Patty Jenkins | De Monstro a Mulher Maravilha

Pode não ter sido uma escolha óbvia para realizar o filme da Mulher Maravilha, mas Patty Jenkins é uma das realizadoras americanas mais promissoras dos últimos tempos e merece ser celebrada pelos seus feitos, tanto em cinema como televisão.

 

Quando foi anunciado, há cerca de dois anos, que Patty Jenkins seria a realizadora responsável por trazer a mais famosa super-heroína de sempre ao grande ecrã, muitas pessoas mostraram uma peculiar mistura de admiração, incredulidade e confusão. Afinal, a única outra longa-metragem assinada pela cineasta foi um lacerante docudrama independente sobre uma prostituta que se tornou numa das serial killers mais infames dos EUA. Para além do mais, já tinha passado mais de uma década desde esse filme!

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Em relação ao segundo ponto que mencionámos, a incredulidade que gerou está diretamente relacionada com a ignorância de muitas pessoas em relação ao sexismo institucional que domina, ainda hoje, a indústria cinematográfica. Jenkins está bem longe de ser a única mulher que, após uma estreia promissora na realização, tem uma dificuldade monumental em assegurar financiamento e apoio para o desenvolvimento de um segundo filme. Mesmo que, como é o caso de Jenkins, o seu background seja absolutamente luminoso. Mais especificamente, a realizadora licenciou-se no prestigiado Instituto Cooper em 1993 e, mais tarde, foi uma estudante do muito exclusivo conservatório do AFI (Instituto Cinematográfico Americano). Alguns dos outros alunos desse programa foram, por exemplo, John Cassavetes, David Lynch, Terrence Malick, Darren Aronofsky e Andrea Arnold. Mas isso são questões de instrução e prestígio. Mais importante é mesmo a qualidade do seu primeiro filme e, em relação a isso, não há dúvida que Patty Jenkins é uma cineasta de peso.

 

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Patty Jenkins e Charlize Theron durante as filmagens de MONSTRO (2003)

 

Hoje em dia, Monstro é maioritariamente recordado como o filme que valeu a Charlize Theron o seu Óscar de Melhor Atriz e, em simultâneo, se tornou no apogeu do fenómeno da Awards Season denominado “deglam”, em que uma belíssima vedeta de Hollywood interpreta um papel transformativo em que todas as marcas do seu glamour de estrela são ativamente subvertidas. De facto, o desempenho de Charlize Theron como Aileen Wuornos é uma estonteante façanha de mimese que, apesar da sua exatidão gestual e vocal, mantém uma opacidade sugestiva. Essa opacidade, grandemente apoiada pela abordagem de Patty Jenkins, é mesmo a grande mais-valia do projeto que nunca ousa resolver o sujeito do seu retrato biográfico ou oferecer respostas simples à sua audiência.

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Este nível de ambivalência é extremamente raro no subgénero do cinema biográfico, especialmente quando consideramos a reputação da pessoa a ser retratada. Mesmo nas cenas mais horripilantes de violência, existe uma absoluta maturidade e distância analítica, mas empática, no modo como Jenkins nos apresenta a história de Wuornos. Assim, mais do que ficarmos passivamente horrorizados com os seus atos homicidas, observamos a degradação que Wuornos sofre às mãos de uma sociedade patriarcal que apenas vê uso na sua pessoa quando se trata da exploração do seu corpo. Testemunhamos os seus abusos arrepiantes o seu sofrimento, o despoletar de uma estranha paixão obsessiva pela personagem de Christina Ricci, vemos o afeto a florescer como uma flor resiliente numa piscina de alcatrão, mas também não ficamos indiferentes aos horrores de que ela é capaz.

 

 

No final, não admira que Theron tenha levado para casa o galardão mais cobiçado de Hollywood, mas é trágico quão o filme e a sua realizadora foram eclipsados pela glória da sua atriz principal. Monstro é um dos melhores filmes de 2003 e Jenkins mais do que merecia uma carreira que refletisse o génio da sua estreia. Infelizmente, para nós e para Jenkins, a cineasta não tem escassez de ambição, mesmo quando essa ambição acaba por lhe limitar o seu próprio desenvolvimento enquanto cineasta. Mais especificamente, após o sucesso de Monstro, Patty Jenkins mostrou-se veemente no seu desejo de realizar um filme de super-heróis. E não um filme de super-heróis qualquer, mas sim uma adaptação cinematográfica das aventuras da Mulher Maravilha.

 

 

Como bem sabemos, é absurdamente difícil que um estúdio de Hollywood se digne a fazer um blockbuster com uma protagonista feminina. Especialmente se o projeto em questão estiver inserido num género estupidamente considerado masculino, como é o caso do cinema de ação em geral e dos filmes de super-heróis em particular. Afinal, independentemente de género, Scarlett Johanssen é a intérprete mais popular e lucrativa do MCU, mas a Marvel ainda não ousou levar para a frente um filme singularmente focado na Viúva Negra. Voltando ao caso da Mulher Maravilha, Jenkins já estava na posse de um argumento, escrito por outrem, em 2005, mas isso não significou que os estúdios de Hollywood a apoiassem. Consequentemente, a realizadora virou-se para a televisão. Durante cerca de uma década, Jenkins realizou episódios de séries tão variadas como Arrested Development, Entourage e The Killing. Por este último, Jenkins foi nomeada para um prémio Emmy e até arrecadou o prémio do Sindicato dos Realizadores. Juntamente com outras quatro realizadoras/atrizes, Jenkins também assinou um telefilme denominado Five, sobre cinco histórias de mulheres a lidar com o cancro da mama.

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Patty Jenkins e Gal Gadot durante as filmagens de MULHER MARAVILHA (2017)

 

Entretanto, o projeto da Mulher Maravilha foi oferecido a Joss Whedon que, como bem sabemos, foi responsável pela realização dos primeiros dois filmes dos Avengers, ambos enormes sucessos populares. Ao mesmo tempo, Patty Jenkins estava a usar o seu recente prestigio televisivo para se imiscuir, mais uma vez, no panorama do cinema de super-heróis. Inicialmente, os seus esforços foram frutíferos, e ela foi contratada para realizar Thor: O Mundo das Trevas, mas abandonou o projeto devido a desentendimentos criativos com os seus produtores. Apesar do triunfo financeiro do projeto, o filme continua a ser um dos esforços mais criticamente vaiados do MCU, pelo que Jenkins até foi inteligente no seu afastamento – é uma verdade quase universalmente sabida que é muito mais fácil para um realizador superar a catástrofe crítica de um projeto que uma realizadora.

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Felizmente para Jenkins, a DC Comics e sua filial cinematográfica decidiram finalmente ir à frente da Marvel e lançar o primeiro grande blockbuster com uma super-heroína no século XXI (para efeitos deste artigo e a sanidade da cinefilia mundial, a Catwoman de Halle Berry nunca existiu). Depois de uma troca de cineastas à frente do projeto, Jenkins foi finalmente escolhida para realizar a primeira aventura da Mulher Maravilha no grande ecrã e, apesar da sua experiência não indicar nenhum tipo de afinidade com o cinema de ação, a realizadora está decidida a provar que todos os que duvidam de si estão errados. Será que é desta que a DC consegue seduzir os críticos de cinema? Uma coisa é certa, o trailer promete grandes emoções e até Joss Whedon veio expressar publicamente a sua admiração por Jenkins. Quem sabe, se calhar era mesmo preciso um toque feminino para resolver as mágoas da DC.

 

 

Tens fé no talento cinematográfico de Patty Jenkins enquanto realizadora de Mulher Maravilha? Deixa a tua resposta nos comentários.

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