E se os Óscares não distinguissem entre atores e atrizes? (Parte II)

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Afinal, o que aconteceria se, de 2000 a 2009, os Óscares tivessem decidido dar prémios de atuação sem distinções de género? Será que Sandra Bullock ainda teria um homenzinho dourado? Será que Philip Seymour Hoffman teria morrido sem nunca ter ganho o maior prémio de Hollywood? Talvez…

 

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para saberes quem ganharia o Óscar se não houvesse distinções de género!

 

O mês passado começámos a explorar o que aconteceria se os Óscares decidissem não colocar distinções de género nos seus prémios de atuação. Examinando os anos de 2010 até 2016, a nossa conclusão foi bastante negativa, sendo que esperaríamos ver um enorme domínio masculino, enquanto os já subvalorizados feitos de atrizes seriam ainda mais ignorados. Afinal, é difícil negar que existe sexismo internalizado na indústria de cinema americano e isso reflete-se bastante nos seus prémios de mérito.

 

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Nesta segunda parte da nossa exploração de Óscares sem distinções de género, tomamos como objeto de análise a primeira década do século XXI. Ao todo, temos aqui 100 prestações nomeadas de 97 filmes diferentes, sendo que “Walk the Line”, “Million Dollar Baby” e “Iris” foram nomeados em ambas as categorias, tanto Melhor Ator como Melhor Atriz.

 

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Algo que se evidencia logo, a uma primeira análise superficial, é que esta foi a década dos filmes biográficos. Mais de metade dos vencedores dos galardões para prestações principais ganharam os seus prémios por papéis baseados em personagens verídicas. Isso vai, certamente, ter peso nas nossas previsões, que, curiosamente, demonstram um maior equilíbrio de géneros do que aquele verificado na primeira parte desta série de artigos.

 

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Mesmo assim, em média, os filmes nomeados para Melhor Ator continuam a ter, em média, pelo menos mais duas nomeações que filmes indicados a Melhor Atriz. Os nomeados a Melhor Filme raramente apresentam histórias com protagonistas femininas, sendo que cerca de apenas metade dos 55 filmes indicados para esta honra têm personagens femininas de considerável relevância na sua narrativa. A Academia continua a mostrar estar muito mais predisposta a recompensar histórias sobre homens do que sobre mulheres, o que é um óbvio reflexo da indústria em geral e da nossa sociedade que gosta de categorizar narrativas femininas como intrinsecamente mais superficiais e leves.

 

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Para além de tudo isso, continuamos a ver uma grande disparidade de idades, sendo muito mais comum haver homens nomeados na casa dos 40 para cima e mulheres com menos de 40, com algumas notórias exceções. Adrien Brody, que ganhou o Óscar de Melhor Ator de 2002 por “O Pianista”, tornou-se mesmo no ator mais jovem de sempre a arrecadar essa honra, com 29 anos. À medida que envelhecem, as atrizes têm, na grande maioria dos casos, menos probabilidade de serem nomeadas e o contrário ocorre com os homens. Enfim, o mundo em que vivemos é marcado por inúmeros preconceitos como sexismo, e Hollywood não está isenta de tal doença.

 

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Este artigo é a segunda parte de uma série em que iremos examinar este hipotético prémio unissexo de atuação ao longo das várias décadas dos Óscares. Vamos apenas considerar os nomeados e vencedores dos galardões para prestações principais, para tornar a decisão mais clara e evitar discussão de fraudes de categorização. Para além disso, destacaremos também a prestação que, na nossa opinião, deveria ter sido recompensada de entre os nomeados. Explora a galeria que podes abrir com o link abaixo para veres os casos de 2000 a 2009.

 

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para saberes quem ganharia o Óscar se não houvesse distinções de género!




2009/2010

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Os vencedores: Sandra Bullock em “Um Sonho Possível” e Jeff Bridges em “Crazy Heart

 

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Quem ganharia se não houvesse distinção de género: Jeff Bridges

Por um lado, Sandra Bullock é uma das mais adoradas estrelas de Hollywood, eterna “America’s sweetheart” e estava a interpretar uma personagem da vida real num dos filmes mais lucrativos do ano. Por outro, Jeff Bridges era já um veterano respeitado do cinema americano, tinha começado a carreira nos anos áureos da Nova Hollywood e já tinha quatro nomeações para os prémios da Academia, sem uma única vitória.

No final, suspeitamos que, não obstante o apelo popular de Bullock e a nomeação surpresa do seu filme ao galardão de Melhor Filme, o grande vencedor seria Bridges. Afinal, neste ano, a vitória de Bridges era tida como uma certeza absoluta, enquanto ainda havia muitos especialistas que duvidavam do sucesso de Bullock que não tinha sido a favorita dos críticos ou dos sindicatos.

Para além do mais, a prestação naturalista e vivida de Bridges é muito melhor que o desempenho carismático, mas muito superficial, de Bullock.

 

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Quem merecia ganhar se não houvesse distinção de género: Colin Firth em “Um Homem Singular”

Entre os dois efetivos vencedores dos Óscares, votaríamos em Bridges, mas, se pudéssemos votar entre qualquer um dos dez nomeados para Melhor Ator e Melhor Atriz, a nossa escolha teria recaído sobre Colin Firth, que viria a vencer o prémio no ano seguinte por “O Discurso do Rei”.

Enquanto o seu desempenho no papel de Jorge VI é um vistoso espetáculo de tiques vocais e físicos aplicados a grandes diálogos e inspiradores monólogos, a performance do ator no primeiro filme de Tom Ford é uma preciosa montra de modesta subtileza. Interpretar um homem atormentado pela perda do seu amado e a contemplar o suicídio poderia ter resultado numa performance de interioridade telegrafada e escolhas óbvias, mas Firth nunca exagera ou se deixa dominar pelos devaneios estilísticos do filme, estando sempre em absoluto controlo da sua personagem.

Pela sua belíssima cristalização da agonia da perda e da banalidade atordoante do seu rescaldo, para nada dizer de um dos mais devastadores telefonemas na história do cinema, Firth merecia ter ganho o Óscar.

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2008/2009

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Os vencedores: Kate Winslet em “O Leitor” e Sean Penn em “Milk

 

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Quem ganharia se não houvesse distinção de género: Kate Winslet

Esta é uma das previsões mais surpreendentemente simples desta década. Penn, apesar de estar num filme biográfico nomeado ao Óscar de Melhor Filme, já tinha ganho um Óscar cinco anos antes.

Winslet, por outro lado, nunca tinha ganho, apesar de já ter sido nomeada cinco vezes antes, estava num filme sobre o Holocasuto (um dos temas favoritos da Academia de Hollywood), tinha um sotaque vistoso, uma transformação física estonteante no último ato do seu filme e tinha feito uma campanha implacável no caminho para o palco dos Óscares.

Há que recordar ainda que este foi a mesma temporada de prémios em que Winslet conquistou dois Globos de Ouro na mesma noite, Melhor Atriz num Drama por “Revolutionary Road” e Melhor Atriz Secundária por “O Leitor” (até aos Óscares a atriz tinha feito campanha por este papel na categoria secundária e era, aliás, a grande favorita para ganhar esse outro prémio). Não havia mesmo maneira de Kate Winslet acabar esse ano sem um Óscar nas mãos.

 

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Quem merecia ganhar se não houvesse distinção de género: Mickey Rourke em “O Wrestler”

Há quem desvalorize o desempenho de Mickey Rourke em “O Wrestler”, apontando para as semelhanças entre a personagem trágica do filme e o ator em questão. Afinal, foi assim tão difícil para Rourke interpretar o que até poderia ser uma versão ficcionada de si mesmo? Honestamente, tais conjeturas são insultuosas e demonstram uma grande ignorância acerca do que é atuar.

Como Randy ‘The Ram’ Robinson, Rourke é um poço de galvanizante naturalismo, dando tanta importância e empenho pessoal às cenas de luta como aos diálogos mais sentimentais, verbosas e devastadores. Vê-lo no ringue é observar uma longa história de glórias passadas a assombrarem um fulgurante espetáculo físico de dor e esforço. Vê-lo a implorar à filha que não o odeie é um murro no estômago emocional, capaz de fazer vacilar o mais duro lutador ou o mais insensível dos espetadores.

Em conclusão, é uma pena que mais nenhum realizador tenha dado a Rourke uma oportunidade dramática tão carnuda e multidimensional como Aronofsky fez neste filme, mas isso em nada tira valor a este grande feito do ator. Rourke em “O Wrestler” não é só uma das melhores prestações de 2008, mas também um dos grandes feitos cinematográficos da última década.

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2007/2008

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Os vencedores: Marion Cotillard em “La Vie en Rose” e Daniel Day-Lewis em “Haverá Sangue

 

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Quem ganharia se não houvesse distinção de género: Daniel Day-Lewis

Não vale a pena medir palavras em relação a estas prestações premiadas com o Óscar. O desempenho de Marion Cotillard em “La Vie en Rose” e o de Daniel Day-Lewis em “Haverá Sangue” constituem duas das melhores prestações a alguma vez serem imortalizadas por este prémio e são, sem sombra de dúvida, os melhores vencedores da década em questão.

Com isso dito, se só pudesse haver um vencedor, prevemos que a Academia fosse escolher o desempenho do ator irlandês e não o da deusa gálica.

Há que lembrar que prestações noutra língua que não inglês quase nunca ganham e que, comparando a receção crítica dos dois filmes, “Haverá Sangue”, que inclusive foi nomeado para o Óscar de Melhor Filme, está num patamar muito superior ao do filme biográfico sobre Edith Piaf. A tudo isto se acrescenta o sexismo interiorizado da Academia e a paixão universal que a cinefilia internacional tem por Daniel Day-Lewis e temos todos os ingredientes reunidos para a triste derrota de uma das melhores atrizes europeias dos nossos tempos.

 

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Quem merecia ganhar se não houvesse distinção de género: Marion Cotillard em “La Vie en Rose”

Desde que se tornou numa estrela de cinema internacional, Marion Cotillard é uma cara conhecida das audiências por todo o mundo. Curiosamente, tal familiaridade crescente apenas tem vindo a tornar mais espantosa a sua transformação em Edith Piaf, quer seja o nervosismo febril e fisicalidade angular da jovem cantora ou a grotesca teatralidade e quebradiça mobilidade da diva moribunda.

É interessante comparar Cotillard a tantas outras das prestações em filmes biográficos que os Óscares celebraram nesta década. Ao lado de Bullock, Mirren ou Foxx, Cotillard parece vir de outro mundo, tamanha é a grandiosidade abrasiva do seu trabalho, a sinceridade emocional da sua personagem e a intensidade da sua exploração das facetas escondidas de Piaf, sua solidão, confusão e abjeto terror.

O melhor de tudo é que, apesar de todo o espetáculo físico e vocal em cena, Cotillard nunca deixa que os elementos mais vistosos da sua prestação eclipsem ou definam por completo a sua versão de Edith Piaf. Pelo contrário, há algo de maravilhosamente severo na segurança com que a atriz modula as suas escolhas estilísticas, construindo sempre o seu desempenho de dentro para fora, da interioridade psicológica para a cacofonia exterior.

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2006/2007

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Os vencedores: Helen Mirren em “A Rainha” e Forest Whitaker em “O Último Rei da Escócia

 

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Quem ganharia se não houvesse distinção de género: Helen Mirren

Na temporada de prémios de 2006/2007 não havia maior certeza do que a vitória assegurada de Helen Mirren na categoria de Melhor Atriz.

O sucesso de Whitaker também foi previsível, mas a prestação de Mirren foi, pelo menos de um ponto de vista mediático, “A performance de 2006”, pelo que duvidamos que quem quer que fosse conseguisse impedir a Academia de lhe reconhecer o trabalho com ouro.

Para além do mais, existem outros fatores a considerar. Esta era a primeira nomeação de Whitaker, enquanto Mirren já ia na sua terceira indicação para o prémio e, por muito que custe admiti-lo, a Academia tende a mostrar um certo racismo internalizado e inconsciente em muitas das suas escolhas. Seria muito difícil imaginar Whitaker a triunfar sobre Mirren aos olhos da Academia.

 

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Quem merecia ganhar se não houvesse distinção de género: Meryl Streep em “O Diabo Veste Prada”

Comédias são muitas vezes menosprezadas no que diz respeito a prémios de cinema, especialmente prémios de atuação. Isso é absurdo e seria justo dizer que muitas das melhores e mais impressionantes prestações na História do Cinema provocaram mais risos que expressões lacrimosas no seu público. Meryl Streep em “O Diabo Veste Prada” merece estar nesse Panteão cómico.

Com a sua pose imperial, gestualidade elegante e económica, atitude glacial, uma voz ora estudadamente aborrecida ou cortante, um brilho cruel no canto do olho e uma aura de desdém quase constante, esta paródia da infame editora-chefe da Vogue americana é uma delícia icónica. No entanto, sem tornar a sua criação menos memorável ou divertida, Streep consegue tornar a sua caricatura monstruosa num ser humano plausível. Miraculosamente, isto permite que as reviravoltas mais dramáticas no terceiro ato da narrativa não pareçam vindas de outro filme, mas sim uma orgânica evolução do retrato que a atriz tinha vindo a pintar desde a sua primeira entrada em cena.

Se formos brutalmente honestos, Meryl Streep merecia o Óscar nem que fosse só pela miríade de diferentes inflexões e tonalidades com que ela consegue dizer a simples fala “Tath’s all”.

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2005/2006

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Os vencedores: Reese Witherspoon em “Walk the Line e Philip Seymour Hoffman em “Capote

 

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Quem ganharia se não houvesse distinção de género: Philip Seymour Hoffman

Esta é uma previsão de estrondosa certeza. Entre Reese Witherspoon e Philip Seymour Hoffman, a Academia iria escolher o ator, sem sombra de dúvida. Já na altura, a vitória de Witherspoon foi polémica, enquanto que Hoffman foi imediatamente assinalado como um dos melhores vencedores de sempre na sua categoria.

Não estamos a dizer que concordamos com tal desprezo em relação à carismática e sincera prestação de Witherspoon, mas é impossível imaginar um mundo em que a sua June Carter triunfasse sobre a espetacularidade vistosa e surpreendentemente acídica do Truman Capote de Hoffman.

 

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Quem merecia ganhar se não houvesse distinção de género: Heath Ledger em “O Segredo de Brokeback Mountain”

2005 foi um ano invulgarmente fraco para a categoria de Melhor Atriz, pelo que poríamos imediatamente de parte a possibilidade de uma vitória feminina neste caso. Em contraste, a categoria de Melhor Ator deu-nos uma das melhores seleções de cinco nomeados que alguma vez tiveram. Pondo de parte as valerosas mostras de virtuoso mimetismo de Joaquin Phoenix e Savid Strathairn, ficamos com o já muito referido Hoffman, Terrence Howard e Heath Ledger como trio de possíveis vencedores.

Em “Hustle & Flow”, Howard pega no que poderia ser uma simples história de redenção moral através da produção artística e complica a narrativa. Ele imbui a sua personagem com uma inteligência casual, um olhar penetrante e a constante ameaça de violência na sua atitude obsessiva, mesmo no que diz respeito à sua música. Hoffman, por seu lado, evita tornar Capote numa caricatura unidimensional, entrecortando a sua imitação perfeita do autor com uma acidez cruel e francamente chocante para quem está à espera de um retrato elegíaco típico do cinema biográfico.

Não obstante esses outros exemplos de excelência, a nossa escolha recairia sobre Heath Ledger. Como um dos protagonistas de “O Segredo de Brokeback Mountain”, o ator evita tornar a sua personagem reprimida numa cifra para a audiência, sem também telegrafar a sua interioridade de um modo demasiado enfático e incoerente com a personalidade deste cowboy. Quando Ledger nos deixa realmente testemunhar a total abertura emocional deste homem, o resultado é algo ora de uma beleza indescritível, ora de uma dor calcinante.

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2004/2005

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Os vencedores: Hilary Swank em “Million Dollar Baby – Sonhos Vencidos” e Jamie Foxx em “Ray

 

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Quem ganharia se não houvesse distinção de género: Jamie Foxx

Esta foi a segunda vitória de Hilary Swank, tendo ela já ganho o mesmo galardão por “Boys Don’t Cry”, mas esse não é o único fator que nos faz prever uma vitória para Jamie Foxx. Afinal, de entre todas as prestações em docudramas biográficos que conquistaram o Óscar nesta década, Foxx tem apenas a Edith Piaf de Cotillard a competir pelo título de “prestação mais vistosa”.

Não que o trabalho de Foxx chegue aos calcanhares de Cotillard. As cadências vocais, pose, ritmos internos, gestualidade e tiques nervosos de Ray Charles são todos reproduzidos com assombrosa perfeição pelo ator, mas, tirando esse espetáculo de mimese, o seu desempenho é muito superficial. Em momentos mais íntimos do filme, Foxx mostra bem as suas limitações, usando todos os aspetos acima referidos como uma muleta que o deixa tratar das complexidades dramáticas do guião com uma triste displicência.

Com isso dito, a Academia muitas vezes confunde qualidade com quantidade e é inegável que Foxx estava no pico da sua popularidade em 2004 e 2005, tendo até recebido outra nomeação para o Óscar na categoria de ator secundário por “Colateral”. Em suma, Foxx era imparável.

 

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Quem merecia ganhar se não houvesse distinção de género: Kate Winslet em “O Despertar da Mente”

Foxx podia ser uma força imparável para a Academia, mas nem sequer seria a nossa escolha de entre os nomeados para Melhor Ator. Essa honra recairia sobre Don Cheadle em “Hotel Ruanda”, mas, se somarmos também as nomeadas ao prémio de Melhor Atriz, então há uma prestação que se eleva acima de todas as outras. Falamos, pois claro, do miraculoso desempenho de Kate Winslet em “O Despertar da Mente”.

Tão singular como a Annie Hall de Diane Keaton, a vigarista disfarçada de Lady Eve interpretada por Barbara Stanwyck ou as muitas personagens endiabradas de Jean Arthur, Katharine Hepburn e Irene Dunne, a Clementine Kruczynski de Winslet é uma das suprassumas divindades da comédia romântica. O que é espantoso, é o modo como a atriz subverte os códigos e fórmulas desse mesmo género, construindo uma personagem que exige que o filme e o espetador redefinam as suas expetativas e juízos de valor.

Um poço sem fim de inseguranças, energia, charme, nervosismos, agressividade e compaixão, o desempenho de Winslet, como Clementine e como uma versão lembrada e idealizada da mesma mulher, é a joia da coroa de uma filmografia invejável.

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2003/2004

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Os vencedores: Charlize Theron em “Monstro” e Sean Penn em “Mystic River

 

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Quem ganharia se não houvesse distinção de género: Sean Penn

De todas as decisões nesta lista de conjeturas, escolher entre quem venceria o Óscar de Melhor Ator de 2003 foi a mais difícil. Afinal, esta foi a grande revelação de Charlize Theron que, até aí, era uma atriz menosprezada e por muitos considerada como uma simples cara bonita sem talento.

No entanto, essa mesma qualidade de revelação poderia ter prejudicado a atriz aquando de uma competição direta com a gritante prestação de Penn no filme de Clint Eastwood. Ao contrário de Theron, Penn era já um ator respeitado muito anos antes do seu desempenho em “Mystic River”, e já tinha estado perto de vencer o Óscar em 1996 por “Dead Man Walking – A Última Caminhada”.

Isso, conjugado com o sexismo internalizado da Academia que costuma valorizar mais histórias masculinas que femininas, assim como com as outras múltiplas nomeações de “Mystic River” levam-nos a concluir que Theron sairia derrotada, não obstante a clara superioridade do seu trabalho em “Monstro”.

 

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Quem merecia ganhar se não houvesse distinção de género: Johnny Depp em “Piratas das Caraíbas – A Maldição do Pérola Negra”

Se não fosse a sua estrondosa popularidade e o apoio surpresa dos críticos, Johnny Depp nunca teria recebido uma nomeação para o Óscar pela sua já icónica prestação na pele do Capitão Jack Sparrow. Afinal, trata-se de um desempenho cómico num filme de ação e fantasia com piratas zombies à mistura – algo bem distante do tipo de drama de prestígio que a Academia de Hollywood tanto adora.

No entanto, o facto é que Depp foi efetivamente nomeado pelo primeiro filme da saga “Os Piratas das Caraínas” e devia ter inclusive ganho o galardão. Depois de quatro sequelas, Jack Sparrow e seus muitos tiques já nos são mais do que familiares e até aborrecidos, mas, em 2003, tudo isto era novidade e é impossível negar a precisão cómica com que o ator concebeu os muitos detalhes idiossincráticos deste pirata, desde a sua maneira de andar aos trejeitos mais teatrais da sua expressão.

Neste primeiro filme Sparrow é como que um Bugs Bunny em forma de pirata, uma força de anarquia imprevisível e tão carismática que, não obstante os seus comportamentos censuráveis, a audiência não consegue resistir ao seu magnetismo. Por tudo isso, esta é uma das prestações mais memoráveis da década e o píncaro da carreira de Johnny Depp enquanto ator e estrela de cinema.

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2002/2003

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Os vencedores: Nicole Kidman em “As Horas” e Adrien Brody em “O Pianista

 

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Quem ganharia se não houvesse distinção de género: Adrien Brody

A competição pelos prémios de Melhor Atriz e de Melhor Ator de 2002 foram das mais renhidas da década.

No panorama feminino, Kidman tinha ganho o Globo de Ouro e o BAFTA, mas os sindicatos tinham preferido Renée Zellweger em “Chicago” e Julianne Moore era a favorita dos críticos pelo seu trabalho em “Longe do Paraíso”. Para além disso, Kidman ainda tinha uma reputação de má atriz, uma cara bonita sem talento que só era famosa pela sua relação com Tom Cruise (não é só a Academia que é sexista) e muito se gozou com o nariz prostético que a atriz australiana usou no filme, uma suposta marca do superficialismo da prestação.

Entre os atores, Daniel Day-Lewis em “Gangues de Nova Iorque” e Jack Nicholson em “As Confissões de Schmidt” eram os grandes favoritos, sendo que a vitória de Brody foi uma das maiores surpresas de sempre nesta categoria. Em retrospetiva, é fácil ver como a Academia adorou “O Pianista”, que por pouco não ganhou Melhor Filme, e como os muito publicitados esforços do ator, que emagreceu imenso para simular um corpo esfaimado pela guerra e pelo Holocausto, lhe asseguraram a vitória. Isso, conjugado com a opinião pública desfavorável a Kidman, leva-nos a prever uma vitória para Brody.

 

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Quem merecia ganhar se não houvesse distinção de género: Julianne Moore em “Longe do Paraíso”

Adrien Brody é efetivamente estupendo em “O Pianista”, mas o papel de Wladyslaw Szpilman em “O Pianista” é relativamente simples e fácil quando comparado com o colossal desafio que Julianne Moore teve de enfrentar em “Longe do Paraíso”.

Aqui temos um filme que se propõe a examinar, desconstruir e subverter os melodramas de Douglas Sirk dos anos 50, ao mesmo tempo que tenta imitar o seu estilo e registo floreado na perfeição. Julianne Moore consegue encontrar o perfeito equilíbrio estilístico e tonal, sugerindo uma pessoa multidimensional de carne e osso sem trair o jogo formalista do filme com inapropriadas escolhas naturalistas.

Moore é uma das atrizes mais inteligentes e aventurosas do cinema americano atual e é fácil perceber por que razão Todd Haynes a eleva ao estatuto de sua musa. É difícil imaginar mais alguma atriz a conseguir resolver as contradições deste papel de forma tão elegante e poderosa.

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2001/2002

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Os vencedores: Halle Berry em “Monster’s Ball – Depois do Ódio” e Denzel Washington em “Dia de Treino

 

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Quem ganharia se não houvesse distinção de género: Halle Berry

Halle Berry tornou-se a primeira atriz preta a ganhar o Óscar de Melhor Atriz pelo seu trabalho em “Monster’s Ball – Depois do Ódio” e, infelizmente, continua também a ser a única. Tal marco histórico não passou despercebido nesta temporada dos prémios.

Apesar de já então ter havido muitos a protestar que ela não devia ganhar somente por razões políticas, é difícil imaginar a Academia a deixar passar esta oportunidade de fazer história e se congratular a si mesma pelo seu “progressismo”. Para além do mais, Berry tinha o apoio de muitos importantes críticos de cinema, incluindo Roger Ebert que foi bastante vocal na sua admiração pelo trabalho da atriz.

Comparada com Denzel Washington, que já tinha um Óscar pelo seu papel secundário em “Glória” de 1989, é difícil imaginar um mundo em que Halle Berry não tivesse conquistado este galardão, independentemente de quaisquer divisões de género.

 

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Quem merecia ganhar se não houvesse distinção de género: Nicole Kidman em “Moulin Rouge!”

Entre os atores, Washington foi um muito justo vencedor pelo seu desempenho deliciosamente vilanesco e implacável. No entanto, seria numa das atrizes que, mais uma vez, o nosso voto recairia.

Apesar do seu sucesso comercial e da vasta coleção de música pop na sua banda-sonora, “Moulin Rouge!” é um filme muito pouco convencional, quase vanguardista na sua desenvergonhada teatralidade e jogos de tom e estilo. Em termos de atuação, esse jogo febril nunca é mais evidente que no trabalho de Nicole Kidman no papel de Satine.

Ao longo do filme, a atriz australiana tem de ter o carisma sexual de Marilyn Monroe, tem de se mostrar capaz de suportar uma tragédia melodramática à la Greta Garbo, tem de ser capaz de trabalhar num registo cómico anárquico, tem de conseguir protagonizar uma intriga romântica com sinceridade moderna ao mesmo tempo que sugere uma estilização que transcende a realidade da narrativa. Em suma, este é um papel incrivelmente complicado e Nicole Kidman consegue interpretá-lo sem nunca mostrar sinais de esforço, seduzindo a audiência, fazendo-a rir e, no final, partindo-lhe o coração.

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2000/2001

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Os vencedores: Julia Roberts em “Erin Brockovick” e Russell Crowe em “Gladiador

 

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Quem ganharia se não houvesse distinção de género: Julia Roberts

Sejamos brutalmente honestos. Se Crowe tivesse sido nomeado por esta mesma prestação noutro ano qualquer, quase de certeza que teria perdido o Óscar para outro ator. Um papel com pouco trabalho verbal, cheio de cenas de ação no contexto de um épico de aventura não é o que a Academia normalmente gosta de recompensar com um homenzinho doirado. Felizmente para o ator australiano, ele teve como competição quatro outras performances que não conseguiram conquistar aclamação unânime e o seu filme foi o grande vencedor do Óscar de Melhor Filme.

Nada disso invalida a qualidade do trabalho de Crowe em “Gladiador”, especialmente a sua abordagem surpreendentemente taciturna e solene a um papel que poderia ter sido insuportavelmente bombástico nas mãos de outro intérprete menos inteligente. No entanto, quando comparado com a explosão de carisma, cenas memoráveis e monólogos inspiradores de Julia Roberts em “Erin Brockovich”, Crowe é como que eclipsado.

Para além do mais, Roberts foi a rainha de Hollywood nos anos 90 e esta vitória foi como que o glorioso capítulo final de uma história de sucesso e estrelato que tinham começado com a sua charmosa estreia em “Mystic Pizza”, 13 anos antes.

 

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Quem merecia ganhar se não houvesse distinção de género: Ellen Burstyn em “A Vida Não é um Sonho”

Por muito espetacular que seja o trabalho de Julia Roberts em “Erin Brockovich”, nada bate a intensidade monstruosa que Ellen Burstuyn foi capaz de conjurar para a sua performance em “A Vida Não É Um Sonho” de Darren Aronofsky.

Neste filme, Burstyn interpreta uma espécie de precedente indireto para Natalie Portman em “Cisne Negro”, sendo a original rainha de obsessão autodestrutiva no cinema de Aronofsky. É assustador ver as profundezas de solidão, depressão e desespero que a atriz é capaz de telegrafar para o espetador, tornando a sua dona-de-casa envelhecida e abandonada pelo mundo numa vampírica criatura que apenas se destrói e consome a si mesma até que sobra apenas um triste caco humano.

O maior elogio que podemos dar a Burstyn é que, a certa altura, torna-se doloroso observar o seu trabalho, tais são os epítetos de sofrimento e degredo a que a atriz dá vida e a humanidade desconcertante da sua personagem caída em desgraça.

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No próximo artigo desta série, vamos finalmente sair do século XXI e analisar a década de 90 do século passado. Pensas que vão haver mais ou homens ou mulheres a ganhar o Óscar nas nossas previsões? Não percas!

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