The Smashing Machine: Coração de Lutador – Análise
“The Smashing Machine — Coração de Lutador” acompanha Mark Kerr, lenda do MMA, entre a glória do ringue e o colapso pessoal, num drama cru de Benny Safdie com Dwayne Johnson e Emily Blunt. Estreado e premiado há pouco mais de um mês de Festival de Veneza 2025 chega já agora às salas de cinema.
‘The Rock’, Dwayne Johnson aparece-nos finalmente sem ‘armadura’: Safdie filma o KO de um gigante, a dor, vício e derrota em “The Smashing Machine — Coração de Lutador”, que é uma das grandes estreias desta semana. Há filmes que entram no ringue para entreter, mas há outros que, mesmo a meio de uma sequência de pancadaria, lembram-nos que a dor não vem só dos ossos partidos e dos hematomas.
“The Smashing Machine — Coração de Lutador”, de Benny Safdie, estreado em competição no Festival de Veneza 2025 é um daqueles murros inesperados que deixam nódoas negras na alma. Não é um filme perfeito, mas é um retrato cru da masculinidade em colapso, com Dwayne Johnson a dar, finalmente, o salto de wrestler de Hollywood para ator de verdade, num papel que pode dar-lhe entrada na corrida aos Oscar.
O peso do corpo e o vazio da alma
O verdadeiro Mark Kerr foi, nos anos de 1990 a 2000, um pioneiro do MMA. Um colosso invencível no octógono, mas por dentro um homem em ruínas: dependente de opiáceos, vítima da própria máquina que ajudou a alimentar. E Safdie olha para ele sem filtros. Não há aqui o glamour de “Rocky” (1976) nem a elegância estilizada de “O Touro Enraivecido” (1980). Neste, há suor, sangue, joelhos inchados, próteses, e sobretudo a sensação de que cada vitória trazia apenas um novo degrau na descida ao abismo.
Safdie já tinha ensaiado o caos em “Good Time” e “Uncut Gems”, os seus filmes anteriores, mas agora troca Nova Iorque pelos balneários húmidos, onde campeões se escondem a chorar. A câmara cola-se ao corpo de Kerr como se filmasse uma ruína: músculos que tremem, olhos que procuram refúgio e silêncios que pesam mais do que qualquer murro.
O milagre Dwayne Johnson
Porém é aqui entra a maior surpresa: Dwayne Johnson, esse monstro sagrado das bilheteiras, habituado a papéis em que salva o mundo com um levantar de sobrancelha, despe a persona de super-herói musculado. Sob a peruca desgrenhada e as próteses faciais, há uma fragilidade nova, quase desconfortável de ver. Pela primeira vez, “The Rock” parece humano: um gigante que desaba ao primeiro toque de realidade.
Há momentos em que esquecemos o espetáculo e vemos apenas um homem destruído. Johnson arrisca ser feio, vulnerável, patético e é precisamente isso que o torna uma personagem fascinante. Safdie pediu-lhe que ficasse mais “puffier” (inchado, gasto) em vez de maior, e essa decisão estética define tudo: é o corpo de quem viveu demasiado depressa e já não aguenta o próprio peso.
Emily Blunt: a âncora que o filme quase esquece
Por outro lado, Emily Blunt surge como Dawn, a namorada que tanto o apoia como desmorona. É uma presença firme, intensa, e Blunt entrega-se a cada cena como se estivesse também num combate. Só que Safdie, talvez enfeitiçado pelo músculo dos homens, nunca lhe dá o espaço que merecia.
Em vez de uma história a dois, ficamos com uma narrativa desequilibrada, onde a personagem feminina serve apenas de sombra emocional ao drama masculino. Ainda assim, Blunt é essencial na trama. Nos diálogos violentos, filmados como se fossem rounds verbais no ringue e é ela quem empurra o filme para além da simples biografia de lutador caído em desgraça. Pena que o argumento de facto não a deixe brilhar tanto quanto podia e merecia.
Entre o documentário e a tragédia
“The Smashing Machine — Coração de Lutador” oscila entre duas vontades: a de agradar aos fãs do MMA, — que penso serão uma minoria dos espectadores portugueses — recriando combates com detalhe quase documental; e a de mergulhar na tragédia íntima de Kerr. A hesitação sente-se, sobretudo no clímax: o confronto com Mark Coleman, amigo e rival, interpretado pelo verdadeiro lutador Ryan Bader.
É intenso, realista, mas falta-lhe o peso simbólico que poderia transformar a derrota numa tragédia grega. Comparado com “Foxcatcher” (2014) ou “Garra de Ferro” (2024), “The Smashing Machine — Coração de Lutador” fica a meio caminho. Não tem a loucura operática do primeiro nem o sufoco emocional do segundo. Mas tem algo raro: a recusa em transformar a derrota em vitória moral. Kerr perde. Ponto final. E é nesse vazio que Safdie encontra a sua nota mais honesta.
Benny Safdie, o realizador que filma a dor
DE qualquer modo, o Leão de Prata de Melhor Realização, conquistado em Veneza, foi efectivamente bem merecido: Safdie sabe filmar a dor sem filtros, como quem põe a câmara dentro de uma ferida aberta. Os combates nunca são vistos do centro: estamos sempre do lado de fora, como se estivéssemos entre o público, a tentar espreitar.
O realizador quer que sintamos a frustração de quem não vê tudo, de quem só capta fragmentos, tal como a própria vida de Kerr, cheia de zonas algo obscuras. Safdie não vai tão longe quanto poderia. Fica talvez um pouco preso ao equilíbrio entre espetáculo e intimidade. Mas mesmo assim, o resultado é perturbador, cru e, acima de tudo, humano.
JVM
The Smashing Machine – Coração de Lutador — Análise
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José Vieira Mendes - 70
Conclusão:
“The Smashing Machine – Coração de Lutador”, de Benny Safdie não é o nocaute que prometia ser, mas deixa-nos suficientemente KO naquilo que mais importa: a descoberta de que até os gigantes caem, ou melhor têm ‘pés de barro’ e de que Dwayne Johnson pode, finalmente, ser uma ator mais do que músculos. Safdie não fez o filme perfeito, mas fez um filme que nos persegue depois dos créditos. E isso já não é pouco.
Overall
70User Review
( votes)Pros
O melhor: A interpretação surpreendente de Dwayne Johnson, finalmente livre do estereótipo de “The Rock”; a realização de Safdie, que transforma combates em tragédias íntimas; o retrato cru da masculinidade em crise, sem desculpas nem vitórias fáceis.
Cons
O pior: O espaço reduzido dado a Emily Blunt, que merecia muito mais; a indecisão entre filme de pancadaria para fãs do UFC e drama psicológico devastador; O clímax aquém da promessa inicial, sem a força operática de outros dramas desportivos.