Os Amantes Passageiros, em análise

Los Amantes Pasajeros
  • Título Original: Los Amantes Pasajeros
  • Realizador:  Pedro Almodóvar
  • Elenco: Javier Cámara, Carlos Areces, Cecilia Roth, Paz Vega e Raúl Arévalo
  • PRIS | 2013 | Comédia | 90 min

Classificação:

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Por vezes, para atingirmos o cerne de alguns problemas persistentes e mesquinhos da sociedade, temos de ridicularizar a formulação da tese. Há quem goste de provérbios que, com simples encruzilhadas de palavras, nos conseguem passar a ideia de algo ou de alguma coisa pertinente e quase sempre sensata. Pedro Almodóvar criou o seu provérbio animado. “Os Amantes Passageiros” é a anti-celebração dos estereótipos gastos, dos preconceitos incautos e das imbecilidades da sociedade.

Mas não sejamos ingénuos em pensar que esta “anti-celebração”, como lhe chamamos, se deve a uma sobrexploração dramática dos mais variadíssimos problemas da sociedade (a homossexualidade é o tema-destaque). Porque Amodóvar abandona o drama do seu cinema dos últimos anos e celebra o ridículo. Ri-se e faz-nos rir. Critica e fomenta em nós o espírito crítico. Promove as mais variadas situações completamente hilariantes para deixar a marca vincada de que o trabalho que acabara de conceber não serve apenas como alívio cómico. Meus senhores e minhas senhoras: isto é o significado mais puro de comédia inteligente.

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Começa por mostrar uma aparente sequência de créditos carregada de cores vibrantes (num visual sempre com a temática homossexual implícita), mas que serve de pretexto para divulgar uma das frases mais importantes de toda a obra. Pedro Almodóvar faz questão que assumamos desde o início que a história que vai narrar é pura ficção e que em ponto algum se assemelha com a realidade. E é neste início irónico que um Almodóvar sarcástico se revela, dado que aquilo que conta é um espelho (satirizado) de uma sociedade e, deste modo, a realidade está ininterruptamente presente.

Estamos num avião com destino à Cidade do México e concentrados num problema no trem de aterragem que prenuncia uma morte da tripulação. E estamos sobejamente focados na classe executiva que está apoquentada com múltiplos problemas nas suas vidas em terra. E tal como na terra, também num avião, a “classe económica” é relegada para segundo plano. Aqui, para que o avião não perca o controlo mental e, consequentemente, físico, a classe económica é drogada para que adormeça durante toda a viagem.

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A partir desse momento, Pedro Almodóvar regressa ao seu universo cómico de outrora para esclarecer com profundidade as problemáticas de cada um dos passageiros da classe executiva, bem como da sua peculiar tripulação masculina.

Segue de perto o fanatismo religioso nas relações familiares, satiriza a perseguição mediática às celebridades, agudiza as consequências das relações múltiplas e passageiras dos famosos, analisa com humor a importância da espiritualidade e dos pressentimentos e ainda tem tempo para se focar no lado mais criminal da alta sociedade, tanto do ponto de vista homicida como da perspetiva mais monetária.

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Mas o tema dominante é mesmo a homossexualidade. Sob um ponto de vista aparentemente preconceituoso, Pedro Almodóvar coloca em Javier Cámara, Carlos Areces e Raúl Arévalo a tarefa de exprimir trejeitos e modos de estar que são imagens estereotipadas de alguém (neste caso, homem) que possui orientações sexuais diferentes das dominantes. E a vertente mais cómica de “Os Amantes Passageiros” vem diretamente destes três personagens (e três estupendas interpretações) que espalham pelo ecrã o seu carisma e expressividade. Será impossível, por exemplo, não se deixar contagiar pela viciante coreografia da música “I’m So Excited”, dos The Pointer Sisters.

Mas apesar dos diálogos frescos e trocistas, o argumento nem sempre é eficiente. A sua louvável tentativa de percorrer cada um dos personagens e atribuir-lhe um significado, por vezes aumenta o número de momentos mornos e quebra algum sentido ao humor que se vai amplificando. É visível a vontade de não conceber personagens com um nível de complexidade nulo, mas isso obriga a que algumas cenas se passem fora do avião, o que promove alguns decaimentos de ritmo.

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E embora por vezes o seu nível mais desavergonhado possa exacerbar algumas limitações morais, a verdade é que há outros tantos apontamentos que se sobrepõem: as interpretações bastante competentes, o visual arrojado e colorido, sempre atrativo ao olhar, a banda sonora excitante (embora pudesse estar mais presente) de Alberto Iglesias, a qualidade fotográfica e de figurinos e, como não podia deixar de ser, a habilidade de Pedro Almodóvar ao criar uma das comédias mais divertidas e inteligentes dos últimos tempos.

Como já dissemos, o provérbio é a forma mais elementar de que o senso comum tem de exprimir uma situação e educar para um determinado problema que persiste na sociedade. Se falarmos agora naquele que diz: “Mais vale um pássaro na mão do que dois a voar”, podemos espontaneamente adaptá-lo: “Mais vale um Almodóvar cómico na mão, do que uma centena de comédias que estão por estrear.”

DR

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