Venice Sala Web | King of the Belgians, em análise

Em King of the Belgians, um imaginário rei da Bélgica é forçado a partir numa odisseia pela Europa quando, a meio de uma crise nacional, uma série de inconveniências o deixam retido em Istambul. Tal como todos os filmes presentes no Venice Sala Web, esta obra foi exibida no Festival Internacional de Veneza e está, de momento, disponível no Festival Scope.

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Normalmente, quando se afirma que um filme é muito acessível ou que tem grande apelo populista, estamos a elogiar o trabalho, ou pelo menos a prever um considerável sucesso comercial. Quando tais afirmações se fazem num contexto de festival, as conotações podem, e costumam ser, bastante mais negativas. Isto porque, apegado a tais caracterizações vêm logo comparações com a obra de Hollywood e suas fórmulas, algo que, dependendo do caso, pode tratar-se de uma incomensurável injustiça. Tudo isto para dizer que King of the Belgians é provavelmente o filme mais acessível do Venice Sala Web, sendo aquele que mais parece saído de um estúdio americano e cuja linguagem cinemática está mais distante de quaisquer austeridades artísticas ou experimentalismos estéticos.

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Isso, no entanto, não implica que seja uma obra desprovida de valor. Muito pelo contrário, pelo menos em termos de comédia e divertimento, este filme é um modesto triunfo. Trata-se de um mockumentary sobre um fictício rei belga, Nicolas III, que, aquando de uma viagem diplomática a Istambul se vê num insólito imbróglio. A Valónia declarou independência do resto da Bélgica, uma tempestade solar está a impedir os aviões de poderem voar com segurança e as autoridades da Turquia, que nesta Europa alternativa está no processo de entrada na EU, recusam-se a deixar o monarca sair do país por meios marítimos ou terrestres. A piorar a situação está o facto de Nicolas ser acompanhado por uma equipa reduzida, devido a razões económicas, tendo apenas a ajuda de Ludovic, o seu chefe de protocolo, Louise, a sua assessora de imprensa, Carlos, o criado pessoal, e Duncan Lloyd, um cineasta contratado pelo palácio para filmar um documentário propagandista sobre o rei.

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É esse suposto documentário que constitui o filme que estamos analisar, com o omnipresente voz-off de Lloyd a injetar uma boa dose de ironia (num duvidoso sotaque escocês) ao que é, essencialmente, uma versão belga de Veep, se a série de Armando Iannucci tivesse menos palavrões e a estrutura de um road movie. Tal como na comédia da HBO, a história de King of the Belgians depressa se desdobra numa série de situações absurdas, a começar por uma fuga de Istambul que envolve o rei disfarçar-se de mulher e toda a comitiva real apanhar boleia de uma trupe de cantoras folclóricas búlgaras, chamadas Sereias do Mar Negro.

Com uns toques de sentimentalismo, e ocasional ternura, a se imiscuírem na narrativa paródica do filme, King of the Belgians vai levando o seu hilariante elenco de personagens através de vários países europeus, pintando, pelo caminho, um retrato do continente que traz uma boa dose de seriedade a esta sobremesa cinemática. Aqui, não estamos na presença de nenhuma visão demasiado idealizada da Europa, mas sim de uma sátira que expõe o nosso continente como uma tapeçaria de nações marcadas por dolorosas cicatrizes de traumas passados, que ainda hoje pulsam dolorosamente nas culturas e mentalidades do velho continente. A história nunca está verdadeiramente no passado mas é uma parte íntegra da identidade europeia, apesar de muitas vezes se manifestar em ideologias simplistas, injustas hegemonias e preconceitos corrosivos.

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Para além de tudo isso, o filme funciona ainda como um belo estudo de personagem. Não do rei, há que esclarecer, mas do cineasta que apenas ocasionalmente vislumbramos em frente da câmara. Peter Brosens e Jessica Woodworth, os realizadores de King of the Belgians, fizeram nome como documentaristas e é fácil perceber a sua paixão a transparecer pela personagem de Duncan Lloyd que, apesar de uma atitude jocosa e forçosamente irónica, vibra com a oportunidade de capturar algo mágico, importante ou íntimo com a sua câmara. Os dois corealizadores também espremem muita comédia desta personagem, quer seja na sua atrevida falta de respeito para com os protocolos reais, mostrando a manipulação de imagem que normalmente é retirada deste tipo de documentário, quer seja na sua relação com um ensandecido atirador que Lloyd conheceu durante a Guerra dos Balcãs.

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No final, a execução convencional de King of the Belgians é desinspirada, mas não se trata de nenhuma tragédia. Os grandes problemas do filme são, pelo contrário, responsabilidade do guião, que insiste em injetar uma dose de sacarino desenvolvimento de personagem no rei e um final tão sentimental e estúpido que parece estar em direta contradição com tudo o que até então o filme mostrou sobre o estado atual da Europa. O elenco ainda tenta salvar os desenvolvimentos finais, mas nem o bom trabalho de Peter Van den Begin no papel titular consegue atenuar o travo de amarga mediocridade com que o filme deixa a audiência numa desnecessária entrevista final entre Lloyd e Nicolas.

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O MELHOR: Todas as cenas que incluem As Sereias do Mar Negro, suas divergências criativas, sua música e mesmo um videoclip improvisado.

O PIOR: A entrevista final em voz-off entre o rei e o cineasta, especialmente a sua última resposta cheia de otimismo açucarado e não merecido.


 

Título Original: King of the Belgians
Realizador:  Peter Brosens, Jessica Woodworth
Elenco: Peter Van den Begin, Lucie Debay, Titus De Voogdt, Bruno Georis, Pieter van der Houwen
Festival Scope | Comédia, Drama | 2016 | 94 min

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