E Agora Invadimos o Quê?, em análise

Com E Agora Invadimos o Quê?, Michael Moore constrói, através da sua habitual irreverência, um dos mais humanos documentários do ano. 

A partir de um certo patriotismo americano, Michael Moore apresenta ao público E Agora Invadimos o Quê?, aquele que se sustenta como um dos melhores documentários do ano, pelo menos por enquanto. Através da música retirada diretamente do trailer de Inception, da autoria de Zack Hemsey, com o nome “Mind Heist” – traduzida para português como “roubo à mente” -, Moore começa a sua missão, que à partida parece bastante difícil. O seu propósito é claro: invadir alguns países com leis e normas literalmente inteligentes, roubá-las, transferi-las e, por sua vez, implementá-las no sistema político, económico, financeiro, educacional, institucional, judicial e cívico dos Estados Unidos da América – país que mais parece preocupado em espelhar ser o “melhor” país do mundo, do que a sê-lo realmente.

E Agora Invadimos o Quê

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Sete anos depois de Capitalism: A Love Story e doze depois de Fahrenheit 9/11, Moore regressa melhor do que nunca, um pouco mais velho mas com ideias ainda tão refrescantes. Em Where to Invade Next, no título original, o cineasta não apenas crítica os gastos exorbitantes da sua nação com a guerra, ou melhor com as guerras e com armas (sobretudo a mais recente e polémica guerra dos drones), como ainda prova que os Estados Unidos têm muito que aprender com outros povos. E que povos são esses? Uma inicial descrição dos mesmos será imprescindível.

A primeira viagem é até Itália, o lugar que conhecemos pelas massas e pelas pizzas, que oferece aos seus trabalhadores férias, férias e mais férias! Em terras de artistas como Leonardo Da Vinci, não há melhor lugar do mundo para ter direito às tão desejadas férias pagas, para já não falar da lua-de-mel e da acumulação de dias de descanso com feriados nacionais, municipais, licenças de maternidade, entre outras ocorrências. Aí, em tom bastante sarcástico, Moore mostra a riqueza de um país pelos seus cuidados laborais. Em seguida, o cineasta parte para França e delicia-nos com os almoços escolares gourmet, oferecidos não apenas em escolas do centro do país, mas aquelas dos subúrbios e até as mais carenciadas, que mesmo assim gastam menos do que as escolas dos EUA. Sucedem-se as políticas industrialistas da Alemanha, que para perplexidade de Moore ainda fabrica lápis (a visita à conceituada Faber Castell), a estadia na Eslovénia (não Eslováquia) com as suas propinas gratuitas, sem esquecer a Finlândia, uma nação com tudo o que de melhor um sistema de ensino pode oferecer. Além disso, há tempo para visitar Portugal, aplaudido pela despenalização das drogas leves, a Noruega com o sistema prisional de reinserção, a Islândia com a forte presença feminina no governo e no mundo empresarial e a Tunísia, com a legalização do aborto e de outros direitos para as mulheres.

E Agora Invadimos o Quê

De facto, por incrível que possa parecer, este documentário funciona bem como comédia, entrelaçando as supostas críticas sociais com um eloquente entretenimento. Todo o conceito é de uma inegável e impressionante criatividade, o que valeu a Michael Moore a nomeação a alguns afamados troféus, com destaque para os do Chicago International Film Festival e do Houston Film Critics Society Awards.

Ao que parece, Michael Moore sempre estivera interessado em contar uma história deste género. A ideia reporta a uma viagem que o próprio fez quando tinha 19 anos. É que durante uma estadia na Suécia, Moore acabou por lesionar-se no pé, sendo atendido de emergência, mas não tendo dinheiro para pagar a consulta. Sem esperar, o cineasta ficaria imediatamente perplexo diante da gratuitidade do serviço.

Mais notável em E Agora Invadimos o Quê? é a curiosidade do cineasta em descobrir algo que reconhecivelmente falta aos seus conterrâneos, no geral. É isso que permite em cada viagem, em cada estudo de caso, uma abundância de detalhes insinuante. Sempre com a bandeira americana pronta a ser plantada no terreno, ao estilo da fotografia “Raising the Flag on Iwo Jima”, de Joe Rosenthal tirada no ano de 1945, Michael Moore encarna uma atitude séria, em vez de defender o seu país num filme que serviria de mecanismo barato de publicidade dos dogmas americanos. Não há aqui (muito) tempo para  contactamos com inovações americanas como a McDonalds ou a Coca-Cola, temos é uma valorização do que os outros estados têm de bom. Talvez a única invenção americana que passará despercebida a toda a audiência é o cinema. A sétima arte, tal como todas as questões pensadas no filme, foi uma ideia que os americanos “roubaram” aos europeus, mais precisamente aos franceses irmãos Lumière, incutindo-a na memória das massas. O sucesso enquanto meio de comunicação (seja realista, fantasmático ou surrealista), é ainda visível ainda nos dias de hoje.

Com efeito, Moore, mais do que qualquer outra cineasta, consegue atestar a conceptualização do cinema como arma, essa ferramenta aos dispor da sociedade, e onde algumas verdades podem ser transmitidas, sem julgamentos exatamente pejorativos ou assertivos tidos por aqueles envolvidos na produção, mas que serão tomados por parte do espetador, aqui de preferência um espetador americano.

E Agora Invadimos o Quê

De considerar que durante uma das transições de um país para outro, Moore recorre a uma sequência de As Corridas Loucas de Ricky Bobby, em que as três personagens principais interpretadas pelos comediantes Will Ferrell, John C. Reilly e Sacha Baron Cohen discutem o que melhor a América oferece, sendo que as referências são, propositadamente, a produtos com origem noutros continentes. Contudo, e como dito ao início, E Agora Invadimos o Quê? não perde a sua matriz patriótica, uma vez que no final Moore reconhecerá aquilo que os Estados Unidos inventaram e que os outros também copiaram.

Entretanto, o documentário estreia em boa hora, posto que em novembro os Estados Unidos vão a eleições para escolher o próximo presidente a ocupar a Casa Branca e que substituirá Barack Obama. Grosso modo, algumas das questões de E Agora Invadimos o Quê? foram debatidas pelos candidatos. O ideal da grande nação americana está presente nos discursos de Donald Trump, Hillary Clinton e Bernie Sanders.

Em suma, sem ser intelectualmente excessivo ou partidário, mas investigando quanto baste a cultura de outros países, Michael Moore cria um dos filmes mais sinceros, realistas, mais bem documentados dos últimos tempos e, surpreendentemente, uma das visões mais otimistas e positivamente crentes de Moore da sua pátria de que temos memória.

E Agora Invadimos o Quê

O MELHOR – As verdades que o filme quer trazer ao de cima.

O PIOR – A angústia sentida caso o filme não tenha o impacto pretendido.

Consulta também: Guia das Estreias de Cinema | Junho 2016


Título Original: Where to Invade Next
Realizador:  Michael Moore
Elenco: Michael Moore
NOS Audiovisuais | Documentário | 2015 | 120 min

E Agora Invadimos o Quê

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VJ

 

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