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Mata-os Suavemente, em análise

 

Título Original: Killing The SoftlyRealizador: Andrew DominikElenco: Brad Pitt, Ray Liotta, Richard Jenkins, James GandolfiniGénero: Crime, Drama, Thriller

Pris | 2012 | 97 min

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Três espertalhões pouco inteligentes resolvem desmantelar e assaltar um jogo de poker ilegal protegido pela Máfia, causando um colapso na economia criminal local cuja inescapável crise de 2008 já vinha a beliscar.

Ouvem-se os acordes de guitarra e uma voz inconfundível.

There’s a man going around taking names
And he decides who to free and who to blame
Everybody won’t be treated all the same
There’ll be a golden ladder reaching down
When the Man comes around

A música em questão é “The Man Who Comes Around” de Johnny Cash. A lenda musical sublinhou-a como uma das canções mais importantes, ainda que tardias da sua carreira de quase 50 anos. O Homem titular é Jesus Cristo, e entre várias e informadas referências Bíblicas, Cash elabora sobre a sua Segunda Vinda à Terra no fim dos tempos para o Juízo Final.

Um de tantos pormenores maravilhosos que polvilham a fita, faz surgir no referido compasso country o misterioso e carismático Jackie Cogan – o homem contratado para limpar o leite derramado e restaurar a ordem mafiosa em Nova Orleães.

O título, como o filme, é de uma ironia brutal, violenta mesmo. “Mata-os Suavemente” é um delicioso thriller mais criminoso que policial baseado no romance de George V. Higgins, “Cogan’s Trade”. Negro no humor, inteligente no trato, está destinado a tornar-se um clássico do Cinema moderno. Uma espécie de cruzamento entre “Wall Street”, “O Padrinho” e “Tudo Bons Rapazes” que culmina nesta experiência desencantada e desarmante surpreendentemente palavrosa (no bom sentido) cuja verdade cínica promete dançar na mente da audiência depois de deixar a sala de Cinema.

O diálogo primoroso e as caracterizações coloridas são salvaguardados no argumento escrito pelo também realizador Andrew Dominik – que em 2007 nos trouxe o fabuloso western dramático, “O Assassínio de Jesse James pelo Cobarde Robert Ford”. Num elenco de fazer inveja a qualquer ser vivo que deambule pelas ruas de Hollywood, dá-se o merecido destaque a um Brad Pitt na mais elevada e carismática forma.

O paralelismo com pedaço de culto instantâneo, “Drive” (2011), é quase instantâneo: ambos apresentam um retrato chocante da violência, como também partilham um protagonista mecânico e definido pelo seu trabalho, sendo ainda perfeitas representações das estéticas dos realizadores que os apresentam. Mas “Mata-os Suavemente” é um projeto mais cerebral e ambicioso na mensagem. Foi especificamente criado para deixar dolorosas nódoas negras.

Dominik faz uma atualização do background do material de George V. Higgins para retratar uma América moderna sombria a partir de uma justaposição da promessas de esperança, salvação e mudança das presidenciais de 2008, com o estado dilapidado de um país arrasado pela sua economia quebrada. A insistência é, provavelmente, excessiva, com discursos políticos em loop a ocupar grande parte da “banda sonora”, mas a alegoria entre a podridão americana e a máfia dominada pelas empresas.

Em grande parte dos momentos cruciais de “Mata-os Suavemente”, podemos ouvir no fundo de cena um qualquer discurso da corrida que opôs Barack Obama a John McCain e que fez florir uma série de exposições que prometiam mudanças e planos otimistas nos quais todos queriam acreditar, mas poucos o faziam realmente. No filme, ninguém pára o que está a fazer para os ouvir, porque ninguém acredita na ressurreição do sonho americano, ou na possibilidade de fazer a diferença. A emoção é completamente drenada deste microcosmos, e todas as relações – sejam elas quais ou de que tipo forem – são reduzidas a uma transação.

Na América de “Mata-os Suavemente”, não existe uma nação, ou um povo. Tudo é um negócio. O capitalismo está acorrentado ao interesse próprio, e é cada um por si e nenhum por todos. E talvez a mais aterrorizadora constatação seja a de que essa verdade não se confina unicamente aos limites da ficção.

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