Soused | Scott Walker & Sun O))) (CD 4AD)

 

“Soused”, um disco conjunto de Scott Walker e dos Sun O))), editado pela 4-AD e produzido pelo próprio  Scott Walker em colaboração com Peter Walsh e sob a direcção musical de Mark Warman, constitui uma das grandes surpresas musicais de 2014.

O resultado da fusão entre uma banda experimental de drone metal e um cantor easy-listening, que enveredou a meio da sua carreira por caminhos mais próximos dos da música contemporânea, poderia ser algo a recear.  Basta lembrar que, há uns anos, a fusão entre Lou Reed e os Metallica não resultou da melhor maneira. No entanto, no caso de “Soused”, o resultado é fascinante, ultrapassando quaisquer expectativas, mostrando um Scott Walker de setenta e um anos em plena forma e um resultado exemplar no que diz respeito à fusão de géneros.

Soused - Scott Walker

Scott Walker é uma figura lendária, com uma carreira musical de mais de cinquenta anos, em que não raras vezes foi considerado por muitos o maior cantor de toda a história da música pop. Autor de uma obra complexa e diversificada, Scott Walker é, sem dúvida, uma personagem singular na história da música dos últimos cinquenta anos. Da música pop ao rock, passando pela música ligeira e a música contemporânea, Walker foi sempre brilhante em tudo o que fez.  Influenciado por Jacques Brel, de cujas canções fez várias versões (“Amsterdam”, “Jackie”, “If You Go Away”, “Mathilda” ou “The Death”, entre outras) inspirou não só David Bowie e Marc Almond, que também gravaram Brel, mas nomes como Julian Cope, David Sylvian, The Associates, The Pulp, Last Shadow Puppets ou mesmo Nick Cave.

3 Scott Walker 60s

A sua aventura musical teve início em 1961 com uma banda chamada The Routers, após o que, em 1964, se juntou, em Los Angeles, a John Maus (mais conhecudo como John Walker) para formarem os Walker Brothers, um trio que acabou por se fixar em Inglaterra, onde o célebre “The Sun Ain’t Gonna Shine Anymore”, uma inesquecível balada romântica e amarga, subiu ao 1º lugar do Top dos 45 rpm em 1967, tornando-se um dos maiores êxitos musicais desse ano a nível mundial.  Porém, foi a carreira a solo de Scott Walker que lhe assegurou o estatuto de ícone da música pop, após a edição de dez álbuns gravados entre 1967 e 1974, de que se destacam os cinco primeiros, gravados nos anos 1960, onde se incluem momentos memoráveis como “Montague Terrace”, “Plastic Palace People”, “It’s Raining Today”, “The Lights of Cincinnati” ou “Boy Child”. Depois de uma breve ausência, Scott regressou com os Walker Brothers em 1976, editando “No Regrets“ para logo desaparecer em seguida por mais uns anos. Em 1984, foi editado “Climate of Hunter”, um álbum que passou relativamente despercebido numa altura em que o público estava mais interessado nos Wham, na pop electrónica ou nas bandas do eixo Manchester-Liverpool. Assim, só em 1992, com a edição pela primeira vez em CD de uma compilação de Scott Walker e os Walker Brothers, “No Regrets – The Best of Scott Walker and the Walker Brothers”, é que a carreira de Walker conquistou uma nova visibilidade e com ela o respeito de uma nova geração, que viu que afinal havia mais mundo para além dos Nirvana, Stone Roses, Pearl Jam ou The Cure.

2 Scott Walker boychild

Apesar do reconhecimento reconquistado, o regresso de Walker, contudo, só aconteceu, em 1994, com a edição de “Tilt“, um disco a solo, que assinalava uma mudança clara de orientação no sentido da música contemporânea, uma orientação que se acentuaria  em “The Drift”, de 2006, uma obra genial, porém algo incompreendida. Depois de ”And Who Shall Go To The Ball? And What Shall Go To The Ball?”, de 2007, música para um bailado contemporâneo, Walker gravou “Bish Bosch”, em 2012. Segundo o próprio, “the final installment in a trilogy”, pelo que parecia anunciar o fim de um ciclo e  um regresso às baladas easy-listening dos anos 1960 e 70. Porém, em 2014, a reunião com os Sun O))), uma banda experimental de drone metal, contraria totalmente essa expectativa, mostrando um reforço da tendência vanguardista da última fase da carreira de Walker.

4 Sunn O)))

Os Sun O))) são uma banda americana de drone metal, ou drone doom se se preferir, formada em 1998, que editou seis álbuns de estúdio, o último dos quais  foi o excelente “Monoliths & Dimensions” em 2008. Ao que consta, a banda teria então convidado Scott Walker para cantar num dos temas desse álbum, convite que o cantor não pôde aceitar na altura, mas concretizou agora, em 2014, e da melhor maneira, com “Soused”. Não obstante, a iniciativa ter partido da banda de Seattle, este disco é mais um disco de Scott Walker com os Sun O))) do que um disco destes com o antigo cantor dos Walker Brothers.

Soused - Scott Walker

 

“Soused” abre com o magnífico “Brando (Dwellers On The Bluff)”, que parece ser simultaneamente uma referência a Marlon Brando, nascido em Omaha, Nebraska, e ao livro “Across the Wide Missouri”, de 1948, que o realizador William A. Wellman transformou num filme com Clark Gable como protagonista. Trata-se de uma balada, a fazer a lembrar temas como “Farmer in The City”(de  “Tilt”) ou “Clara” (de “The Drift”), fundindo a ambiência musical arrepiante desenvolvida pelos Sun O))) com uma melodia bizarra entoada pela voz única de Walker. A faixa seguinte, “Herod 2014”, começa com a frase ‘she’s hidden her babies away…’, por si só também arrepiante, e percorre uma atmosfera musical cinzenta e gélida com a voz de barítono de Walker a planar como uma assombração, porém uma assombração repleta de beleza. Seguem-se “Bull”, um tema mais enérgico e com um cheirinho a Kurt Weil, e “Fetish”, um tema mais tortuoso e com um cheirinho a Arnold Schönberg, temas em que a massa sonora das guitarras dos Sunn O))) nunca deixa de marcar o ambiente. O álbum termina com “Lullaby”, que, segundo consta, foi escrita para a cantora alemã Ute Lemper, em 1999, canção que contém um dos mais interessantes poemas de todo o disco. Scott repete ao longo do tema os versos “the most intimate personal choices/ And requests/ Central to your personal autonomy/ Will be sung”,  sobre um fundo musical alicerçado numa parede de som de guitarras distorcidas.

Soused - Scott Walker

Mais que interessante. Um disco brilhante. Um disco inovador, que reúne músicos de duas gerações, uma formada na década de 1960 e a outra na de 2000, mostrando que estas afinal, apesar de separadas por quatro décadas de história, não estão assim tão distantes quanto se julgaria. “Soused”, mais uma obra prima de Scott Walker, só que desta vez com os Sun O))).

 

Rating: 9,5 / 10

João Peste Guerreiro

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