Sarah Greenwood | Uma designer de fausto e fantasia

Já foi nomeada para quatro Óscares, mas, para a cenógrafa Sarah Greenwood, a criação do mundo de A Bela e o Monstro poderá ser o maior desafio da sua carreira.

 

sarah greenwood a bela e o mosntro
A BELA E O MONSTRO (2017) de Bill Condon

 

Muitos anos antes de se aventurar pelas faustosas fantasias da Disney, a cenógrafa inglesa Sarah Greenwood começou a sua carreira profissional nos palcos do teatro inglês após ter completado os seus estudos na Escola de Belas Artes de Wimbledon. A sua estadia no mundo do teatro não seria, contudo, muito duradoira e, após três anos, Greenwood tentou a sua sorte com a BBC e conseguiu garantir uma posição como designer de produção dos projetos dramáticos de menor orçamento da cadeia televisiva. O seu primeiro trabalho como cenógrafa singular foi mesmo numa adaptação pueril de As Crónicas de Nárnia mas, rapidamente, os seus talentos para a recriação de ambientes do passado começaram a ser notados. Pelo final dos anos 90 e começo do século XXI, Greenwood já alternava o seu trabalho entre produções televisivas de luxo e filmes independentes com cenários históricos.

 

sarah greenwood orgulho e preconceito

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ORGULHO E PRECONCEITO (2005) de Joe Wright

 

Foi graças ao seu trabalho na BBC que Greenwood conheceu o realizador Joe Wright que, até agora, tem sido o seu mais regular colaborador. Depois de ter testemunhado os talentos da cenógrafa que trouxe, para o pequeno ecrã, a Londres seiscentista em Charles II: The Power & the Passion, Wright convidou-a para trabalhar naquele que seria o primeiro projeto cinematográfico do realizador, uma nova adaptação de Orgulho e Preconceito. Esse filme tornou-se na grande reviravolta da carreira de Sarah Greenwood e da sua habitual decoradora Katie Spencer. Em termos críticos, o romance intemporal de Jane Austen serviu de perfeita tela a Greenwood que pode mostrar a sua particular abordagem ao drama de época, onde verosimilhança naturalista e detalhe humano suplantam qualquer desejo por reproduções tiradas diretamente de pinturas ou ilustrações da época. Para Greenwood, a casa dos Bennett, por exemplo, tornou-se um palco de espaços pequenos cheios de mobília antiga que conta a história de uma família outrora abastada mas há muitos anos caída na precariedade económica da baixa burguesia. Os seus esforços valeram-lhe a sua primeira indicação para o Óscar, mas ela perdeu a estatueta para a equipa de Memórias de uma Gueixa.

 

sarah greenwood expiação atonement

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EXPIAÇÃO (2007) de Joe Wright

 

Não demorou muito para que Sarah Greenwood e Joe Wright voltassem a unir esforços e o resultado foi mais uma nomeação ao Óscar para a cenógrafa. O filme em questão foi Expiação, uma tragédia romântica passada nos anos da 2ª Guerra Mundial que levantou um interessante desafio a Greenwood que teve de, efetivamente, conceber cenários para três narrativas distintas e um epílogo. Apesar de quaisquer dificuldades criativas e de um orçamento que se provou perigosamente pequeno para a concretização da visão inicial de Wright, os espaços cenográficos estão impecáveis, desde as cavernas aristocráticas de madeira polida e papel de parede florido que constitui o principal ambiente da primeira parte, até à aspereza utilitária da Londres dos anos de guerra. É claro que a grande pièce de resistance foi a recriação de Dunquerque aquando da famosa evacuação das tropas dos Aliados. Capturada maioritariamente num assombroso plano sequência (feito por necessidade pragmática e não pela sua espetacularidade), esta criação foi, na altura, o píncaro da carreira de Greenwood.

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sarah greenwood sherlock holmes

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SHERLOCK HOLMES (2009) de Guy Ritchie

 

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SHERLOCK HOLMES: JOGO DE SOMBRAS (2011) de Guy Ritchie

 

O trabalho do lendário Dante Ferretti em Sweeney Todd haveria de roubar o Óscar a Sarah Greenwood e a Expiação, mas não demorou muito para que Greenwood estivesse novamente no Dolby Theatre. Depois do glamour de Londres durante o auge popular da arte deco em Viver Num Só Dia e do colorido submundo de Los Angeles em O Solista (outro filme de Joe Wright), Greenwood teve direito a trabalhar na sua primeira grande produção de Hollywood. Em Sherlock Holmes de Guy Ritchie, os cenários híper detalhados de Greenwood começaram a afastar-se do naturalismo do início da sua carreira para irem na direção de um dramatismo exagerado, meio grotesco, meio visceral e perfeitamente espetacular. Desta fantasia vitoriana resultou mais uma indicação fracassada para o Óscar – desta vez perdeu para Avatar – e também uma nova visão da cenografia moderna pois foi a primeira vez que Greenwood teve de trabalhar extensamente na criação de cenários digitais para certas partes do filme. Ritchie certamente gostou dos resultados pois convidou Greenwood a colaborar também na sequela estreada em 2011.

 

sarah greenwood hanna

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HANNA (2011) de Joe Wright

 

Entre as produções sobre as aventuras do detetive mais famoso da literatura inglesa, Sarah Greenwood participou noutro filme de Joe Wright, desta vez sem quaisquer noções de naturalismo histórico ou antropológico. Apesar de se passar numa realidade semelhante à nossa, Hanna é, na sua essência, um conto-de-fadas perverso transplantado do passado folclórico para algo semelhante à nossa contemporaneidade. Por muito magníficos que sejam os seus trabalhos de época e fantasia, esta peculiar criação poderá bem ser o melhor trabalho de Greenwood que, entre outras façanhas, concebeu a cabana delapidada em que a protagonista vive no início do filme e modificou um parque de diversões alemão há muito deixado ao abandono e tornou-o num verdadeiro inferno na Terra, completado com uma entrada de túnel que emula as mandíbulas de um lobo e de onde a vilã do filme emerge, qual Lobo Mau em busca da sua presa inocente.

 

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ANNA KARENINA (2012) de Joe Wright

 

A mais recente nomeação fracassada (Lincoln ganhou) para o Óscar conquistada por Sarah Greenwood veio com Anna Karenina, a sua última colaboração com Joe Wright até à data. A história deste projeto é fascinante, sendo que, numa fase muito inicial, todos estavam a abordar esta adaptação literária como apenas mais um filme de época convencional. Só que rapidamente se aperceberam que o orçamento que tinham tornava impossível a construção dos mais de 100 cenários necessários para o argumento escrito por Tom Stoppard e então o realizador teve uma ideia que viria a mudar todo o projeto e o trabalho de Greenwood. De uma adaptação realista, este Anna Karenina tornou-se numa visão super estilizada da trama original, passada quase única e exclusivamente no interior de um teatro delapidado e em constante evolução espacial. O resultado final é um festim visual de proporções orgásticas que usa as codificações latentes ao espaço teatral e bastidores para contar a história da heroína mais famosa de Tolstoi como nunca havia sido feito anteriormente.

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A BELA E O MONSTRO (2017) de Bill Condon

 

Depois de Karenina, Greenwood ainda começou a trabalhar em A Lenda de Tarzan, mas acabou por ser substituída por Stuart Craig, e apenas fez um drama de espionagem contemporâneo em 2016 chamado Um Traidor dos Nossos. Este ano, contudo, os cenários de Sarah Greenwood estão de volta aos cinemas mundiais num nível de exagero e ostentação inéditos. Referimo-nos à nova versão de A Bela e o Monstro, para onde Greenwood foi buscar inspiração à arquitetura Barroca e Rococó de França, Alemanha e até Portugal para construir um mundo entre a fantasia romântica e a realidade histórica. Sem limites orçamentais à vista, Greenwood concebeu uma visão de um exagero tão grande que o resultado caminha na corda bamba entre o belo e o grotesco, mas uma coisa é certa, é difícil ficarmos indiferentes aos seus esforços.

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Um cenário que deu imensas dores de cabeça à cenógrafa terá mesmo sido o salão de baile inspirado no esplendor de Versalhes. Ao todo, Greenwood concebeu cinco versões diferentes do cenário que vaio assim evoluindo ao longo do filme, desde o prólogo agressivamente luxuoso, passando pelas ruínas causadas pela maldição, os esforços de reparação de Belle, a maravilha da dança entre os protagonistas e, finalmente, a luminosidade do final feliz. É bem possível que tais façanhas venham a garantir mais uma nomeação para o Óscar mas ainda nada é certo e, para Greenwood, esse reconhecimento não parece ser assim tão importante. Afinal, ela está no topo do seu ramo, a trabalhar para um dos maiores estúdios de Hollywood e bem longe do mundo do teatro que ela, ainda hoje em dia rejeita como um possível caminho da sua carreira.

 

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A BELA E O MONSTRO (2017) de Bill Condon

 

Pensas que é A Bela e o Monstro que vai finalmente valer a Sarah Greenwood um Óscar?

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