Woody Allen | © NOS Audiovisuais

Woody Allen 90 Anos | Cancelado, Genial, Imperfeito

Entre o #MeToo e Manhattan, entre o amor e o sarcasmo, mas também a maldade humana, Woody Allen chega aos 90 anos como quem chega à última cena: irritante, brilhante, indestrutível, filmando melhor do que nós sabemos sentir.

Woody Allen faz 90 anos. E qual é o melhor filme de Woody Allen? A pergunta é armadilhada. Muda com a idade, com o humor, com a meteorologia emocional. Aos 20 respondemos “Annie Hall”, porque o amor falhado ainda parece romântico; aos 40 respondemos “Manhattan”, porque começamos a perceber que a beleza também dói; mais tarde dizemos “Hannah e Suas Irmãs”, quando descobrimos que a família é o inferno com talheres de prata. Aos 90, talvez Woody respondesse: o próximo. O que ainda não fiz. Nascido a 30 de novembro ou 1 de dezembro — depende das biografias, do azar do calendário e da ironia universal — Woody Allen chega aos 90 como chega ao fim de um filme seu: com graça melancólica, envelhecido mas não velho, cancelado mas eterno, sobrevivente num mundo que já tentou apagá-lo. O corpo dobra, a reputação divide, mas os filmes? Os filmes ficam.

Pub
Woody Allen
© Woody Allen

São 50 filmes, quatro Óscares, três mil neuroses e um clarinete:
E, sobretudo, a capacidade rara de filmar o amor não como o queremos, mas como ele é: ridículo, cínico, imperfeito, profundamente humano. Woody Allen envelhece; nós é que fingimos não notar. Ou talvez preferimos discutir a biografia do homem em vez do espelho que ele nos devolveu.

Woody Allen Annie Hall Prime Video Oscar streaming
Annie Hall © United Artists

ANNIE HALL (1977) – O AMOR QUE FICA MESMO QUANDO PARTE

Pub

Não é sobre o romance é sobre a ruína. Sobre o que resta quando o amor se vai, sobre a memória que inventamos para não sofrer. “Annie Hall” ganhou Óscares, mas mais do que isso: ganhou o direito eterno de ser a comédia romântica mais honesta de sempre. Woody disse-nos que o amor não salva ninguém. Mas mesmo assim vale sempre a pena.

Cinemateca Portuguesa
Manhattan ©United Artist

MANHATTAN (1979) – A CIDADE COMO PECADO E SALVAÇÃO

Pub

Fotografia a preto e branco, porque a memória também o é, pelo menos para quem já viveu o suficiente para o saber. Gershwin como batimento cardíaco. E Woody a apaixonar-se por uma adolescente: desconfortável, profético, moralmente escorregadio e — hoje — quase ilegal em conversa de jantar. “Manhattan” é mais do que filme: é ferida e postal, luz e culpa. Se Nova Iorque tivesse alma, falaria com a voz de Woody Allen.

 

Woody Allen
Hannah e as Suas Irmãs. ©United Artists

(1986) – A FAMÍLIA COMO GUERRA E COMO ABRAÇO

Pub

Freud descreveu a teoria, Woody filmou a prática. “Hannah e Suas Irmãs” é casa, caos, culpa, ternura e falhanço, tudo ao mesmo tempo, sem feriados como o de hoje. Um tratado emocional disfarçado de comédia. Rimo-nos porque dói; dói porque é verdade. No fundo, Woody sempre escreveu sobre nós: frágeis, inseguros, levemente patéticos, ansiosos por um gesto de amor.

 

woody allen
“Match Point” ©BBC Films

MATCH POINT (2006) – O FILME QUE EXPULSOU DEUS DA SALA

Pub

Chega Londres, chega o destino e chega a lógica cruel do acaso. “Match Point” não perdoa, não consola, não dá redenção. O crime compensa, a sorte manda e nós assistimos cúmplices, de mãos limpas e alma suja. É talvez o filme mais frio e cruel de Woody Allen. Talvez por isso seja um dos melhores.

Notre Dame
Owen Wilson e Carla Bruni por detrás da Catedral de Notre Dame. ©Allen’s Gravier Productions

MEIA-NOITE EM PARIS (2011) – A NOSTALGIA COMO DROGA LEGAL

Pub

Todos queríamos fugir para outra década, pelo menos uma ou duas vezes por mês. Woody filmou isso. Hemingway, Fitzgerald, Picasso à mesa como se fossem velhos conhecidos de café. “Midnight in Paris” é o sonho acordado que o cinismo não conseguiu matar, champanhe líquido para quem sofre de saudade crónica.

“Blue Jasmine” ©Canal Cinemundo

BLUE JASMINE (2013) – CATE BLANCHETT EM ERUPÇÃO

Pub

Aqui Woody estava ácido, clínico, implacável. Blanchett oferece-nos um dos maiores desempenhos do século; Woody devolve-nos o espelho do colapso social. “Blue Jasmine” é queda, fachada, classe com vertigem. O riso nasce do desconforto, o terreno natural do cineasta.

Golpe de Sorte
Golpe de Sorte ©NOS Audiovisuais

COUP DE CHANCE / GOLPE DE SORTE (2023) – O ADEUS? OU APENAS MAIS UM ATO?

Pub

Filmar em francês aos 87 anos não é despedida, é teimosia, vaidade existencial, sobrevivência. “Golpe de Sorte” repete os vícios do costume: desejo, acaso, culpa. O velho mestre toca jazz com uma mão só e ainda soa melhor do que muitos com orquestra. Dizem que o próximo será em Madrid. Em espanhol. Allen a dizer “¡Hola!” é quase performance art.

Woody Allen
Recordações (1980)  © Jack Rollins & Charles H. Joffe Productions

Há quem o defenda. Há quem o condene. Hollywood virou-lhe costas, certa moral pública também, mas ele continuou. Filmou, escreveu, tocou clarinete e irritou meio planeta apenas existindo. Esse é o segredo: Allen nunca parou. E filmar, para ele, é viver. Woody Allen aos 90 anos não é unanimidade, felizmente. Unanimidades dão sono. Ele é o último romântico pessimista, patrono dos neuróticos funcionais, o homem que filmou a angústia com humor e o humor com angústia. Um cineasta que devolveu humanidade ao ridículo e isso é raro. Isso é precioso. Mesmo que não queiras, mesmo que finjas indiferença, hoje meio mundo está contigo e o outro meio tenta não estar. E nada te assenta melhor do que isso. Estes são os melhores filmes de Woody Allen ou não. Se quiserem saber, procurem-nos. Vejam-nos todos. Têm tempo. Ele já chegou aos 90…também a ver filmes. Parabéns, Woody.

JVM


About The Author


Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *