Veneza 74 (2) | O Monstro da Lagoa

O mexicano Guillermo del Toro trouxe à competição The Shape of Water, uma história que mistura um monstro, fantasia, conspiração e amor, protagonizada pela inglesa Sally Hawkins. O veterano Paul Schrader em ‘First Reformed’ regressou com um thriller psicológico sobre um pastor em crise de fé, interpretado por Ethan Hawk. Em pano de fundo a questão ambiental e o terrorismo.

Numa combinação de A Gata Borralheira com A Bela e o Monstro, o mexicano Guillermo del Toro (Labirinto do Fauno), trouxe ao Lido e à margem da escura Lagoa de Veneza, este The Shape of Water, uma fantasia poética que para além das muitas reminiscências cinéfilas, procura o monstro e o anjo, ou o pior e o melhor que há em cada um de nós.

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Sally Hawkins e uma versão do monstro da lagoa negra.

The Shape of Water situa-se na década de 60, em plena Guerra Fria, dentro de um remoto laboratório de alta-segurança nos EUA, dirigido por um implacável agente (Michael Shannon) e onde a terna e silenciosa Elisa (Sally Hawkins) faz limpezas, com a sua colega Zelda (Octavia Spencer). Uma experiência secreta com uma criatura anfíbia vai mudar para sempre, a vida de Elisa, do seu vizinho (Richard Jenkins) e da sua colega.

VÊ O TRAILER DE ‘THE SHAPE OF WATER’:

Fascinado pelos musicais da MGM, que são uma constante no filme e pelos monstros da Universal e do cinema (Drácula, Frankenstein ou Homem-Lobo) em geral, Guillermo del Toro, dá vida a uma criatura anfíbia curiosamente idêntica à de O Monstro da Lagoa Negra, o filme a preto e branco e em 3D de Jack Arnold, de 1953. The Shape of Water, está na linha dos filmes anteriores do realizador procurando misturar a realidade com a fantasia. Situa-se entre a fábula, o thriller e uma história de amor, com uma forte componente política, que conta a saga deste monstro — com sentimentos e emoções — aprisionado e torturado e da inocente e silenciosa rapariga (Sally Hawkins, brilhante na linguagem gestual) que remete para a actualidade e para a questão da imigração clandestina para os EUA.

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Ethan Hawke e a jovem Amanda Seyfried, o elenco de ‘First Reformed’.

UM MILAGRE DE AMOR

O veterano Paul Schrader — o argumentistas de Taxi Driver — regressou com um poderoso e intrincado First Reformed, um thriller psicológico com Ethan Hawke e a jovem Amanda Seyfried, expresso numa luta com a fé. First Reformed é um filme que se concentra sobretudo na dúvida, com Ethan Hawke na pele de Toller, um pastor de uma pequena igreja de província.

VÊ ‘FIRST REFORMED’, NA 74. MOSTRA DEL CINEMA

Tolher é um ex-capelão militar que está devastado pela perda de seu filho, a quem ele próprio encorajou a alistar-se nas forças armadas e com o fim do seu casamento. Isolado e perdido num forte conflito espiritual, a sua fé fica ainda mais abalada quando a jovem Maria (Amanda Seyfried) e o seu marido Michael (Philip Ettinger), um ambientalista radical, lhe pedem ajuda. Michael é um jovem consumido pelo pensamento de que o mundo está prestes a ser destruído pelos grandes conglomerados empresariais e financeiros, com a cumplicidade da igreja e por isso toma uma decisão radical, que vai afectar o pastor Toller. First Reformed está efectivamente na linha de outros grandes filmes de Schrader quer como argumentistas (Taxi Driver, Touro Enraivecido ou A Última Tentação de Cristo) quer como realizador. (The Canyons, Cães Selvagens ou Confrontação), com personagens atormentadas e um ambiente de tensão.

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Ethan Hawke é Toller um pastor atormentado.

 

O pastor Toller (Ethan Hawke), vai arriscar tudo — como o Travis Bickle em Taxi Driver — na esperança de conseguir recuperar a fé tentando remediar os erros sofridos por tantos pessoas, mas acaba surpreendido por um milagre de amor. Igualmente depois de Downsizing, de Alexander Payne, a questão ambiental voltou à baila, aqui nos filmes da competição neste caso de First Reformed, como as consequências dos danos provocados na natureza e a impotência contra isso, podem ser um fundamento, para uma crise de fé — e não só — de Toller, e que a busca de redenção, passe para a ideia de se tornar um homem-bomba. O que explica muitas das acções desesperadas e muitas vezes avaliadas como de terrorismo islâmico. Trata-se de uma obra extraordinária, depressiva, atormentada, com um grande potencial dramático, que reflecte muito sobre a fé,  sobre a esperança e o desespero, a defesa do ambiente, o terrorismo e a crise da espiritualidade e das religiões.

José Vieira Mendes

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