Veneza 74 (9) | O Fado de ‘Mektoub, My Love: Canto Uno’

É de amor, sexo e crescimento que fala subtilmente ‘Mektoub, My Love: Canto Uno’, do franco-tunisino Abdellatif Kechiche (‘A Vida d’Adèle’), neste seu regresso à competição do Lido de Veneza, dez anos depois do fabuloso ‘O Segredo do Cous Cous’.

 

Mektoub, My Love: Canto Uno
A história do jovem Amin (Shain Boumedine), num regresso de verão às suas origens.

 

Depois da Palma de Ouro 2013 em Cannes com o incendiário A Vida d’Adéle, o realizador franco-tunisino regressou aqui com este Mektoub, My Love: Canto Uno, uma espécie de comédia sexual de verão entre jovens na praia. Mektoub, My Love: Canto Uno é mais um filme excitante de fazer bater o coração, do principio ao fim embora a simples história seja em parte autobiográfica e inspirada no romance La Blessure, la Vraie, de Fraçois Béagaudeu — o escritor de A Turma, que deu filme de Laurent Cantet (2008) e foi Palma de Ouro em Cannes.

 

Mektoub, My Love: Canto Uno
O verão aquece os corpos e nasce a paixão.

 

No verão de 1994, o bem-parecido e jovem Amin (Shain Boumedine), aspirante a argumentista de cinema que vive e estuda medicina em Paris, regressa à sua cidade natal no sul de França para passar umas férias e tentar terminar um guião. Nesse reencontro com a família, amigos e paixões de infância como (Ophélie Bau) e com o agitado primo Tony, vai passando o tempo entre o restaurante tunisino dos pais, o bar, e a praia frequentada por todos, incluindo os veraneantes de férias. Encantado com as raparigas bonitas que o rodeiam, Amin aproveita sobretudo para tirar partido da bela luz da costa mediterrânea, e tirar umas fotos, já que é igualmente fotografo amador. É neste contexto, que o jovem aproveita ainda para fazer uma reflexão sobre o seu futuro como médico ou como argumentista, até lhe chegarem, a nostalgia e os naturais suspiros — de paixão e tesão — própria de um rapaz que saiu da adolescência para a idade adulta. Na verdade, Amin vai confrontar-se com o mektoub (o destino), um sentimento muito semelhante à saudade ou o fado português, que é curiosamente extensivo a todos os povos do sul mediterrânico: presente nessa forte ligação com o mar.

 

Mektoub, My Love: Canto Uno
Está sempre presente essa nostalgia de uma idade perdida e a forte ligação ao mar.

 

Na linha, dos filmes anteriores do realizador — uma obsessão pela comida e pelos traseiros das mulheres — Mektoub, My Love: Canto Uno,  é rodado quase sempre em planos fechados e íntimos marcando os corpos e os rostos dos actores, numa longa crónica de verão que dura exactamente três horas, mas que passam a correr à espera de algo que parece ir acontecer a Amin. Mektoub, My Love: Canto Uno é mais um filme de iniciação — estou a lembrar-me igualmente de A Esquiva — sobretudo atento aos pequenos detalhes e às pequenas situações emocionais, que pouco a pouco enriquecem e dão prazer e vida aos personagens. Curiosamente este filme às vezes até faz lembrar Paulina na Praia, de Eric Rohmer.

Projecto bastante complicado de montar do ponto de vista financeiro — embora vendo-o pareça bastante simples — Mektoub, My Love: Canto Uno, levou Kechiche a ter de vender a sua Palma de Ouro, para pagar as dívidas, e concluir este filme delicioso, quente e jovem como o calor do verão. Uma crónica de juventude que faz passar para o espectador todos esses sentimentos de uma idade perdida.

 

Mektoub, My Love: Canto Uno
A bela Ophélie (Bau) é excitante e sedutora do princípio ao fim.

 

No elenco, de quase todos estreantes além de Shain Boumadine e a bela e excitante Ophélie Bau, destaque ainda para o regresso da jovem Hafsia Herzi, que ganhou o Prémio Revelação aqui em Veneza por O Segredo do Cous Cous.

José Vieira Mendes

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