caminho da descoberta não termina e a fidelidade é para sempre. Percebem agora por que razão a Q, na edição do mês que vem, os intitula de “a maior banda de culto do mundo”?

PLAYLIST DE AGOSTO | “IF YOU REALLY LOVE NOTHING”

Fenómenos de culto à parte, não há dúvidas sobre qual seja o grande álbum da Playlist de Agosto de 2018. Viajando subtilmente por diversos estilos, tendências e acentuações da música pop, às vezes no espaço de uma única canção, Mitski constrói, em Be The Cowboy, um contexto sempre mutável para a sua voz tranquila e factual, que assim aparece como o centro estável num pano de fundo proteico. Só por vezes acompanha a voz de Mitski os crescendos a que é dado o instrumental, acusando a emotividade latente, contida sob a tranquilidade. Ao longo do lirismo de Be The Cowboy desenrola-se a narrativa de um amor acabado. Por nada de especial, só mesmo a lei implacável da vida que não admite finais felizes, do tempo que faz desvanecer tudo, sem grandes razões, sem gore de maior. Esta visão trágica da existência não parece questionável, mas surge como um dado de facto, sem possibilidades alternativas de compreensão, dando um tom de resignação mais doloroso do que o findar em si mesmo.

Playlist de Agosto - Mitski
Mitski (© Savanna Ruedy, Pitchfork)

No entanto, em muitos momentos e sob várias formas, um desejo – ora desmedido, ora agarrado ao que de antemão se crê ser ilusão – e uma solidão – que impera na atmosfera rarefeita do álbum – abrem brechas neste cepticismo, num “géiser” de revolta contra a ausência de esperança. Em “Two Slow Dancers”, o terceiro single a acompanhar o lançamento do álbum, a cortina corre sobre o palco e tudo indica que venceram o tempo e a resignação: “It would be a hundred times easier if we were young again / to think that we could stay the same/ But as it is and it is/ we’re two slow dancers, last ones out.” Não fora pela nostalgia da melodia de piano, que a entrada do violino e dos teclados intensifica. Não fora pela contemplação da hipótese de que “we could stay the same”, mesmo se breve e contrafactual. Não fora pela sua repetição, num crescendo lancinante, até ao desespero da distorção. Como se um sentimento arreigado, por verbalizar, questionasse a teoria irrespirável que cobre de nada o fim da história.

PLAYLIST DE AGOSTO | “TWO SLOW DANCERS”

PLAYLIST DE AGOSTO | DESTAQUES DO MÊS

  • Helena Hauff, Qualm (Ninja Tune, 3 deAgosto)
  • Foxing, Nearer My God (Triple Crown Records, 10 de Agosto)
  • Tirzah, Devotion (Domino, 10 de Agosto)
  • Tomberlin, At Weddings (Saddle Creek, 10 de Agosto)
  • Still Corners, Slow Air (Wrecking Light, 17 de Agosto)
  • Mitski, Be The Cowboy (Dead Oceans, 17 de Agosto)
  • Kathryn Joseph, From When I Wake The Want Is (Rock Action, 17 de Agosto)
  • Death Cab For Cutie, Thank You For Today (Atlantic, 17 de Agosto)
  • Oh Sees, Smote Reverser (Castle Face, 17 de Agosto)
  • Nothing, Dance On The Blacktop (Relapse Records, 24 de Agosto)
  • Interpol, Marauder (Matador, 24 de Agosto)
  • IDLES, Joy As An Act Of Resistance (Partisan, 31 de Agosto)
  • Muncie Girls, Fixed Ideals (Specialist Subject, 31 de Agosto)
  • Anna Calvi, Hunter (Domino, 31 de Agosto)
  • Wild Nothing, Indigo (Captured Tracks, 31 de Agosto)

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