FELP, primeiras impressões
Esta segunda-feira 25 de agosto a RTP1 estreou uma nova série para as suas noites de segunda a sexta-feira, “FELP” (2025, Henrique Cardoso Dias, Rui Melo e Manuel Pureza). Trata-se de uma nova comédia dos mesmos criadores de “Pôr do Sol” (2021-22). Está igualmente disponível no streaming, com lançamentos diários, na HBO Max e RTP Play.
“FELP” é uma divertida série que vai agradar aos fãs de “Pôr do Sol”, uma vez que o género de comédia absurda se mantém. A obra começa com um rapto de um boneco. Sabemos, depois, que este facto tem sido cada vez mais frequente. Em consequência, os bonecos decidem agir.
Neste artigo vais poder ler a minha análise crítica aos dois primeiros episódios da série.
FELP, inteligência de boneco
A RTP encontrou uma boa sucessora de “Pôr do Sol”. Confiando nos mesmos autores, o canal público tem agora em exibição “FELP”. Se na primeira série, as telenovelas eram motivo de galhofa, agora os criadores foram buscar criaturas fofinhas para falar sobre vários problemas contemporâneos.
O elenco da série “FELP” é bastante variado. A representar personagens humanas, temos nomes como Rui Melo (Paulo), Inês Aires Pereira (Dani), Diana Nicolau (Sofia), Anabela Moreira (Isabel), Pedro Diogo (Arlindo), Luís Lobão (Rui), Cristina Oliveira (Lena), Cláudio de Castro (Kito), Inês Castel-Branco (Teresa), entre outros. Já a manipularem e a fazerem as vozes dos bonecos temos atores como Samuel Alves (Rogério), Romeu Vala (João), Cristóvão Campos (Miguel), Rita Tristão da Silva (Ana), Susana Blazer (Beatriz) e Miguel Raposo (Diogo).
No mundo desta série, bonecos e humanos convivem entre si como se fossem iguais. Mas será que conseguem mesmo sê-lo? Estes bonecos são dentistas, empregados de restaurante, fotógrafos, políticos, músicos… Enfim, tem profissões como os humanos. Mas não conseguem deixar de ser vistos com desdém pela maioria da sociedade. As grandes exceções serão Ana e Miguel (e João, talvez, em breve?) que conseguem namorados(as) humanos(as).
De Pôr do Sol para FELP
Sendo uma série dos mesmos criadores de “Pôr do Sol” – que foi um sucesso -, só podíamos esperar algumas semelhanças e regressos. Em primeiro lugar, a comédia “fácil” e absurda continua, mas, tal como a antecessora, traz sempre alguma inteligência por trás. Depois, há a música que volta a ser da autoria de Toy que também protagoniza o genérico. Desta vez, a letra é um pouco mais trabalhada, embora a repetição “FELP, FELP, FELP” também exista como “Pôr do Sol, Pôr do Sol, Pôr do Sol”. Por fim, há ainda os atores.
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É claro que o grande regresso é o de Rui Melo (que antes foi Simão Bourbon de Linhaça) que mantém-se no duplo papel de criador/ator. Mas não ficamos por aí: regressam Cristóvão Campos, agora apenas em boneco (antes foi Diogo, da banda Jesus Quisto), tal como Susana Blazer (que antes foi Carla, da revista Blaze), Rodrigo Saraiva (antes foi Raúl, da revista Blaze) e, em participações especiais, Gabriela Barros (que fez as três gémeas) e Toy.
O caso mais engraçado e curioso de “transformação” foi a personagem de Rui Melo, Paulo. Se em “Pôr do Sol”, Rui Melo era o temível Simão, agora, Paulo é uma pessoa que se aflige quando tem alguém às costas ou com pistolas à vista… e é um polícia! “Eu não quero ninguém atrás de mim!”
Do lado contrário, o papel de vilão passou a pertencer a Anabela Moreira (Isabel). Ela é responsável pelo rapto dos bonecos mas é-nos introduzida como a sua protetora pela defesa da comunidade bonequística.
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Bonecos em minoria
Os diferentes bonecos de “FELP” vão sabendo do rapto do seu amigo Hugo pela voz da “defensora”, engenheira Isabel Lima. Ao mesmo tempo, são alvo de chacota.
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Rogério é gozado por vir com a etiqueta fora da braguilha: “O homem já anda aqui a rebentar pelas costuras. (…) Andas aí todo boneco”, goza o chefe Martins (Manuel Marques). Já no café, Lena refere: “Se não querem ser raptados, vão para a terra deles.”
E até o inspetor Paulo diz “Você também é daquelas que diz que eles [bonecos] são iguais a nós? (…) Bonecos não é gente.” Mesmo no segundo episódio, com uma investigação aberta, ele contradiz-se: “Estou-me a cagar porque são bonecos.”
Já para não falar dos colegas de Diogo na Câmara Municipal: “Com todo o respeito, são bonecos.” Diogo conclui, então, com os amigos: “Se queremos fazer alguma coisa, temos de ser nós.” Fica, assim, dado o mote para o segundo episódio que abre de maneira divertida com os bonecos a tomarem banhos em máquinas de lavar e lançarem a ideia de criarem uma associação. Equilibra-se, portanto, depois da abertura “dramática” do primeiro episódio.
Com um vídeo viral de Dani, a FELP – Frente Espetacular pela Liberdade Peluda – chega a bonecos de todo o país e que, muito provavelmente, se irão juntar à causa. Se não de todo o mundo, uma vez que passa em vários noticiários internacionais…
Transições e frases míticas
Se em “Pôr do Sol” tínhamos a mítica transição com Toy a aparecer do nada a cantar (isto sem contar com as imagens dos espaços da série), em “FELP”, os autores decidiram – e bem – fazer algumas transições de cenas com os bonecos em momentos algo “caricatos” como a cantar canções algo picantes ou a rirem-se sem motivo.
Outra marca que prevalece de “Pôr do Sol” são as frases absurdas com possibilidade de virarem memes. Se em “Pôr do Sol” ficou para a história “Tenho uma licenciatura em mestrados e um doutoramento em licenciaturas”, os autores prometem repetir a dose com exemplos como:
- “As gaivotas, às vezes, mandam-se aos telemóveis a pensar que é pão de mistura.”
- “Não há muitos inspetores com mestrado em Sociologia dos Bonecos e cinturão negro em pilates de combate”.
- “Acha que eu estou com cabeça para água? Traga-me um chá ou qualquer coisa do género.”, seguida de “Tire-me isso daqui da frente. Acha que alguém bebe chá da parte da tarde?”
- “Está tudo à espera de mim como se eu fosse o VAR?”
Algumas conclusões
“FELP” é uma série divertida para as últimas noites de verão na RTP1. Mas, ao mesmo tempo, também nos faz refletir sobre o nosso mundo e a nossa sociedade. Se o paralelismo mais direto que encontramos com a discriminação dos bonecos é a discriminação dos emigrantes, na verdade, podemos assumir qualquer tipo de discriminação. Seja ela de etnia, género, nacionalidade, orientação sexual, etc. Inclusive, sobre a própria liberdade de expressão (é de génio à referência discreta ao caso Anjos, por exemplo).
A série “FELP” não pretende ser uma obra-prima mas tem potencial. Diria até que podemos vir até, novamente, uma continuação da história. Acho que tem potencial para um filme, sinceramente.
A obra tem uma direção de atores cuidada e sente-se um equilíbrio entre a presença das marionetas e dos atores que aparecem de carne e osso. A fotografia e som também estão bem trabalhados. Destaco, inclusive, os momentos finais de cada um dos episódios onde os bonecos são torturados num clima de escuridão e suspense.
FELP Eps. 1 e 2
Conclusão
- “FELP” é a nova série de comédia dos criadores de “Pôr do Sol”, Henrique Cardoso Dias, Rui Melo e Manuel Pureza.
- É mais uma obra que opta pela comédia absurda para criar uma reflexão com bastante inteligência. Neste aspeto, é até superior a “Pôr do Sol”.
- Não tenta ser uma obra-prima mas diverte bem enquanto nos deixa a pensar sobre qualquer tipo de discriminação que existe na sociedade.
- Tem potencial para continuação, sobretudo, enquanto obra cinematográfica.