Vasco Pimentel: a entrevista ao EFA português

 

Já estava anunciado há umas semanas, mas a dupla Vasco Pimentel – Miguel Martins, recebeu no sábado passado em Berlim um dos primeiros European Film Awards, este na categoria de Melhor Som Europeu, para o cinema português e pelo seu trabalho em ‘As Mil e Uma Noites, de Miguel Gomes. Encontramos Vasco Pimentel antes da cerimónia e falamos da importância deste prémio.

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MAGAZINE HD: Que representa para si este prémio?

VASCO PIMENTEL: Representa uma vitória de uma linha de trabalho, criatividade e de uma maneira de encarar o cinema, que em Portugal temos vindo a insistir, há muitas décadas. Até fiquei muito admirado que a Academia Europeia de Cinema tenha distinguido justamente um trabalho que é tão pouco académico. É um trabalho continuado que fazemos há muito tempo e que culmina de certo modo em ‘As Mil e Uma Noites’: uma utilização do som em termos, com funções, com maneiras muito próprias de produzir, montar, misturar, que não são as mais convencionais. Por isso fico muito contente por uma Academia, distinguir um trabalho com estas características.

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‘…esta é uma vitória de uma linha de trabalho, que em Portugal temos vindo a insistir, há muitas décadas.’

MHD: Esperava-se mais nomeações e até prémios para ‘As Mil e Uma Noites’?

VP: Está a falar de nós a equipa de produção se esperávamos mais? Nós, não, de todo! Mas digo-lhe o que penso sobre isso. Acho que esta Academia Europeia de Cinema tem que fazer uma coisa que é jogar em dois tabuleiros e é assim irá longe. Por um lado ir vendo a pouco e pouco, se esta atribuição de prémios enfim, tem uma importância ainda maior, de forma a aproximar-se da Academia de Hollywood. Por outro lado manter e premiar a especificidade daquilo que é europeu, menos comercial e convencional. Portanto se calhar um filme como ‘As Mil e Uma Noites’, não pode ainda ser nomeado com o Melhor Filme, mas o Som de ‘As Mil e Uma Noites’, já pode porque tem algo de diferente. Se calhar a Academia, precisa por enquanto de filmes que possam de alguma forma ser comparados com os filmes de Hollywood. E até acho bem, porque isto não é um festival e portanto é bom que a Academia tenha estas duas linhas, para ir conquistando terreno.

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‘Se calhar a Academia, precisa por enquanto de filmes que possam de alguma forma ser comparados com os filmes de Hollywood.’

MHD: O som de ‘As Mil e Uma Noites’ faz parte da narrativa do filme? O Vasco até aparece naquela sequência da fuga e crise criativa do realizador que faz parte do filme?

VP: Devo dizer que com o Miguel Gomes acontecem muitas coisas a pouco e pouco e sem pré-avisos. Portanto essa camada narrativa, adicionada ao filme apareceu tão sem aviso como as outras todas. Com o Miguel é assim estamos sempre à espera de nada ou de tudo. Tudo pode acontecer ou deixar de acontecer. Isso é normal quando se trabalha com o Miguel. Até ao processo de montagem, de mistura de som vai deixando que as várias matérias do filme falem umas com as outras, interajam e criem incentivos umas às outras. O Miguel não parte de uma maneira cronológica, convencional de primeiro escrever, depois filmar e depois montar. Ele estava por exemplo a escrever no fim. Não foi ele que inventou isto, por exemplo o José Álvaro Morais, já trabalhava assim, a Teresa Villaverde também, que é aproveitar muitas coisas que acontecem nas filmagens e não estão no guião. Tudo isto é legitimo e o Miguel leva isto tão longe que parece até existir um desfasamento. Só que esse desfasamento na maneira de fazer um filme acaba por ser integrada no filme. À primeira vista parece exibicionismo da parte dele. Mas não pelo contrário o Miguel é uma pessoa bastante generosa, pois deixa que o espectador partilhe o mesmo processo de dúvidas, que ele como cineasta e a sua equipa foram tendo  ao longo do processo criativo. Não é uma exibição género: eu sou muito bom! É antes uma generosa partilha com todos (publico e técnicos) da aventura de fazer o filme.

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‘…o Miguel deixa que o espectador partilhe das dúvidas, que ele como cineasta e a equipa foram tendo no processo criativo.’

MHD: Ganhar um EFA é tão importante como ganhar um Óscar?

VP: É inacreditável. Para mim, um técnico ou um profissional do cinema português é o máximo que podemos alcançar porque não somos membros da Academia de Hollywood. Portanto é óptimo ter-mos conseguido este prémio. Embora haja o Óscar para Melhor Filme em Língua Estrangeira, (‘As Mil e um Noites’ é o representante português na pré-selecção) não há um prémio especial para as categorias técnicas dos filme estrangeiros. Por isso estou muito contente com este prémio! Um prémio destes para nós, os malucos dos portugueses, acho que é maravilhoso mesmo.

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Vasco Pimentel

É um dos mais consagrados engenheiros e designers de som português. Começou por estudar música no Conservatório Nacional, mas depois passou para Escola Superior de Teatro e Cinema para a área de Som. O seu trabalho nesta área tem variado nas diversas áreas que vão do cinema ao teatro, mas também como compositor de música e artista visual. Desde 1979, que já trabalhou em mais de 130 longas-metragens, vários documentários e curtas-metragens. Tem trabalhado com grandes realizadores como Wim Wenders, Raul Ruiz, Werner Schroeter, Samuel Fuller, Vincent Gallo, Fred Kelemen, Robert Kramer, João Cesar Monteiro, Miguel Gomes, e Teresa Villaverde. Já deu vários workshops de som em instituições como a London Film School, HEAD Geneva (Suíça), Docuperu (Lima, Peru), Jeu de Paume (Paris, França), e na Fundação Calouste Gulbenkian.

JVM, em Berlim.

 

 

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