Veneza 74 (5) I Um Cinema de Idade

Este domingo na competição Veneza 74, foi dia de revistar a terceira idade e as memórias de vida dos personagens de The Leisure Seeker, do italiano Paolo Virzi, de ‘La Villa’, do francês Robert Guédiguian e, de ‘Victoria & Abdul’, do britânico Stephen Frears, este fora do concurso. O talento e a veterania dos actores destes filmes acaba por sobrepor-se a qualquer crítica menos positiva.

Com actores deste calibre não é difícil fazer bons filmes, mesmo com histórias simples e ingénuas, personagens maduros, na terceira idade, e reflexões sobre as memórias e reviravoltas da vida. Estas premissas comuns e universais resumem de certa maneira os filmes apresentados neste domingo na Veneza 74. Quer sejam os dois filmes integrados na competição: The Leisure Seeker, do italiano Paolo Virzi (Loucamente, 2016), e La Villa, do francês Robert Guédiguian (Uma História de Loucura, 2015); quer seja Victoria & Abdul, do britânico Stephen Frears (Florence, Uma Diva Fora de Tom, 2016), apresentado fora da competição.

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Mirren e Sutherland brilham num casal de idosos em férias.

 

Daqui sairão sem dúvida, pelo menos nos filmes em língua inglesa — o de Virzi é o primeiro sem ser na sua língua materna — potenciais candidatos aos Prémios de Interpretação, e como já é habitual filmes que ficarão na linha de partida à corrida aos Óscares, do próximo ano. Curiosamente também apesar das geografias dos lugares e tempos os três filmes acartam as grandes questões que atravessam a nossa sociedade e em especial os idosos: a solidão, a doença, o relacionamento com os filhos, entre outros. Mas não se pense que foi um dia depressivo, pois todos os três filmes como a vida tem bons momentos de diversão.

O CINEMA NÃO TEM IDADE

Começando por The Leisure Seeker ou Ella & John — ainda não se sabe qual vai ser o título utilizado na promoção internacional do filme —, do italiano Paolo Virzi, onde Donald Sutherland e Helen Mirren brilham, qualquer que seja o caminho que pudesse tomar o filme, ao encarnar um casal numa viagem de férias numa auto-caravana ( de nome The Leisure Seeker), pelas estradas a caminho do sul dos EUA. Inspirado no livro do escritor americano Michael Zadoorian, publicado em 2009, The Leisure Seeker é um road movie na linha de Loucamente, que acompanha desta vez as aventuras de um casal de idosos Ella (Mirren) e John (Sutherland) – ela lutando contra um cancro no colon e ele com Alzheimer — pela América e pelos lugares, onde costumavam viajar com os filhos, nos anos 1970.

VÊ O CLIP ‘ THE LEISURE SEEKER ’

E com o objectivo de chegar ao sul para visitar em Key West, a casa de Ernest Hemingway, já que John foi em tempos um reputado professor de literatura, especialista e apaixonado pela obra do escritor. No caminho, ambos vão tropeçar em inconvenientes revelações do passado e questões do presente, como uma manifestação para a eleição de Donald Trump, então candidato republicano à presidência dos EUA.

O PORTINHO DE MARSELHA

Em La Villa, do francês Robert Guédiguian, três irmãos igualmente de meia-idade retornam a uma idílica localidade à beira-mar — faz lembrar o Portinho da Arrábida — uma pequena baia nos arredores de Marselha para passarem uns dias com o pai já moribundo e sem reação. La Villa, é uma avaliação do passado, dos três irmãos Barberini, que cresceram nesse colorido vilarejo piscatório de Méjean, no restaurante do pai e que regressam para perspectivarem o futuro.

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Uma vila de reencontros e anti-globalização.

 

O filme toma ainda uma visão da Europa do sul e da imigração clandestina. Angèle (Ariane Ascaride) é uma atriz de sucesso que vive em Paris, mas não consegue apagar a tragédia que a afastou do lugar onde passou a sua infância e juventude. Joseph (Jean-Pierre Darroussin) é um professor universitário, um intelectual frustrado com o rumo da sociedade, com alma de revolucionário, que e traz consigo a jovem namorada, sua antiga aluna. Armand (Gérard Meylan), o mais velho dos três, é o único que ficou, para cuidar do pai e do restaurante da família, um verdadeiro bastião gastronómico contra a globalização do mercado imobiliário e dos costumes.

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O realizador francês Robert Guédiguian, junta a sua ‘tribo de actores’.

 

A descoberta de três crianças, sobreviventes de um naufrágio de uma embarcação de refugiados nas proximidades, acaba por ligá-los num esforço comum de redenção do passado e de uma renovada alegria de viver.

A RAINHA DENCH

Na mesma linha, foi apresentado fora da competição o drama de época Victoria & Abdul, do realizador britânico Stephen Frears. Protagonizado por Judi Dench e pelo actor indiano Ali Fazal, o filme conta a história da improvável amizade entre a Rainha Vitória, que reinou entre 1819 até a sua morte, em 1901, e um jovem escrivão da Índia, ainda sob o domínio britânico.

VÊ O TRAILER DE ‘VICTORIA & ABDUL’

Em 1887, por altura do jubileu da rainha, um humilde Abdul Karim (Ali Fazal) é enviado ao Palácio de Buckingham em Londres para presentear a irascível Rainha Vitória (Judi Dench), com uma medalha oferecida pelo governo da Índia, então parte do Império Britânico, e acaba caindo nas boas graças da velha monarca, cansada da sua corte, do peso de tanta responsabilidade, protocolo e mordomia. Abdul, um indiano de origem muçulmana, torna-se professor e conselheiro espiritual da Rainha Vitória, dentro da casa real.

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Judi Dench e o jovem actor indiano Ali Fazal.

 

Esta relação entre Abdul e a solitária Rainha Vitória, dá inicio a uma autêntica guerra de poder e intriga dentro do Palácio de Buckingham, com os funcionários e toda a família real praticamente contra a velha rainha, por promover o status do indiano a tão alto nível. Esta incrível e praticamente desconhecida história da amizade da poderosa monarca britânica e do plebeu indiano, remete obviamente para questões como racismo, xenofobia e luta de poder.

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A história de uma amizade (mais que) improvável.

 

Curiosamente só foi conhecida em 2010, quando foram encontrados os diários de Abdul, compilados no livro do escritor Shrabani Basu. Este livro, por sua vez, serviu de referência para Victoria & Abdul, de Stephen Frears, repetindo uma colaboração com Judi Dench, com quem já tinha trabalhado em Philomena, estreado na Mostra de Veneza 2013.

José Vieira Mendes

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