Silent Hill f, em análise
Silent Hill f representa uma evolução significativa da famosa série de terror psicológico, afastando-se da habitual atmosfera americana de inspiração Lynchiana para abraçar o horror japonês dos anos 60, em cenários rurais e húmidos como os de Ebisugaoka, inspirado em Kanayama. Apesar da mudança, mantém a essência perturbadora da saga e estabelece-se como um dos melhores capítulos da franquia. Tudo isto depois de um excelente remake que foi Silent Hill 2.
No centro da narrativa está Shimizu Hinako, uma estudante do secundário que vive num ambiente familiar opressivo: um pai autoritário, uma mãe submissa e uma relação fraturada com a irmã Junko, que se casou e a deixou sozinha.
Os conflitos domésticos culminam numa fuga pelas ruas desertas de Ebisugaoka, onde Hinako reencontra os amigos Sakuko, Rinko e Shu. Mas rapidamente a sua vida se transforma em pesadelo quando um monstro coberto de flores carnívoras e podridão começa a persegui-la, empurrando-a para becos, edifícios abandonados e, por vezes, para um reino espiritual onde é guiada pela enigmática figura de Fox Mask.
Ao contrário de outros títulos da série, Silent Hill f utiliza sobretudo as relações pessoais de Hinako para criar tensão, em vez de personagens estranhos e enigmáticos. A estética mistura o surrealismo de Satoshi Kon com o terror grotesco de Junji Ito, equilibrando o belo e o horrível: campos de arroz, ruas escolares e templos espirituais convivem com monstros de carne pulsante, bonecas animadas e inimigos inspirados em folclore japonês.
A música de Akira Yamaoka reforça essa atmosfera, fundindo os sons industriais da série com instrumentos tradicionais japoneses, coros e vozes guturais. Aliás, a banda sonora do jogo está mesmo muito boa!
Nevoeiro japonês
Visualmente, o jogo é deslumbrante e grotesco ao mesmo tempo: flores e sangue invadem a cidade, lugares sagrados revelam-se profanos e as criaturas – desde manequins deformados até figuras femininas cheias de barrigas pulsantes – perturbam e fascinam. A ligação entre cenários e temas narrativos é profunda, já que Silent Hill aqui é tratado como um estado de espírito, metáfora da psique humana, mais do que um local físico. Este aspeto é um dos trunfos do jogo, e se podemos dizer que as animações faciais poderiam estar melhores, a verdade é que os cenários contam uma história a cada detalhe, e isso é fantástico.
A jogabilidade combina puzzles e combate. Existem cerca de uma dúzia de enigmas, incluindo um que atravessa todo o jogo e só pode ser resolvido em múltiplas repetições do jogo. Alguns são desafiantes e criativos (descodificação de símbolos, medalhões, corredores labirínticos), outros menos inspirados. A verdade é que alguns foram realmente difíceis, o que gostei, porque aumentam ainda mais a tensão do jogo.
O combate, mais fluido e próximo de um “soulslike”, exige esquivas e parry no momento certo, até porque a nossa personagem é fisicamente fraca contra estes monstros e as armas nunca são realmente poderosas. Apesar de algumas falhas de responsividade e frustração em espaços apertados, é uma das mecânicas mais envolventes da saga. Mantém também o espírito de Silent Hill: lutar raramente compensa, pois os inimigos não largam itens nem experiência, e os recursos são escassos. Tudo o que gastamos, podemos mais tarde precisar…
Sem descanso e sem abundância
Outro elemento importante é a gestão de recursos e upgrades permanentes. As armas degradam-se e os objetos podem ser usados para curar ou convertidos em “Faith” em santuários, desbloqueando talismãs ou melhorias de estatísticas que permanecem em New Game Plus. Este sistema incentiva a rejogabilidade, ainda mais porque o jogo oferece cinco finais, sendo que o primeiro está pré-determinado. Só após várias jogadas, cada uma com bosses e conteúdos diferentes, se compreende plenamente a história. Confesso que no início achei que poderia ser forçado e até “chato” termos de jogar novamente o jogo, mas tudo se liga muito melhor ao fim das 5 vezes.
Em termos de narrativa, Silent Hill f destaca-se pela ousadia e profundidade, tal como é normal em muitas histórias japonesas. Explora temas como papéis de género na sociedade, identidade, isolamento, família, equilibrando clareza e ambiguidade de forma magistral. Cada jogada não é apenas uma repetição, mas uma peça de um puzzle maior, convidando a reflexão e emoção. Tudo isto acaba por fazer sentido no fim do jogo, e mesmo que possam não apreciar tanto alguns temas, a verdade é que tudo encaixa e percebe-se a visão e a mensagem do jogo.
Toca a repetir o jogo mais 4 vezes…
Com cerca de 10 horas por cada run para terminarem o jogo, múltiplos finais, visuais arrepiantes, uma banda sonora marcante, puzzles inteligentes e um enredo emocionante, Silent Hill f não é apenas um regresso à série – é uma evolução notável, um marco de terror psicológico e narrativa dentro dos videojogos. É verdade que tem falhas e os temas mais importantes não irão agarrar todos os jogadores, mas globalmente é um jogo muito bem conseguido, ficando a dúvida que a saga voltará aos cenários japoneses no futuro.