A Essência do Amor, em análise

 

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  • Título Original: To the Wonder
  • Realizador:  Terrence Malick
  • Elenco: Ben Affleck, Olga Kurylenko, Rachel McAdams, Javier Bardem
  • ZON | 2013 | Romance/Drama | 112 min

Classificação:

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No sentido mais redutor do termo, poder-se-ia referir “A Essência do Amor” como uma sequela. Não no sentido lato desse conceito, mas a nova obra de Terrence Malick é passível de ser encarada como um seguimento quanto à forma, quanto à abordagem e, em certa medida, quanto ao conteúdo de “A Árvore da Vida”.

Em “A Árvore da Vida”, o realizador Texano, partindo de uma visão geral do mundo e da sua criação, observava o interior de uma família abalada por problemáticas diversas. Esta foi a sua reflexão metafísica sobre a origem das coisas, sobre a vida, sobre Deus, sobre o amor.

Em “A Essência do Amor”, é notório que o cosmos onde Terrence Malick se debruça é mais reduzido, não havendo uma abrangência tão grande de temáticas, nem uma subjetividade tão evidente. Apesar de tocar ainda em questões levantadas no seu trabalho anterior, agora o seu verdadeiro propósito é compreender o que é esse “amor que nos ama”.A-Essencia-do-Amor

 

E para contextualizar o seu deambulismo ontológico, Malick apresenta-nos quatro personagens. Marina (Olga Kurylenko) é uma mãe divorciada que conhece e se apaixona por Neil (Ben Affleck), um americano viajado pela Europa, em plena Paris. O amor conduz ambos numa viagem ao Mont St. Michel, abadia da ilha ao largo da costa da Normandia, onde procuram o “rumo da maravilha” para o amor que acabara de florescer. Neil leva Marina e a sua filha para Oklahoma, onde lhes espera uma nova vida na América pacata.

Terrence Malick não pretende descrever a “maravilha” que é o amor, preferindo explicar o rumo tumultuoso que conduz o ser humano a essa “maravilha”. E, sendo assim, o relacionamento do casal vai esfriando com o passar do tempo, devido a uma certa resistência de Neil em consumar o casamento. Marina encontra consolo na companhia de um padre católico, Quintana (Javier Bardem), que passa por uma profunda crise de fé. Mas o destino de Marina volta a ser Paris com a separação. E Neil descobre que em Jane (Rachel McAdams) reside uma antiga chama amorosa da sua cidade natal que se reacendeu.

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Com construções frásicas bastante sucintas e com recorrência à adjetivação e recursos estilísticos da linguagem, a grande maioria do texto do argumento é proferido quase sempre sem o uso dos diálogos, sendo revelado em voz off.  Malick pretende criar um ambiente lírico (numa aproximação formal a “A Árvore da Vida”) que apela mais à retórica do espetador, do que propriamente à capacidade de compreensão do mesmo. “A Essência do Amor” é mais um teatro lírico do que uma narração sólida de uma história.

Apoiando-se nas leis da retórica, Terrence Malick constrói o seu poema com questões que dominam o pensamento humano: o que é o amor? Será o amor um sentimento capaz de superar a dor e a perda? De que forma a fé e o amor estão correlacionados?A-Essencia-do-Amor-5

 

Malick complementa a linguagem verbal com alguma linguagem corporal, quase sempre centrada na hipnótica prestação de Olga Kurylenko. A sua câmara tricotada (com sucessivos recortes, algo que se pode tornar enfadonho), fluida e dinâmica segue em círculos Olga Kurylenko, que revela ser a presença mais forte do elenco. E tal como Kurylenko, também McAdams é uma das musas da câmara bela de Malick. Pedia-se mais tempo de antena para Rachel McAdams.

Ben Affleck, não convence tanto num personagem distante de sentimentalismos, muito por culpa da quase inexistência de linhas de diálogo do seu personagem. Quanto a Javier Bardem, sente-se que está um pouco desamparado do contexto da obra. A sua personagem parece adicionada forçadamente, estando distante da história central. Percebe-se a ideia de Malick em fazer um paralelismo entre as crises de fé e as crises de amor (ou a fé não fosse uma das formas de amar), mas não nos parece que essa associação tenha sido eficaz. As personagens masculinas não saem também beneficiadas por alguma persistência de Terrence Malick nas repetições do conteúdo, algo que se acentua perto do final.A-Essencia-do-Amor-4

 

Tecnicamente, as qualidades são vastíssimas. Desde logo começando na fotografia de Emmanuel Lubezki, que já havia dado cartas do seu valor em “A Árvore da Vida”. Não só pela sua beleza evidente que capta, com uma aura divina, os cenários fascinantes, mas também pelo seu simbolismo. É irónico que a cidade Luz, Paris, seja retratada com cores mais pálidas e sombrias do que a quente e reluzente pradaria americana. Também a banda sonora celestial Hanan Townshend, embora por vezes excessivamente repetitiva, ajuda a compor a beleza de “A Essência do Amor”.

Não estamos na presença de uma dos mais hábeis trabalhos de Terrence Malick, mas dependendo da forma como abrimos o espírito para a temática que ela aborda, poderemos sair mais ou menos satisfeitos da sala de cinema.A-Essencia-do-Amor-2

 

O que há de especial no Cinema de Terrence Malick é a mesma propriedade que diferencia o texto lírico do texto narrativo. Essa particularidade que nos permite admirar a essência de uma obra em formato textual, mesmo que ela não nos conte uma história com princípio, meio e fim, e que define a capacidade humana de contemplar a arte nas suas mais variadas formas. Malick, mais do que um contador de histórias, é um sólido poeta. E se somos capazes de absorver na plenitude um poema e admirar a sua beleza e musicalidade, por que razão o Cinema haveria de ser diferente da Literatura?

DR


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