Que Horas Ela Volta?, em análise

 

Que Horas Ela Volta é um retrato sobre como é trabalhar para viver, por amor aos filhos no humilde quotidiano da personagem principal desempenhada pela atriz Regina Casé. 

Que horas ela volta? Título Original: Que Horas ela Volta?
Realizador: : Anna Muylaert
Elenco: Regina Casé, Michel Joelsas, Karine Teles, Lourenço Mutarelli, Camila Márdila
Género: Drama
Alambique | 2015 | 112 min [starreviewmulti id=18 tpl=20 style=’oxygen_gif’ average_stars=’oxygen_gif’]

 

“Que Horas Ela Volta?” pergunta no início do filme Fabinho à sua ama e empregada doméstica Val (Regina Casé), em relação ao tempo que falta para a sua mãe (biológica), a estilista Bárbara (Karine Teles) regressar a casa. Apesar do título bastante simples, abre espaço à reflexão nos minutos após o seu visionamento. Podemos considerar o título em inglês The Second Mother mais lisonjeiro, uma vez que Val é uma segunda mãe, ou dependendo do ponto de vista é a primeira, porque é ela que dá todo o seu afeto a Fabinho, sem esperar receber algo em troca. De facto, a narrativa é na sua maioria sobre este amor incondicional, mas vamos por partes.

Em primeiro lugar, este filme realizado por Anna Muylaert contém aspetos muitos próprios da cultura brasileira e que ao longo da trama são evidenciados. A protagonista Val é uma mulher que deixa para trás a sua filha no estado de Pernambuco, porque estava desesperada para lhe oferecer  qualidade de vida, razão pela qual que se tenha tornado empregada doméstica de uma família avultada em São Paulo. Val não mora nas melhores condições, na verdade  não possui casa própria e o seu quarto é um vulgar quarto dos fundos, mas graças ao amor e ligação que tem com o filho dos seus patrões Fabinho (interpretado por Michel Joelsas quando adulto) sempre se contenta com ambiente onde está inserida.

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Quando menos espera, Val é surpreendida com a noticia que Jéssica (Camila Márdila), a sua filha que já não vê há dez anos, a irá visitar, uma vez que deseja prosseguir com os estudos em arquitectura, numa das mais prestigiadas faculdades de São Paulo. Jéssica é uma miúda demasiado ambiciosa e cedo tenta chamar à atenção dos patrões da mãe que duvidam das suas capacidades intelectuais, especialmente Bárbara que a considera como “metida” (termo brasileiro), fazendo de tudo para dormir no quarto de hóspedes, uma suite comparada com o quarto minúsculo onde Val passa a noite.

Mesmo assim, esse pequeno quarto é o local onde Val tanto conversa com o seu miúdo que criou. Ambos passam longas noites a conversar sobre coisas banais de mãe e filho e têm uma ligação bem mais resistente que as outras, de sangue, que o filme nos mostra. Ora acaricia-lhe os cabelos, ora lhe dá ternos abraços e sonantes beijos, enfim está sempre presente. O problema é que Bárbara, a mãe biológica de Fabinho é invejosa, e cedo percebe que tanto Val como Jéssica abalam o seu bem-estar – por exemplo a relação que Jéssica estabelece com o marido de Bárbara, o sempre nostálgico Carlos (Lourenço Mutarelli) que encontra na jovem um escape aquele casamento de interesses e porventura uma nova razão para viver.

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Outro aspeto é de que o espetador nunca é convidado a odiar totalmente os “vilões” da história, pois todas as personagens surgem como autênticos seres humanos, algo que a plasticidade de inúmeros filmes de Hollywood às vezes não consegue transpor. Todos os habitantes daquela casa são sufocados por uma força superior, a da diferença social, razão com que nos questionamos (graças a alguns planos gerais da cidade) como é que um país tão evolutivo em infra-estruturas como arranha-céus pode ser tão discriminante, no que toca à sociedade? Parece mais que “assim é, e sempre assim será”, porque o sistema está tão disseminado, como o rato que Bárbara repete insistente ter visto na piscina, complexo de eliminar.

Apesar de ser uma crítica à forma de vida brasileira, Que Horas ela Volta? contém muitas, mas mesmo muitas piadas – a comédia não emerge do ridículo, mas fruto do acasos e embaraçosos momentos que a personagem de Val (pobre financeiramente) vivencia, por exemplo quando diz à filha que os seus patrões só lhe perguntam se quer gelado por mera educação, já que sabem que a resposta será não.

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Um dos elementos mais relevantes é o conjunto de chávenas de duas cores “preto no branco, branco no preto” que Val humildemente oferece a Bárbara e como o mesmo surge no final, quando a protagonista toma a decisão mais acertada da sua vida. O momento em que Val comunica à sua filha que futuro pretende para ambas é das mais belas que veremos este ano, chegámos à conclusão que primeiro a vida separa para, à posteriori juntar quem jamais pode ficar longe. Bastante despretensioso, Que Horas Ela Volta? consegue ser um dos melhores filmes do ano e muito devido à interpretação de Regina Casé, célebre atriz do cinema e televisão brasileira (meios de comunicação que continuam a estar responsáveis por mostrar a realidade que aquele país tende a esconder), que por cada gesto e expressão facial a confundem com qualquer outra dona de casa.

Que Horas Ela volta? é um honesto retrato de situações frustrantes que a vida tende a tomar. Tentemos então decifrar a pergunta: Que Horas ela Volta não será mais a pergunta sobre a que horas regressará a justiça e a igualdade longe de preconceitos e estereótipos à sociedade não apenas brasileira, mas mundial?! Uma coisa é certa, este filme cria uma diferença – de que é em muito superior a todos os outros que vimos este ano. Uma nota para o facto de ter sido a escolha do Brasil para a submissão ao prémio de melhor filme estrangeiro, tendo também sido aclamado na crítica no festival de Sundance e de Toronto.

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VJ

 

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