Qual o significado para o cinema da compra da Warner Bros. pela Netflix?
Esta sexta-feira 5 de dezembro o mundo foi surpreendido pela formalização da aquisição da Warner Bros. Discovery (o que inclui estúdios de cinema e plataforma HBO Max) pela gigante do streaming Netflix. Num negócio milionário que custará à Netflix 82.7 mil milhões de dólares (71 mil milhões de euros), o que podemos esperar para o futuro do cinema (e também do streaming)?
Como decorreu o negócio?

Há alguns meses que já corria muita tinta sobre a possibilidade da Netflix comprar a Warner Bros. Discovery. A Paramount Skydance e a Comcast (detentora da NBCUniversal) também entraram na corrida à compra da Warner Bros. Discovery. No entanto, ontem (5 de dezembro) foi a Netflix que levou a melhor e já é oficialmente dona da Warner Bros. Studios e HBO Max.
O negócio ainda não está 100% concluído e ficará apenas em meados de 2026 (tendencialmente, no início do segundo semestre). A razão principal é que ainda vai acontecer uma separação entre as diferentes partes da Warner Bros. Discovery. Ou seja, os estúdios de cinema e a marca HBO Max vão pertencer à Netflix, enquanto os canais de televisão vão manter-se sob a marca Discovery Global.
Assim, concretiza-se o desejo de Ted Sarandos quando disse: “Fomos muito claros no passado que não temos interesse em adquirir redes de média tradicionais, então não há nenhuma mudança nesse sentido”. A Netflix compra aquilo que realmente queria sem comprar os canais de televisão lineares.
A concretização do negócio terá ocorrido na quinta-feira à noite e já deixou preocupados em todo o mundo quer os profissionais de cinema, quer os amantes do mesmo. Várias são as pessoas e empresas a apelar a que o negócio recue pois têm receio do monopólio da Netflix e do que o mesmo pode implicar.
Devemos estar preocupados com o futuro do cinema?

Como é do conhecimento comum, a Netflix é uma empresa que investe imenso na produção de conteúdo de cinema e televisão mas… na sua plataforma de streaming. O facto de a Netflix comprar os estúdios de cinema poderá acabar com a exibição de cinema em sala?
Nos últimos anos, a Netflix tem feito alguns lançamentos dos seus filmes em salas de cinema. No entanto, isso acontece com uma seleção muito reduzida de obras e raramente acontece de forma global. Por exemplo, o filme “Jay Kelly” (2025, Noah Baumbach) foi a última obra da Netflix a ter a ‘sorte’ de ser exibido em vários festivais de cinema e, posteriormente, de estrear comercialmente em salas. Contudo, a estreia comercial ficou-se por meia dúzia de países como Itália, E.U.A., Brasil, Alemanha ou Irlanda, por exemplo. A grande maioria dos países – incluindo, Portugal – ficou fora da lista de salas de cinema com a estreia comercial de “Jay Kelly”.
A Netflix já veio dizer que podemos ficar descansados sobre a estratégia das estreias dos filmes da Warner Bros. em salas de cinema. Num comunicado oficial, a empresa referiu que “espera manter as atuais operações da Warner Bros. e aproveitar os seus pontos fortes, incluindo as estreias de filmes em cinema.” A verdade é que a HBO Max nunca ‘matou’ propriamente a exibição em sala dos filmes da Warner Bros. sendo poucos os filmes originais da marca HBO Max e os filmes da marca Warner mantêm várias semanas de exibição em sala.
Irá a Netflix manter os lançamentos da Warner em sala de cinema?

Será que, no fim, a Netflix vai manter esta estratégia? A minha opinião pessoal é que sim. Não quero acreditar que a Netflix desista da exibição de filmes da Warner em salas de cinema até porque sabe o lucro que os filmes da marca fazem antes de chegar ao streaming e que podem, claro, servir de um lucro adicional ao que já têm com a plataforma de streaming.
Só este ano, a Warner tem 3 filmes no top 10 mundial de filmes mais vistos. A saber são eles: “Um Filme Minecraft” (2025, Jared Hess) em 3.º lugar, “F1 – O Filme” (2025, Joseph Kosinski) em 8.º lugar e “Superman” (2025, James Gunn) em 9.º lugar. Além disso, desde 2016, a Warner Bros. não falha nenhum top 10 dos filmes mais vistos e muitas vezes com mais do que uma obra. Se formos mais atrás, desde 1989, só falhou mesmo os anos de 1997 e 2015 no top 10. Assim, o sucesso da marca é, realmente, incomparável.
Ainda assim, não é de estranhar que as pessoas ligadas à indústria demonstrem alguma preocupação, já que a Netflix pouco investiu nas salas de cinema até ao momento… Além disso, fica a questão: quererá a Netflix dividir o lucro das estreias com as salas de cinema? A minha opinião é: se quiser manter o estatuto da marca Warner, não tem outro remédio. E mais: se quiser ser vista como uma empresa forte no mundo do cinema, nomeadamente, com a tão desejada presença nos Oscars que ainda é irrisória, então, não tem mesmo alternativa.
E o catálogo da Netflix como ficará agora?

A aquisição da Warner Bros. pela Netflix fará com que a empresa tenha acesso a todo o catálogo de filmes da Warner Bros. nos seus 102 anos de História. Assim, a Netflix vai, obviamente, tornar-se mais competitiva face a outras empresas / estúdios, uma vez que ganhará um rico catálogo para si que inclui obras como “Harry Potter” (2001-2011, vários realizadores) ou “O Senhor dos Anéis” (2001-2003, Peter Jackson), bem como os clássicos “Casablanca” (1942, Michael Curtiz) ou “O Feiticeiro de Oz” (1939, Victor Fleming).
Além disso, a Netflix vai igualmente ganhar todo o catálogo da marca HBO Max, o que significa acesso pleno a séries como “Os Sopranos” (1999-2007, David Chase), “A Guerra dos Tronos” (2011-19, David Benioff e D.B. Weiss) ou “O Sexo e a Cidade” (1998-2004, Darren Star).
Para o consumidor do streaming, isto pode, efetivamente, trazer vantagens. A junção de duas marcas numa só pode, eventualmente, diminuir os custos para o consumidor que tenha assinado ambas as plataformas. Para quem escolheu assinar apenas uma delas, pode vir a sofrer um eventual aumento de preço mas, em contrapartida, um grande impulso na oferta de novos conteúdos.
No entanto, a dúvida maior em cima da mesa é: como vai a Netflix dividir as despesas entre as suas três marcas – ou seja, a marca-mãe, a Warner Bros. Studios e a HBO Max? A curto prazo é bem provável que os conteúdos da Warner e HBO sofram por serem novas marcas. É que uma aquisição de milhões tem de trazer rentabilidade a curto prazo… Para as obras já em produção, não deverá haver alterações mas e as que ainda não entraram em produção?
Os primeiros indícios e um paralelismo

Desde que a Netflix disponibilizou séries da HBO no seu catálogo em 2023, sentiu-se que algo podia estar a mudar. E com a Warner com problemas financeiros, esta foi uma das primeiras formas de acalmar o problema. Mas a venda não ficou excluída e vai, agora, ser concretizada.
Não é algo inédito já que também a Disney comprou a 20th Century Fox e a marca Fox praticamente ‘morreu’ desde então, tornando-se apenas e só a Disney. No entanto, apesar da Disney+, a empresa ainda investe nas estreias em sala de cinema. Aliás, a Disney é uma empresa com 102 anos. Sabe bem o que significa o cinema em sala.
Onde podemos estar também particularmente preocupados é se formos colecionadores de filmes e séries em formato físico e, aí, é bem importante este paralelismo com a Disney. Porquê? Porque, efetivamente, são escassos os lançamentos da Disney em Blu-Ray ou DVD. Fazem-no mas apenas para determinadas obras pois, para a Disney, o lucro pós-cinemas está na Disney+. Já nem falo de Portugal onde o mercado do home-video está morto. Contudo, com acesso à Amazon espanhola, sempre vamos conseguindo comprar alguns filmes recentes.
Ora, se pegarmos na Netflix, os lançamentos dos seus conteúdos em home-video contam-se pelos dedos. Em 18 anos de História enquanto plataforma de streaming são poucos os lançamentos em DVD / Blu-Ray. Lembro-me, por exemplo, de “House of Cards” (2013-2018, Beau Willimon), “Stranger Things” (2016-25, Matt e Ross Duffer), “Wednesday” (2022-, Alfred Gough e Miles Millar) ou “Grace and Frankie” (2015-22, Marta Kauffman e Howard J. Morris). E, nestes exemplos, apenas a primeira foi lançada em Portugal…
O que mais disse a Netflix deste negócio?

No comunicado de imprensa que a Netflix lançou esta sexta-feira, citam declarações de Ted Sarandos. O co-CEO da Netflix refere: “A nossa missão sempre foi entreter o mundo. Ao combinar o incrível catálogo de séries e filmes da Warner Bros. — desde clássicos intemporais como ‘Casablanca’ e ‘O Mundo a Seus Pés’ a favoritos modernos como ‘Harry Potter’ e ‘Friends’ — com os nossos títulos que definem a cultura pop, como ‘Stranger Things’, ‘KPop Demon Hunters’ e ‘Squid Game’, poderemos fazê-lo ainda melhor. Juntos, podemos oferecer ao público mais daquilo que ele adora e ajudar a definir o próximo século das narrativas.”
Para além disso, a Netflix espera acelerar na produção de conteúdos e atrair mais assinantes para a sua plataforma, já que ficará com um catálogo maior.
Como será, então, o futuro do cinema, televisão e streaming? Manterá a Netflix o legado da Warner Bros. no cinema e da HBO na televisão? Devemos preocupar-nos com o futuro do entretenimento?

