The Hunger Games: Os Jogos da Fome – Blu-Ray em análise

Título original: The Hunger Games

Realizador: Gary Ross

Atores: Jennifer Lawrence, Josh Hutcherson, Liam Hemsworth, Stanley Tucci, Elizabeth Banks

Prisvideo | 2012 | 2.35:1 | DTS-HD Master Audio 7.1 | 136 min

Classificação:

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O Filme

Num futuro não muito distante, os E.U.A. sucumbiram a secas, guerras, fogos e fome, e deram lugar a Panem, uma nação dividida em 12 Distritos governados pelo Capitólio, uma espécie de Cidade de Oz “on crack”, populada por Marie Antoinette’s wannabes que assaltaram uma coleção de Alexander McQueen. Para entretenimento da “nobreza” e lembrança da situação de submissão dos fracos, todos os anos se realiza uma competição onde dois representantes de cada distrito se enfrentam até à morte numa arena vigiada por uma produção “à Big Brother”. Estes são os Jogos da Fome.

Buscando muita inspiração no romance japonês “Battle Royale”, Jogos da Fome é uma alegoria ao totalitarismo e à cultura da reality tv que se diferencia dos seus “concorrentes” diretos (sagas de Harry Potter e Crepúsculo) por se manter no domínio do real – aqui não há super-poderes ou magia, apenas super-tecnologia. Mas esta é também uma história de esperança, de sobrevivência, e de um amor duplamente condenado – afinal, é dirigido à grande massa teen habituada a blockbusters com amores difíceis.

Mas a verdade é que, mesmo dentro do universo jovem a quem manifestamente se dirige, Jogos da Fome é uma saga muito mais complexa do que à primeira vista nos pode parecer. De facto, os temas abordados são de uma emergência extrema, pelo que dedicar-lhes algumas linhas desta análise não só me pareceu correto como imperativo.

Claros como a água são os temas diretos da Pobreza e da Fome que abalam os 12 Distritos governados pelo Capitólio. Estes dois problemas graves que afetam praticamente toda a população do Panem (sim, há distritos mais privilegiados que outros, logo também temos uma estrutura de classes bem visível) nascem da opressão exercida por um Governo que deve muito às políticas ditatoriais que, infelizmente, a história do mundo tão bem conhece. Um dos instrumentos que se vê aqui replicado é a propaganda que tem no vídeo mostrado antes da Ceifa o seu expoente máximo de demonstração, querendo sempre passar a ideia de um Capitólio bem-feitor, que apenas deseja o bem do povo que governa, mas que também funciona como uma forte alfinetada de lembrança do poder totalitário do Governo, e de que todo e qualquer desafio à autoridade será punido.

Guerra é outro dos temas abordados, e intimamente ligado aos referidos no último parágrafo. O sentimento que fica é que paira sempre no ar: seja porque foi a partir dela que os Estados Unidos se reorganizaram nos 12/13 Distritos do Panem, seja porque parece que existe no ar uma tensão eminente, que fará uma nova revolução por parte dos reprimidos rebentar a qualquer momento.

A exploração da “cultura Big Brother” é outro dos temas mais interessantes da saga. Porque cruzar os pensamentos de que civilizações antigas já se divertiram às custas de combates até à morte e a cultura degradante de reality tv que é cada vez mais o pão nosso de cada dia, não nos deixa muito longe daquele que é o centro de Jogos da Fome. Devemos começar a preocupar-nos?

Sustentando todo o enredo temos depois as questões da moralidade – seja relacionada com a decrepitude de toda a envolvência dos jogos, da amoralidade do Capitólio, ou até das decisões complexas de cada tributo durante os Jogos – e da esperança – que reside, com pouca luz é certo, no coração de todos os reprimidos e que ganha nova forma sob a forma de Katniss Everdeen durante dos Jogos.

Depois há, claro, o triângulo amoroso, que é ainda a única razão remotamente concebível para sequer pensar em colocar Crepúsculo e Jogos da Fome na mesma frase, e que é também um dos maiores chamarizes para a massa adolescente. Ainda assim, e esta foi uma boa surpresa, o romance acaba por ter um relevo muito mais secundário no filme do que no livro, o que acaba por se adequar mais à sua situação “fabricada”. De qualquer forma, e da maneira que a cultura televisiva evoluiu, não era de estranhar que o trio acabasse num episódio da Oprah ou do Dr. Phil a tentar resolver as suas diferenças.

O filme divide-se claramente em dois atos: antes e durante os Jogos, e por incrível que pareça, é a primeira parte que surge como a mais cativante e que nos introduz de forma geralmente exemplar ao universo distópico de Suzanne Collins.

Já a segunda metade, que, sublinhamos, não está mal executada, surge como uma secção extremamente segura, e que impede o filme de voar e sobreviver à passagem do tempo, como apenas poucos conseguiram. Jogos da Fome não tentou aproximar-se de um público mais adulto apesar de se ter tentado distanciar do registo mais teen do livro. As opiniões dividir-se-ão, decerto, mas cremos que todos nós e o Cinema teríamos saído destes Jogos mais ricos se Gary Ross, o realizador, tivesse escolhido arriscar mais. A classificação necessária do PG-13 ditou a moderação.

Mas o que este rating fez de mais grave foi eliminar a gravidade inerente ao enredo – o que temos é um filme tímido que surge de um conceito ousado e que transpira terror humano. O grande problema é que, no final de contas, todos saímos da sala aliviados pela vitória do “bem” e satisfeitos com um bom filme, mas completamente impassíveis face a uma chacina de adolescentes, o que não deixa de ser um bocadinho preocupante.

Devemos, ainda assim, dar crédito a Gary Ross por ter pelo menos lançado um bom vislumbre aos vários temas que Collins aborda nos seus livros. The Hunger Games é uma transferência sólida e honrosa do universo literário, e temos de lhe dar o inescapável crédito de ter encontrado a protagonista perfeita – Jennifer Lawrence que nos oferece um upgrade da sua inesquecível Ree em Despojos de Inverno e uma heroína feminina por quem dá realmente gosto torcer.

Na realização, Ross pareceu, em muitas instâncias, um pouco descuidado. A urgência do livro está algo ausente do filme e aqui nem é tanto uma questão de comparação, mas uma questão lógica: estes miúdos não só têm de lutar até à morte como têm de sobreviver às condições da Natureza artificial da arena… e a verdade é que, além das lutas e das duas intervenções directas dos produtores dos Jogos, nunca ninguém parece muito subnutrido, ou desidratado, ou cansado sequer.

O trabalho de câmara e de efeitos visuais também não impressionaram, especialmente tendo em conta o orçamento chorudo da produção.

Apesar de todos os desabafos, não se deixem enganar: às vezes somos picuinhas com filmes não porque não gostámos deles, mas exatamente porque gostámos… talvez apenas não o suficiente porque nos vimos a braços com potencial desperdiçado. Este é um dos casos. Jogos da Fome, tem qualidades imensas e funciona otimamente como filme – sem substituir nunca o livro, existe de forma bastante harmoniosa e explicativa para quem não tiver curiosidade de o ler.

Mas o momento em que o dinheiro trinfou sobre as possibilidades imensas do enredo foi, a nosso ver, uma grande infelicidade. Porque isto não são apenas Jogos, ou romance, ou entretenimento. É, ou neste caso infelizmente, poderia ser, uma experiência humana arrebatadora.

 

O Blu-Ray

A transferência para blu-ray chega-nos num aspect ratio de 2.35:1 e é formidável em todos os sentidos. As cores tanto são vívidas como ténues, de acordo com o setting. As texturas, sombras, contraste e profundidade são da maior qualidade, com raras imperfeições. O detalhe é, talvez, o “best-in-show”, encontrando nos grandes planos a sua maior essência. Algum grão é percetível, mas uma vez que o título foi filmado com Super 35, não é de estranhar acrescendo-lhe, inclusive, algum naturalismo.

Melhor que a imagem, só mesmo o espetáculo de som: a faixa de áudio7.1 DTS-HD M.A. é poderosíssima e rica em detalhes e nuances e apresenta-se munida de diálogo claro, grande utilização de surround, graves portentosos capazes de pôr a sala a tremer e um equilíbrio geral perfeito. Uma experiência envolvente (como poucas na história do blu-ray) bem capaz de nos deixar a hiperventilar nesta corrida pela sobrevivência.

Para quem gosta de mergulhar mais fundo nas obras cinematográficas que explora, o lote de extras nesta edição de Hunger Games é de fazer crescer água na boca.

– “O MUNDO ESTÁ A VER: FILMAR OS JOGOS DA FOME” apresenta-se como um documentário bastante completo (mais de duas horas) sobre a produção de Jogos da Fome, desde a escolha do elenco, até ao desenvolvimento final;

– “A CRIADORA DO JOGO: SUZANNE COLLINS E O FENÓMENO OS JOGOS DA FOME” traz uma curiosa discussão sobre o trabalho de Collins entre a mesma e David Levithan (Scholastic Books);

– ”CARTAS DO JARDIM DAS ROSAS” foca-se em Donald Sutherland e sobre o seu enorme desejo em fazer parte da produção, aquando da primeira leitura do guião; em

– “CONTROLAR OS JOGOS” a câmara foca-se agora no centro de controlo dos jogos – desde o design às tecnologias utilizadas – um elemento introduzido por Ross exclusivamente na versão cinematográfica;

– ”À CONVERSA COM GARY ROSS E ELVIS MITCHELL” coloca à conversa o crítico de cinema Elvis Mitchell e o realizador Gary Ross para discutirem a adaptação de Jogos da Fome ao cinema;

– “FILME DE PROPAGANDA” é o filme de propaganda completo, do qual vemos apenas uma parte no início do filme, durante a colheita;

– “DIÁRIO EM VÍDEO DO TRIBUTO” é uma compilação de vídeos feitos pelos sete principais tributos com câmaras portáteis;

– “HISTÓRIAS DOS TRIBUTOS” junta as melhores histórias nas filmagens dos tributos;

– “OS DUPLOS DE OS JOGOS DA FOME” é uma reflexão sobre o trabalho de duplos e de planeamento de cenas de difícil execução com os atores e equipa técnica de Jogos da Fome;

– “GUARDA-ROUPA DO CAPITÓLIO: O ESTILO DE PANEM” agrupa mais de 15 minutos de entrevistas e clips sobre a criação do guarda-roupa do título;

– “EFEITOS: O TRABALHO VISUAL DE OS JOGOS DA FOME” é um olhar sobre uma série de cenas e o trabalho de efeitos visuais que as mesmas acarretaram;

– “BANQUETE E FOME: CRIAR A COMIDA DE OS JOGOS DA FOME” é uma demonstração de como esta foi uma produção planeada ao mais ínfimo pormenor. Exploramos a comida de Jogos da Fome, desde os banquetes do Capitólio, à comida simples dos Distritos mais pobres.

– “PREPARAÇÃO PARA OS JOGOS: O PROCESSO DO REALIZADOR”

– “NA PASSADEIRA VERMELHA: A ESTREIA DE OS JOGOS DA FOME”

– “GALERIA DE CARTAZES”

– “GALERIA DE FOTOS”

 

VEREDITO

Marcando presença como um dos Grandes filmes do ano, Jogos da Fome tem uma edição vídeo à altura, e que maximiza as suas totais potencialidades. O filme é excitante intelectualmente enquanto não falha em entreter, e toda a experiência é auxiliada pela qualidade geral muito acima da média da edição, que ainda traz uma coleção de extras invejável para os fãs mais acérrimos.

Mesmo num ano onde grandes blockbusters se acotovelam pelo título de “mais desejado”, Jogos da Fome é um valioso e honrado sobrevivente.

 

 

Versões disponíveis: 

The Hunger Games: Jogos da Fome – Edição Especial (2 Blu-Ray | todos os extras + galerias de fotos)

The Hunger Games: Jogos da Fome – Edição Prestígio (3 DVD | todos os extras)

The Hunger Games: Jogos da Fome – Edição Especial (2 DVD | seleção de extras)

The Hunger Games: Jogos da Fome (1 DVD | sem extras )

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