Benjamin Clementine - © MHD – Margarida Ribeiro

SBSR 2018: The xx e Benjamin Clementine são o oásis num festival com falta de identidade

Pode parecer uma avaliação iníqua (e, de certa forma, redutora), mas a edição de 2018 do Super Bock Super Rock quase que poderia ser sumarizada pelo angustiante concerto que encerrou a última noite na Altice Arena. Um festival acidentado e que teve em Benjamin Clementine e nos The xx raros momentos de magia.

Julian Casablancas e os The Voidz (a sua segunda criação que esconde a utopia do regresso dos The Strokes) apresentavam o competente álbum editado no ano passado, “Virtue”, de onde se extraem canções de rock psicadélico como “QYURRYUS” ou de um pop mais luminoso (e até próximo do registo dos The Strokes) em “Leave It In My Dreams”. Ninguém estaria, no entanto, preparado para a insolência de Casablancas e da sua banda e, muito menos, para a incompetência da engenharia sonora em que o espetáculo esteve envolvido, neste que era o concerto de encerramento do SBSR na Altice Arena.

O som que se ouviu ao longo de três dias de Super Bock Super Rock nunca foi bom, aspecto que é verdadeiramente inadmissível num evento deste calibre. Seja no Palco EDP montado abaixo da pala do Pavilhão de Portugal (cuja acústica prejudicou, sobretudo, os concertos de Parcels no primeiro dia e de Sevdaliza no último dia), ou no micro-palco LG, onde Luís Severo vira a sua voz ser engolida pelos instrumentos, quase nada soou limpo de ruídos e reverbs tormentosos (quanto à vergonhosa envolvência sonora da Altice Arena, reservamo-nos no direito de não tecer mais comentários negativos sob pena de entediar o leitor).

Nesse inenarrável concerto dos The Voidz, para se ter noção (algo que Casablancas parece não ter quanto atira “eu engulo no primeiro encontro” a meio do seu set), o som era pior que qualquer arraial de aldeia que vá existir por esse país fora durante este Verão. Frustrantemente, os The Voidz acabam por sintetizar tudo aquilo que o Super Bock Super Rock 2018 teve de negativo ao longo de três dias: cabeças de cartaz incapazes de movimentar multidões, som estridente, concertos atrasados, debandada geral e uma atroz desarmonia do cartaz e das bandas que o compõem (como é que o rap de Stormzy, a magia de Benjamin Clementine e o barulho insuportável dos The Voidz se reuniram no mesmo palco no último dia?).

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Julian Casablancas + The Voidz – © MHD – Margarida Ribeiro

O que Casablancas e os seus muchachos executaram em palco nunca soou minimamente semelhante ao trabalho produzido em estúdio (menos rock ‘n roll psicadélico e mais ruído patético que foi inclusivamente prejudicial para a saúde da plateia). Como tal, poucos foram os resistentes a permanecer numa Altice Arena que foi ficando progressivamente mais vazia, até só sobrarem poucas centenas de fãs que, por esta altura, podem estar a sofrer de problemas auditivos que só se justificam – suspeitamos nós – pela ingénua expectativa de ouvir um pouco do registo musical dos The Strokes (que acabou por chegar num encore que ninguém pediu com “I’ll Try Anything Once”).

Depois do acontecimento “Casablancas” que, segundo reza a lenda, foi registado na escala de Richter em Vieira do Minho, seguiu-se a justaposição do duo nova-iorquino Sophie Hawley-Weld e Tucker Halpern em SOFI TUKKER, cujo house/pop (parcialmente cantado num impecável português do Brasil) acabaria por atenuar os efeitos nefastos do terramoto The Voidz. Nessa altura, já o recinto no Parque das Nações estava excessivamente vazio. Tão vazio que é difícil de acreditar nos números avançados pela organização para este último dia: 17 mil pessoas. Um número surpreendentemente superior ao registado no primeiro dia (16 mil pessoas) e aquém dos 20 mil que estiveram no segundo dia, o mais concorrido desta edição do Super Bock Super Rock.

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Há dúvidas sobre esses números porque no concerto que movimentou mais pessoas nesse terceiro dia – o de Benjamin Clementine – a Altice Arena tinha apenas meia lotação cheia. Benjamin foi, aliás, uma pérola encontrada num oceano poluído. Na sua 15ª passagem por Portugal (recorde-se que a primeira foi há 3 anos neste mesmo festival, no palco secundário), o músico britânico, vencedor de um Mercury Prize em 2015, apresentou um espetáculo mais focado no seu último trabalho discográfico, o experimental e disruptivo “I Tell a Fly”, onde Benjamin Clementine fala sobre a visão que tem sobre o mundo que o rodeia, debruçando-se sobre a Europa em crise social e humanitária, e deixando de lado a natureza autobiográfica presente no poderio lírico que é “At Least For Now”. Ao vivo, as novas canções não são tão poderosas quanto aquelas extraídas do seu primeiro disco, mas isso deve-se sobretudo à forte índole poética das suas primeiras composições que narravam, na primeira pessoa, e de forma emocionante, a sua vida trágica: de sem abrigo a cantar no metro de Paris até à revelação no programa televisivo “Later… with Joold Holland”, onde cantou “Cornerstone” (tema ausente da setlist no Super Bock Super Rock).

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Benjamin Clementine – © MHD – Margarida Ribeiro

O affair que Benjamin tem com o público português é um caso de estudo no panorama musical. Raramente um artista internacional se sente tão confortável a cantar num país estranho e, por inerência, são raras as vezes em que um músico é tão bem recebido por cá. No Super Bock Super Rock, confirmou-se que esta relação de amor, com três anos de duração, parece não ter fim à vista. Benjamin cantou para Portugal como se fosse a primeira vez e Portugal amou-o como sempre o amou. Em “I Won’t Complain”, chamou a “a mais elegante, mais bonita e mais autêntica das vozes”, Ana Moura, para cantar, em dueto, essa ode à esperança que pode subsistir neste poço profundo que chamamos de vida. A alma de Benjamin grita e a nossa chora copiosamente de emoção. Provavelmente o melhor momento de toda a edição do Super Bock Super Rock. Há ainda tempo para revisitar outros ‘clássicos’ como “London” e “Nemesis” (a canção que, segundo ele, o trouxe a esteve SBSR, dado que foi utilizada no anúncio publicitário da Super Bock), mas é com “Condolocence” e “Adios” que a harmonia com o público atinge níveis incomensuráveis. Em “Condolocence”, dedicado a “uma senhora que morreu de cancro”, refuta quaisquer receios (‘Am sending my condolence / Am sending my condolence to fear / Am sending my condolence / Am sending my condolence to insecurities”) e em “Adios” assume todos os riscos e as suas consequências (The decision was mine / The decision was mine / So let the lesson be mine / Let the lesson be mine / The decision was hard / The decision was hard / But the vision is mine / The vision is mine”). Das canções de “I Tell a Fly”, há mais espaço para experimentalismo, mais instrumentos musicais em palco e há canções entoadas a capella mas, diga-se, apenas “Jupiter”, porventura a maior canção do seu novo álbum, é que ultrapassará o teste do tempo. “Eu vou-me lembrar de Portugal para sempre.”: é a mensagem que aparece no ecrã do palco da Altice Arena no final do concerto. E Portugal (ou os poucos portugueses que ali estavam), nunca o vai esquecer também.

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Ana Moura com Benjamin Clementine – © MHD – Margarida Ribeiro

 

(na segunda página, poderá ver a análise ao segundo dia do SBSR)




Super Bock Super Hip Hop ao segundo dia

Ao segundo dia, o Super Bock Super Rock registou a maior afluência. Se existir alguma identidade musical nesta versão do SBSR pós-Meco, essa existiria apenas no já instituído dia dedicado ao hip hop. Foi assim com Kendrick Lamar há dois anos (o melhor concerto da vida da pessoa que vos escreve), e também o foi no ano passado com Future, Slow J, Pusha T e Língua Franca (se bem que com um ‘alien’ no meio de nome London Grammar).

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Slow J – © MHD – Margarida Ribeiro

Slow J acabou por ser um repetente nesta edição, mas transitando do palco secundário para abrir o palco principal numa Altice Arena muito bem composta. Carlão e Richie Campbell foram convidados especiais, sendo que o último viajou com o próprio Slow J para Gaia dado que, no mesmo dia, atuaram também no MEO Marés Vivas. Uma noite de consagração para Slow J, um artista em franco crescimento que concretizara, naquele palco, o “sonho” de cantar com Carlão ao vivo. Carlão esse que, também naquele dia, era aniversariante mas disse estar “muito contente” por estar ali presente a celebrar o momento de Slow J, “um gajo talentoso da tuga”.

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Anderson .Paak & the Free Nationals – © MHD – Margarida Ribeiro

É claro que a acústica da Altice Arena foi provocando estragos no concerto de Slow J. Estragos esses que se agudizaram numa competente, embora não memorável, estreia de Anderson .Paak em Portugal. Pior, só mesmo no inacreditável autotune e a voz distorcida de Travis Scott, que fez encher o antigo Pavilhão Atlântico. Travis movimenta a plateia a seu bel-prazer, e isso é deveras impressionante quando se observa um mar de gente a saltar em sincronia perfeita nas primeiras filas, mas um cabeça de cartaz tem de ser mais do que uma voz distorcida escondida atrás de um volume estridente numa noite emprestada desse festival com sede na Herdade da Casa Branca.

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Luís Severo – © MHD – Margarida Ribeiro

Antes do hip hop, era Luís Severo que abrilhantava uma noite fria no Palco LG. No entanto, o grande paradigma deste Super Bock Super Rock emergiu de novo e Severo esteve a tocar para um público reduzido, num espaço limitado e num palco quiçá mais pequeno que a sua sala de estar. Não é de estranhar que, como consequência, a afinidade criada com o público não tenha sido tão grande quanto aquela vivida no NOS Primavera Sound à chuva. Ainda assim, se há ali música capaz de nos colocar a flutuar, só pode ser a música de Severo – mais um alien no meio do hip hop; um caso que sedimenta esta edição do SBSR como uma salganhada de artistas de estilos díspares e que retira identidade ao festival.

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Tom Misch
Tom Misch – © MHD – Margarida Ribeiro

A surpresa – e salvação – do dia estava reservada para um escape que fizemos a meio do set de Anderson .Paak para assistir à estreia de Tom Misch em Portugal no Placo EDP. O inglês tem apenas 22 anos mas o seu “Geography”, disco de estreia, confere-lhe já uma identidade muito própria, numa combinação única de sonoridades jazz e eletrónica que levaram o público a dançar como ainda não se tinha visto naquele dia. O alinhamento foi curto (“Lost in Paris” não se ouviu), mas houve felizmente espaço para um delicioso cover instrumental de “Isn’t She Lovely” de Stevie Wonder. Foi um excelente aperitivo para uma refeição a ser servida mais tarde, de preferência em nome próprio.

(na última página, analisamos o primeiro dia de SBSR)




O melhor dia foi o dia com mais atrasos

Rebobinando a cassete até ao dia de abertura – onde estávamos longe de imaginar o que se seguiria nos dias subsequentes – os Temples davam o primeiro bom concerto no Palco EDP. “Sabes como há aquelas canções que se tornam canções de futebol, onde toda a gente se põe a “drlrdrlrdrlr” [cantando]? O engraçado é que acabou na realidade por se tornar isso e as pessoas de facto cantam “drlrdrlrdrlr” [entoando a melodia], e cantam a coisa toda, mas é divertido, é ótimo”, contou James Bagshaw, vocalista dos Temples, à Magazine.HD. E assim foi. Os temas mais celebrados como “Certainty” ou “Strange or Be Forgotten” soam “bastante pop e apelativos”, tal como Tom nos confidenciou, mas existe no estilo dos Temples uma veia de anos 60 que é indissociável de um rock mais psicadélico e que é, possivelmente, não tão apelativo para o público que ali compareceu.

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Temples © MHD – Margarida Ribeiro

Essa veia psicadélica acabou por ser ligeiramente continuada com a presença dos The Vaccines no mesmo palco, horas mais tarde. Se bem que, no caso dos The Vaccines, estamos mais a falar de um punk/garage rock com os tais efeitos psicadélicos, riffs de guitarras e composições exuberantes. Os Vaccines completavam uma trilogia de concertos no Super Bock Super Rock (depois de lá terem passado em 2011 e 2015, sempre no mesmo ano em que lançaram um novo álbum – exceção feita ao caso de “Come of Age”, de 2012), apresentando desta vez “Combat Sports”, o seu álbum de redenção e rejuvenescimento. Arrancaram com “Nightclub” (o tema mais ruidoso do seu novo álbum), e foram cosendo a setlist de forma milagrosamente coesa com temas dos quatro discos já editados (do malogrado “English Graffiti”, só se ouviu o seu melhor tema, “Handsome”). A euforia era contagiante nas primeiras filas (as letras estavam impecavelmente estudadas pela plateia) e a cadência de temas era tal que banda britânica mal oferecia espaço para respirar. “Teenage Icon”, “Wetsuit”, “Post Break-Up Sex” e o “All in White” foram canções celebradas como se os The xx não estivessem prestes a entrar na Altice Arena. “Combat Sports” representa um back-to-basics para os The Vaccines, no melhor sentido da expressão, e o álbum ganha ainda mais vida ao vivo (veja-se o exemplo da extasiante “Your Love Is My Favourite Band”), tornando-se muito provavelmente no melhor trabalho discográfico da banda, que regressa a este SBSR com atitude e propósitos renovados. No fim de contas, tudo se resume naquela pergunta que dá nome ao seu disco de estreia: “What Did You Expect from the Vaccines?”. Tudo o que ali aconteceu e muito mais.

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The Vaccines © MHD – Margarida Ribeiro

Ao afastarmo-nos da pala do Pavilhão de Portugal em direção à Altice Arena (enquanto tocava a irónica “Take It Easy” – “That’s the problem with people like me / Why make it hard when you could make it easy?”), deparamo-nos com uma situação da qual não estávamos conscientes: a escassez de pessoas a assistir àquele concerto. A culpa não será certamente dos The Vaccines, que já atuaram na Altice Arena há três anos atrás e que foram agora despromovidos para o palco secundário, mas é um aspecto que deve motivar uma reflexão profunda da organização: porquê sobrepor The Vaccines e The XX, bandas com público em comum, num festival com um cartaz tão pobre?

Chegados à Altice Arena (muito longe da lotação esgotada), constatamos que ainda íamos a tempo de ver o Jamie, Romy e Oliver a entrar no palco e a arrancar o seu set com “Dangerous”, extraído do seu último álbum “I See You”. No dia anterior, a organização comunicava que o concerto dos The xx iria começar uma hora mais tarde do que o previsto, mas na realidade as coisas foram diferentes: viria a começar ainda mais tarde, o que condicionou de forma decisiva a preparação do palco que de seguida iria receber os Justice.

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The xx© MHD – Margarida Ribeiro

Quanto aos The xx, que maduros que eles estão! Da setlist que apresentaram no ano passado no NOS Alive para 55 mil pessoas, excluíram “Chained”, “A Violent Noise”, “Brave for You” e adicionaram “Sunset”, o que torna o alinhamento apresentado no SBSR formalmente semelhante ao que trouxeram a terras lusas em 2017, mas embebido numa atmosfera emocional díspar e envolvência cénica especial. Era o último concerto da tour europeia e o cenário era impactante: no palco, emergiam painéis LED montados em V, como se os The xx nos tivessem a dizer que agora eram um livro aberto, que “nos viam” (Romy acabou por materializá-lo em palavras, perto do fim). As projeções nos ecrãs pareciam saídas de um cenário retro futurista, a preto e branco, utilizando negativos e efeitos visuais – acessórios que os afastam daquela aura minimalista e íntima que outrora vieram a mostrar.

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Mas os The xx continuam a ser os The xx. A única diferença é que agora parecem estar mais confiantes e seguros do estatuto que conquistaram e do poder lírico e melódico das suas canções. É nessa robusta afirmação que Jamie xx se torna cada vez mais no cérebro do grupo, ficando isso particularmente claro quando ele toma as rédeas do alinhamento, desde “Shelter” até “Intro”, passando por “Loud Places” e da remistura irrepreensível de “On Hold”, acompanhada de jogos de luzes hipnotizantes. Antes dessa travessia de Jamie xx pelo EDM, Romy e Oliver cantavam um delicado “I Dare You”, aqui apresentado numa versão arrepiante em uníssono. De seguida, Romy assumia o controlo da sua voz na canção que, para ela, é sempre especial: “Performance”. Mais perto do fim, foi a vez de Oliver endereçar “Fiction” à comunidade LGBTQ+. Pelo meio, houve ainda “Crystalised” e “VCR” dois dos temas mais bem recebidos pelo público, ambos do álbum homónimo de estreia. O concerto havia de encerrar de forma surpreendente, com um tema menos expansivo como é “Angels”, e com uma emotiva dedicatória a um novo membro da família de Romy.

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The xx © MHD – Margarida Ribeiro

Comparativamente ao concerto do NOS Alive, esta nova incursão dos The xx pelo solo luso trouxe poucos elementos que se traduziram em novidades, mas acabou por servir para fortalecer essa já sólida e emocional relação que têm com Portugal.

Na mesma nota, apareceram os Justice, duo francês de eletrónica que já havia estado em 2017 no NOS Primavera Sound, mas que na Altice Arena apresentou um espetáculo francamente superior, sobretudo em termos cénicos – as luzes em plataformas móveis eram um convite irrecusável para danças imparáveis. Os Justice encerravam o primeiro dia do SBSR numa noite marcada por atrasos no início dos concertos (na Altice Arena, este último concerto só começou pelas 1h45, provocando a debandada de quem trabalhava no dia seguinte) mas que, no fim de contas e feito o devido balanço, acabou por ser a mais memorável das três noites num Super Bock Super Rock que, entre diversos problemas de crescimento, acaba por carecer de algo fundamental para um evento desta natureza: identidade. Uma revitalização urgente é necessária (e, nesse âmbito, os The Vaccines são experts e talvez tenham o remédio certo!).

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