Ghost of Yotei, em análise
“Ghost of Yotei” é a sequela clara de Ghost of Tsushima, mantendo muitas das bases do jogo original, mas introduzindo uma nova protagonista, um novo cenário e um tom narrativo marcadamente diferente. Onde Jin Sakai, protagonista do primeiro jogo, era um samurai nobre dividido entre a honra e a necessidade de sobreviver, Atsu, a nova protagonista, é uma mercenária marcada pela perda, a vingança e uma relação mais íntima com o povo e a terra. Esta diferença na sua história base será o ponto de partida para a maioria das diferenças entre os dois jogos, principalmente em termos de jogabilidade.
Ambientado no início do período Edo (início dos anos 1600), mais de 300 anos após os eventos de Ghost of Tsushima, o jogo segue Atsu, uma mulher de origens humildes cuja família foi brutalmente assassinada por um grupo de bandidos conhecido como os Yotei Six. Sem laços com a nobreza ou qualquer estrutura social a protegê-la, Atsu transforma-se numa figura mitológica, sendo que achei muito interessante o jogo se adaptar à fama que vamos criando, levando a que caçadores de prémios comecem a aparecer com mais frequência se a nossa fama aumentar, tal como o prémio para acabarem connosco.
Ao contrário de Jin, que teve de abandonar a honra para vencer, Atsu nunca teve essa honra para abdicar. A sua história é impulsionada não por dever, mas por perda pessoal e uma sede de justiça (ou vingança) que molda todas as suas decisões. Ela representa o subalterno, o marginalizado, e a sua narrativa reflete as consequências emocionais e morais de seguir o caminho da vingança. E isto faz com que facilmente criemos a ligação emocional para gostarmos desta personagem. Queremos que a justiça seja feita.
Vingança é apenas o início em “Ghost of Yotei”
Inicialmente consumida pela vingança, Atsu não se importa se vive ou morre, desde que consiga eliminar os Yotei Six. No entanto, com o progresso da história, percebe que não poderá triunfar sozinha, sendo esta uma poderosa mensagem do jogo e que influência a nossa forma de jogar. Embora aos olhos dos inimigos se torne uma lenda temível, a sua jornada é também de redescoberta e de reaproximação às suas raízes, ao seu passado familiar e às pessoas que encontra pelo caminho.
A relação de Atsu com a família é central e um dos melhores trunfos do jogo. Com Jin a nossa aventura foi muito mais sozinha, fria e amarga. Aqui existe um apoio, mesmo que indireto. Ao visitar locais marcantes da sua infância, o jogador revê memórias do pai ferreiro e do irmão, aprofundando o peso emocional da sua missão e que nos agarra à narrativa.
Exploração fantástica
O jogo decorre na ilha de Ezo (atual Hokkaido), uma região de contrastes naturais, marcada por paisagens exuberantes e um ambiente quase selvagem. É um território vasto, com zonas montanhosas cobertas de neve, campos verdejantes, lagos brilhantes e aldeias vibrantes. E sim, é deslumbrante ao ponto de me apetecer parar de jogar e ficar a ver os cenários. Fantástico!
A exploração é fluida e orgânica, com mecânicas como o Guiding Wind (vento direcional) e um novo telescópio, que incentiva a observação do ambiente em vez da dependência de mapas. O mundo parece vivo, com aldeões a pescarem, tocarem música ou partilharem rumores que desbloqueiam novas atividades. Tudo isto num mundo claramente mais desenvolvido a nível tecnológico do que o mundo anterior, com uma arquitetura mais marcante, e também isto altera a nossa forma de jogar em relação ao jogo anterior.
Atividades como fontes termais, santuários e antros de raposas regressam, mas em menor número, enquanto novas tarefas, mais ligadas à personagem, dão maior profundidade ao mundo e ao enredo. Com isto, a exploração é menos repetitiva, e isto é um dos pontos mais fortes na evolução desta série.
“Ghost of Yotei” é uma mistura de estilos…
Atsu não segue os códigos de combate dos samurais. Ela adapta-se a qualquer situação com brutalidade e eficiência, aumentando plneamento e estratégia. O sistema de combate foi reformulado com cinco armas principais: katana, odachi (espada longa), kusarigama (foice com corrente), katanas duplas e yari (lança). Cada arma tem vantagens e desvantagens contra tipos específicos de inimigos, criando uma dinâmica de “pedra-papel-tesoura” e a verdade é que é difícil vencer se ter em conta esta dinâmica.
Novas armas de fogo como o rifle Tanegashima e uma pistola de pederneira adicionam variedade tática em certos momentos, apesar de raros. A fragilidade de Atsu torna o combate tenso, exigindo bloqueios, esquivas e contra-ataques bem temporizados. O facto de estarmos a lutar, muitas vezes, contra inimigos com o dobro do peso e armas muito maiores e mais pesadas, tornou este jogo mais desafiante e tenso do que o anterior, algo que gostei bastante.
A vertente furtiva continua a ser uma opção viável e brutal, com ações como encadear assassinatos e utilizar o kusarigama para arrastar inimigos para locais isolados. As missões principais são mais diversas que no primeiro jogo, alternando entre infiltrações, perseguições e confrontos intensos. As missões secundárias, como os contratos de recompensa, também apresentam variedade: de serial killers a músicos assassinos, muitas oferecem histórias cativantes e desfechos inesperados. Este ponto é dos mais importantes, porque achei este jogo menos repetitivo do que o anterior com Jin Sakai.
Não dando spoilers, é óbvio que iremos enfrentar os Yotei Six e as batalhas de boss são muito boas, principalmente pelo peso narrativo e pela investigação que teremos de fazer antes. é uma boa sensação de conquista e de vingança.
Visualmente, Ghost of Yotei é deslumbrante. A direcção artística inspira-se no cinema japonês clássico e utiliza cores saturadas, partículas flutuantes e enquadramentos cinematográficos que elevam o ambiente do jogo. As duas barras pretas no topo e fundo do ecrã durante as viagens reforçam o efeito de “filme samurai”. O jogo corre a 60fps em modo de desempenho na PS5 base, sem quebras de fluidez, exceto nas cutscenes (30fps). O design sonoro também brilha, com efeitos convincentes de lâminas, sangue e ambiente. De um ponto de vista técnico, é dos jogos mais impressionantes que já vi, apesar de o seu estilo talvez não agradar a todos. Mas uma coisa é certa, é dos jogos mais belos de sempre! e a banda sonora cria um ambiente fantástico.
Ghost of Yotei é uma evolução clara de Ghost of Tsushima em praticamente todos os aspetos. Embora mantenha muitas mecânicas conhecidas, introduz alterações significativas que estão todas ao serviço de uma nova protagonista e uma história profundamente pessoal. É um jogo sobre identidade, perda, resistência e reconstrução, contada através de um mundo rico, um sistema de combate refinado e uma narrativa emocionalmente envolvente. é verdade que a progressão da história é por vezes previsível, mas as histórias de cada personagem são emotivas, profundas, quase não existindo uma separação clara entre aliados e inimigos, bons e maus, inocentes e culpados. Tudo isto num mundo cheio de dor e luta pela sobrevivência, quer seja pela espada ou pela fome.
Ghost of Yotei é um jogo sem pontos fracos significativos. Tecnicamente incrível, boa narrativa (uns jogadores gostarão mais desta história, outros do jogo anterior), jogabilidade inteligente e muito conteúdo que não é repetitivo. Um dos jogos do ano? Claramente um top 5 para já.