©DC Studios

Superman: Um herói “woke” está a irritar os trumpistas e não só

James Gunn fez talvez um Superman woke, sobre bondade, imigração e esperança e isso foi suficiente para um antigo actor e a Fox News declararem guerra cultural ao novo Homem de Aço.

Ai, que chatice com este “Superman” woke . Lá vêm estes tipos outra vez. Sempre que um actor famoso e neste caso um super-herói global abre a boca para dizer algo que não envolva socar robôs ou salvar cheerleaders loiras, há um coro de indignação a ecoar pelos becos sombrios da internet: ‘Está muito woke!’. Desta vez, o alvo é o “Superman”, na nova versão de James Gunn.

Sim, o mesmo homem que transformou um guaxinim e uma árvore num drama emocional com armas e piadas de mau gosto decidiu agora fazer um filme sobre a bondade do…“Superman”. E então? E pronto, foi o fim do mundo. Dean Cain, lembram-se? Aquele da série do “Superman”, (“Lois & Clark: As Novas Aventuras do Super-Homem”).  de gel nos cabelos dos anos 90, que passava na SIC antes da “Floribela” interpretada por Luciana Abreu?

Pois bem, Dean, é um fervoroso trumpista e está furioso. Foi à TMZ (o site de entretenimento Studio Zone ou simplesmente TMZ) lamentar-se como se alguém lhe tivesse roubado a capa e os super-poderes. Disse que Gunn levou o personagem longe demais, que está tudo muito woke e que a própria Branca de Neve da Disney também já não é a mesma. No fundo, que os tempos mudaram e ele não gosta. Mas vamos lá por partes.

Superman
O “Superman” de James Gunn não é o salvador da pátria. ©DC Studios

Superman é… um imigrante? Que horror!

James Gunn disse, com toda a calma: “Superman é uma história de imigração, de bondade, de alguém que vem de fora e tenta fazer o bem.” A reação? Um ataque histérico. Dean Cain, esse bastião da sensatez MAGA, respondeu qualquer coisa como: “Não queremos a América a parecer com a Somália.” Um argumento tão lúcido como usar calções em janeiro.

O novo “Superman” não veio confiscar armas, nem impingir aulas de género nas escolas primárias. Limitou-se a dizer que um ser vindo de outro planeta que tenta proteger os mais frágeis é uma boa metáfora para os ideais americanos. Ou pelo menos para aquilo que a América diz ser, o país das oportunidades, quando está com boa disposição e para aí virada quando se trata defender os ‘valores ocidentais’.

Mas para os profetas da Fox News, isso também é demais. Por exemplo, Jesse Watters, o conservador pivô da Fox, do PrimeTime, esse paladino da estupidez trumpista, disse que o novo Superman ‘luta pela verdade, justiça e pelos seus apelidos preferidos’ na sociedade americana. Porque claro, tudo o que é decente tem de ser imediatamente satirizado por quem tem medo de mudar os lençóis quanto mais de mudar o mundo.

Super-Homem da DC Comics
O “Superman” é ‘woke’ há muitos anos, desde a sua criação. ©Shutterstock AI / Shutterstock (ID: 2514905453)

“Superman” é woke pelo menos desde 1938

Agora, alguém que explique ao Dean Cain e ao Jesse Watters que Superman já nasceu woke. Foi criado por dois adolescentes judeus — Jerry Siegel e Joe Shuster — em plena Grande Depressão, como símbolo de justiça social e esperança num mundo cinzento. Lutou contra nazis, políticos corruptos e empresários gananciosos. Nos anos 40, derrotou a Ku Klux Klan numa série de rádio-novela. Hoje, isso chamam-se ‘sinalização de virtude’.

Na altura, chamava-se ter os ‘testículos no sítio’. Aliás, os super-heróis sempre foram mais à esquerda do que os próprios liberais americanos admitem. Mesmo, o Capitão América deu um murro no Hitler, meses antes dos EUA entrarem na guerra. Os X-Men foram alegorias mutantes para os direitos civis, a homossexualidade e o direito à diferença.

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Até o Iron Man teve uma epifania ética em 2008. E o The Boys? O Homelander é uma paródia do fascista em colants que muitos gostariam que o Superman fosse na verdade. A diferença é que o Homelander mata criancinhas por impulso e diz ‘estou a defender os valores da pátria’. Não é um herói, é um espelho partido e um pouco ridículo do delírio patriótico norte-americano.

superman super homem critica
Este “Superman” é um escoteiro bondoso desperto para fazer boas acções. ©DC Studios/Cinemundo.

O que eles querem é um segurança musculado

A verdade é esta: o que a direita cultural quer não é exactamente um herói salvador do mundo. É um ecrã de descanso com músculos, uma mascote testosterónica que grita ‘liberdade’ enquanto despeja napalm sobre vilas e grupos de imigrantes clandestinos. Um Superman sem dúvidas, sem falhas, sem compaixão. Mas isso não é o Ka-El, o Homem de Aço de Krypton.

Isso é um meme de ginásio com ódio ao glúten e medo de partilhar sentimentos humanos. James Gunn, com todas as suas tropelias e piadas marotas, quis fazer um filme sobre empatia. Sobre alguém que poderia esmagar o planeta com um olhar, mas escolhe antes salvar gatos de árvores e velhinhas nas passadeiras que correm o risco de ser atropeladas. E isso, meus amigos, para alguns parte que é o verdadeiro radicalismo. Porque num mundo onde ser cínico dá votos, ser bondoso dá raiva.

dean cain
Dean Cain em  “Lois & Clark: As Novas Aventuras do Super-Homem”. © ABC

Final feliz? Mas não para o Dean Cain

O novo “Superman” já estreou nas salas de cinema, tem boas críticas e esta a ser, ao que parece no primeiro fim de semana de estreia, um sucesso público, mas a malta do costume vai continuar a queixar-se de radicalismo e ‘wokismo’. Talvez até escrevam um artigo intitulado “Porque é que o Superman já não representa os verdadeiros valores americanos?”. Spoiler: talvez mesmo nunca os tenha representado, eles é que pensavam que sim.

Enquanto isso, nós cá estaremos. A rir. Porque a ideia de que um filme sobre um alienígena bondoso vestido de azul, que procura ter momentos de entretenimento, bem-intencionados — apesar do muito aparato tecnológico — possa ser uma ameaça ideológica é tão ridícula que merecia ter superpoderes só para ser ignorada.

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Superman
David Corenswet agarra o fato azul e a capa vermelha com brio e salva um imigrante. ©DC Studios

E nós por cá é chega….

Por cá, a extrema-direita portuguesa provavelmente vai alinhar no mesmo guião da Fox News, mas com sotaque e ressentimento nacional. Se o novo Superman é “woke”, então é mais um símbolo da decadência do Ocidente, do marxismo cultural, da Agenda 2030 e, quem sabe, até da imposição dos ‘pronomes neutros nas escolas primárias de Metropolis’.

Podemos esperar comentários como: ‘Mais um super-herói castrado pela ideologia do politicamente correcto; ‘Isto agora é tudo minorias, imigração e sentimentozinhos. Até o Super-Homem virou afilhado do Bloco de Esquerda’; ‘Não admira que os miúdos de hoje só queiram jogar Fortnite e mudar de sexo. Vejam o que andam a ver no cinema!’

E claro, se o filme tiver diversidade visível — tipo um Perry White negro, uma Lois Lane independente ou um vilão com nome eslavo e tem — a Iniciativa da Treta e os arruaceiros do Chega já vão dar o grito do Ipiranga digital. Dirão que a DC está a ‘doutrinar as crianças’ com ‘ideologias globalistas’.

Superman de James Gunn
David Corenswet e o realizador James Gunn ©Kathy Hutchins via ShutterStock (ID 2348481145) / ©Warner Bros (Editado por Vitor Carvalho, © MHD)

Querem é avatars do TikTok

No fundo, essa gente não quer heróis. Quer avatars da sua nostalgia tosca e retrógrada, armados em moralistas de bandeira na lapela, que confundem compaixão com fraqueza e empatia com conspiração. Um Superman que pensa nos outros, antes de destruir não lhes serve. Preferem um Lex Luthor de cabelo rapado a distribuir moral nos TikToks.

Nesse aspecto, o novo Superman é woke. E ainda bem. Porque num país onde os verdadeiros supervilões andam de gravata e querem deportar os “Kal-Els” do mundo real, precisamos urgentemente de um herói que defenda os que caem do céu… e os que atravessam o mar.

JVM



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