Vergonha – DVD em análise

Título original: Shame

Realizador: Steve McQueen

Atores: Michael Fassbender, Carey Mulligan

ZON | 2012 | 2.35:1 | Dolby Digital 5.1 | 97 min

Classificação:

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O plano de abertura de Vergonha mostra-nos um homem – que vimos a saber chamar-se Brandon – deitado na cama, a fitar o teto sem piscar os olhos, sem mover um músculo. Poderia muito bem estar morto, apesar de lhe notarmos levemente a respiração no peito despido. E na verdade, Brandon está morto, por dentro, vítima da escravidão ao prazer carnal.

O artista plástico Steve McQueen realizou apenas duas longas-metragens na sua ainda curta mas possante carreira. Em ambas explora os dois extremos da experiência humana. Em Fome (2008) explorou a negação do apetite, ao seguir Bobby Sands, o iniciador de uma greve de fome da prisão de Maze na Irlanda do Norte. Vergonha traz-nos o confronto da indulgência cabal sob a forma da história de Brandon, um homem viciado em sexo.

Com trinta e poucos anos, uma vida profissional de sucesso (apesar de não sabermos muito bem baseada em quê, sabemos que rende bem) e um apartamento de luxo em Nova Iorque, Brandon está aparentemente a viver o sonho. Contudo a fachada perfeita esconde uma compulsão possivelmente temerária de todos aqueles com quem se relaciona. Mas numa noite fria, o quotidiano rigidamente planeado de Brandon é posto à prova quando a irmã rebelde Sissy lhe bate à porta.

Vergonha é demasiado cru para ser banal, apesar de o arco da má conduta não ser, nem de perto nem de longe, original. O que o eleva é justamente a abordagem impressionista de McQueen. A intenção do realizador em  manter muitas das suas cartadas na base da sugestão ao invés da soletração é clara – algo raro no Cinema contemporâneo.

A natureza angustiante da situação de Brandon tem um reflexo aterrador nas duas sequências que mostram o seu lado mais sensível e humano. Quando está num encontro com uma colega de trabalho, a relação parece ser a de um casal normal. Há todo um sentido de inocência que os segue até ao quarto de hotel, onde até os preliminares surgem com a estranheza de uma curiosa primeira-vez, culminando no término abruto e sexualmente insatisfatório. O sexo é, para Brandon, meramente funcional, rápido, duro, sujo e anónimo; a gentileza e o afeto são, por isso, enormes entraves ao satisfazer de uma necessidade violenta. Como em qualquer outro vício, o prazer já há muito se foi, ficando apenas a necessidade de alimentar o vício.

A música tem uma utilização excecionalmente poderosa, com a fluidez dos momentos criados pela interpretação de Glenn Gould das composições de Bach. A sordidez da vida de Brandon é descrita na perfeição pelos acordes lentos e orquestrais da banda sonora original de Harry Escot, enquanto a fotografia fria de Sean Bobbitt retira a vitalidade de Nova Iorque, tornando-a uma cidade propensa à coabitação de fantasmas, como Brandon.

Michael Fassbender explora os aspetos mais lúridos e tortuosos da vida de Brandon com uma entrega física e emocional que é, por vezes, quase desconfortável de assistir. Numa performance silenciosamente furiosa, Fassbender é desconcertante. E porque protagonista bem acompanhado vale por dois, Carey Mulligan traz-nos o contraponto perfeito com a dramática, quase teatral, Sissy, naquela que é, talvez, a sua melhor performance desde Uma Outra Educação (2009).

A transferência para DVD faz-se com um aspect ratio de 2.35:1 e uma imagem predominantemente escura (concordante com o esquema de cor geral azul/cinza/negro) mas com bom detalhe e textura. O som, em Dolby Digital 5.1, recria o diálogo de forma limpa, incorporando-o sempre bem com os restantes efeitos e composições musicais. Esta versão surge sem qualquer extra.

É difícil não cair no facilitismo de descrever Vergonha como “um filme que não é para toda a gente”. É negro, brutal e faz-nos revisitar e examinar partes da nossa própria psique que talvez não estejamos preparados para escarafunchar. Mas devemos sempre lembrar-nos que não é dos filmes fáceis que reza a história.