Exodus: Deuses e Reis, em análise

 

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 FICHA TÉCNICA

  • Título Original: Exodus: Gods and Kings
  • Realizador: Ridley Scott
  • Elenco: Christian Bale, Joel Edgerton, Ben Kingsley, Sigourney Weaver
  • Género: Ação, Aventura
  • Big Picture 2 | 2014 | 150 min

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Em, Exodus: Gods and Kings, Ridley Scott traz-nos a adaptação do livro do êxodo, que conta a história de como Moisés libertou os hebreus de uma escravidão que durou 400 anos.

Scott tem passado um mau bocado da sua carreira. Dois dos seus filmes mais recentes estiveram muito aquém das expectativas que foram geradas à sua volta. Prometheus foi um tiro completamente ao lado e o The Counselor… bem, nem vale a pena. Mas Exodus pode significar uma mudança. Este filme tem tudo o que um épico deve ter. O trabalho feito pelo seu realizador, que tem a visão necessária para lhe dar o tratamento que merece, e uma grande história, e o êxodo é uma das melhores para serem contadas. Foi realmente uma surpresa voltar a ver o realizador que fez o Gladiator e Blade Runner, conseguir criar um filme com capacidade de se vir a tornar num clássico.

Para aqueles que não conhecem a história, tudo neste filme vai fazer perfeito sentido, mas para os que a conhecem, há muita coisa que teria funcionado muito melhor se se tivesse mantido fiel ao material. O ponto em que se sente mais isso, é no momento em que Moisés é exilado e a maneira como os acontecimentos são desencadeados para levar a esse desfecho. Encurtar a duração do filme pode estar na origem deste desenrolar pouco convincente, mas num filme com quase três horas, se essa marca fosse mesmo atingida ninguém se iria importar. No entanto, esse distanciamento do material base permitiu a Scott explorá-lo de uma maneira nunca antes vista.

Quando se vai abordar algo que faz parte de uma religião, é preciso ter cuidado com a maneira como as coisas são tratadas, mas Scott não parece ter-se preocupado muito com isso criando uma imagem de Deus própria para o seu filme. Tal como na Bíblia, Deus aparece a Moisés e diz-lhe que tem de regressar ao Egipto para libertar os hebreus. Ao dar a conhecer a Ramsés as suas exigências, este recusa a proposta e Deus começa a lançar uma série de pragas para o intimidar. Enquanto no texto original os hebreus estavam protegidos das pragas, que afetavam apenas os egípcios, aqui elas atingem todos os habitantes do Egipto. Então coloca-se a pergunta: “Será que Deus está mesmo a fazer tudo isto pelos hebreus, ou é por sua causa?” Há mesmo uma altura em que Moisés o enfrenta em relação ao sofrimento que Ele está a infligir ao seu povo, e este revela que tudo o que quer é que os egípcios o respeitem e se ajoelhem perante ele. Por outro lado, será que podemos mesmo dizer que Deus não se preocupava pelos seus crentes? O filme não revela até que ponto o que se ia passando era um ato divino. Scott soube muito bem como virar esta história e no final deixar-nos a reflectir sobre o que vimos.

Visualmente, o filme é deslumbrante. A fotografia, os efeitos, as roupas, os cenários, encaixam todos numa pintura que dá coesão ao produto que nos é apresentado. Ridley Scott fez um trabalho fenomenal na maneira como conseguiu exacerbar a epicidade que os departamentos artísticos do filme foram capazes de criar, principalmente o departamento dos efeitos especiais. Quer seja a onda gigante que se aproxima para os dizimar a todos ou as estátuas e pirâmides do Egipto, o realismo atingido é magnífico. Para além do mais, uma das melhores sequências do filme deve muito ao trabalho que foi feito nesse ramo. As pragas são sem dúvida fenomenais e a maneira como estão apresentadas ajuda no efeito que causa ao público. Mais uma vez, Scott deu uma nova interpretação ao que era considerado um ato divino no texto original. A sequência em que as pragas aparecem tem uma razão de ser. Elas não foram um ato divinatório, mas sim um efeito da natureza animal. A primeira praga foi o que plantou a semente para o que se seguiu. Essa pode ter sido um ato de Deus, mas as restantes são fruto de algo natural.

A escolha do elenco é que tem uns quantos “que” e “se”, que apesar de insignificantes, não fazem muito sentido estarem presentes. O facto de o elenco ser maioritariamente europeu é algo contestado por muitos, já que os egípcios têm feições diferentes dos europeus, mas como no final o resultado é tão bom, essa decisão é desculpada. No entanto, há nomes presentes neste grupo de pessoas que ou não funcionam ou não têm o destaque que o seu nome deveria ter. John Turturro é um grande ator conhecido por fazer principalmente comédias, e quando o põem a interpretar um faraó que é suposto ser sério e respeitado por todos, é um bocado estranho, até porque os que ficam à espera de o ver dizer uma piada vão ficar deveras desiludidos. Depois temos Sigourney Weaver, Ben Kingsley e Aaron Paul, que têm um papel que se resume a duas falas. Kingsley ainda consegue mais algum destaque do que os restantes, mas mesmo assim, são papéis que não exigiam alguém de grande repertório e que se fossem dados a atores que tivessem uma constituição mais egípcia só lhes teria ficado bem.

No entanto, essa polémica criada pela etnia dos atores é esquecida assim que vemos Christian Bale e Joel Edgerton. Bale mais uma vez mostra porque é que é um dos maiores actores do momento. O trabalho que este investe a criar as suas personagens é notável. Moisés não é pêra doce, sofrendo várias mudanças ao longo do filme, começando como um general cheio de riqueza e acabando como um homem que apenas quer fazer o que está correto, mas que para isso terá de fazer parte de coisas terríveis, e Bale consegue representar tudo isso na perfeição. O sofrimento de Moisés passa tão bem pelos olhos de Bale que quando o filme acaba é assustador lembrarmo-nos de que estivemos a ver um ator a fazer uma representação tão verdadeira como se tudo aquilo lhe tivesse acontecido. O mesmo se passou com Edgerton. Se calhar a maquilhagem ajudou, mas ele conseguiu vender a ideia de que poderia ter sido Ramsés noutra vida. Esta personagem que tem umas grandes pisadas para seguir, tem medo da fraqueza que poderá mostrar se libertar os escravos, mas ao mesmo tempo não quer que nada de mal aconteça ao povo do Egipto. Este dilema que a personagem enfrenta ao longo filme é lindamente interpretado pelo seu ator, que também tinha que seguir as grandes pisadas de Bale e conseguir não ficar para trás.

Exodus: Gods and Kings marca o regresso de Ridley Scott, depois do mau bocado que a sua carreira enfrentou. Este novo épico inspirado na história de Moisés, não teme em questionar o seu material base e fazer-nos reflectir sobre um outro lado que nos pode ter sido omitido este tempo todo.

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