Fantasporto 2014 | Haunter, em análise
A fazer lembrar, aqui e ali, um ambiente e estética cronenbergianos, Vincenzo Natali (conhecido por “Cube” e “Splice”) mostra-nos o seu “Haunter”, realização com origem no script de Brian King, revelador de uma história de fantasmas, embora atípica e ao jeito de um “twilight zone concept”. Sim, e uma espécie de adaptação ao horror de “Groundhog Day”, “O Feitiço do Tempo”, de Harold Ramis.
Lisa (Abigail Breslin), adolescente a residir com os pais e o irmão, apresenta-se-nos perfeitamente consciente da sua situação: é nada mais do que um fantasma de alguém que, naquela casa, juntamente com a sua família, já morreu e ali ainda se encontra para salvar outra rapariga na mesma posição. Com perfeito conhecimento desse facto, tenta transmiti-lo aos seus pais, assistindo, ilusoriamente dia após dia (pois trata-se exactamente do mesmo dia), a uma constante repetição dos episódios, das rotinas e dos diálogos ocorridos anteriormente.
Pale Man (Stephen McHattie) é o antagonista desta construção, no decorrer da qual Lisa vai, lenta e sofrivelmente, desatando os nós, de forma a tentar desvendar outras vidas. As reais. Mas sem prejuízo do contributo e poder de um mundo paralelo.
A verdade é que, muito embora o argumento de “Haunter” seja inteligente, atípico e mais lógico do que, considerados os pontos negativos, se poderia esperar, sente-se que V. Natali não desenvolve, pelo menos com o ritmo que lhe competia, o encadeamento dos factos. E, além de não lhes imprimir uma cadência satisfatória, a um pequeno passo até do tédio cinematográfico – bem sabemos que faz parte do relato o repeat de excertos diários, mas Natali, aqui, manifestamente, exagera – o realizador poderia ter, quer aprofundado, quer explanado melhor as suas intenções.
A prestação convincente de Stephen McHattie (actor mais conhecido pela semelhança física com Lance Henriksen – Bishop, de “Aliens”), uma premissa com forte potencial (guião criativo e divergente da maioria das histórias que habitualmente caracterizam este subgénero) e uma envolvência onde prolifera o marco incomparável dos anos 80, não são suficientes para nos prender, por completo – e à imagem de outras presenças no Fantasporto -, ao tormento de Lisa.
A “Haunter” faltam gotas de profundidade, pós mágicos que convidem ao mergulho pleno. À medida que se aproxima do final, vai ganhando densidade, poder de captação, mas permanece com uma ou outra ponta solta e confusa, e gerador de um sentimento de insatisfação.
Prova de que argumentos de ouro e inspirações em génios do bizarro não geram, só por si, obras de arte.
“I’m an optimist; I always hope that each new script is going to be a great story”
Viggo Mortensen
Nem sempre, caro Aragorn. Nem sempre.
Sofia Melo Esteves