Brooklyn e o seu estilo romântico
Brooklyn é um filme construído sob a base do romantismo clássico da Hollywood de outros tempos e o seu encantador guarda-roupa é uma parte fulcral da sua doce atmosfera de época.
Apesar de ter sido reconhecido tanto pelos Critics Choice Awards como pelo Costume Designers Guild, o trabalho de Odile Dicks-Mireaux em Brooklyn foi ignorado pela Academia de Hollywood. Tal falta de nomeação para os Óscares não aponta, no entanto, qualquer falta de qualidade nos figurinos de Brooklyn.
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Em Brooklyn acompanhamos a história de uma jovem rapariga irlandesa, Eilis (Saoirse Ronan) que, em 1952, viaja desde a sua terra natal até Nova Iorque, em busca de oportunidades que nunca encontraria na cinzenta existência da Irlanda do pós-guerra. Em solo americano, a recatada protagonista vai como que desabrochando numa flor de charme e encanto à medida que vai também desenvolvendo um romance com um jovem de origens italianas, Tony (Emory Cohen). Uma inesperada tragédia familiar leva-a a voltar inesperadamente para a Irlanda e coloca à prova a sua convicção em construir uma nova vida no novo continente. Logo por esta descrição, algumas linhas da narrativa visual do filme se começam a revelar, nomeadamente os valores da época, o desenvolvimento da personagem de Eilis e o contraste entre os dois mundos da Irlanda e dos EUA.
O filme inicia-se na Irlanda do início dos anos 50, mas não é o estilo característico dessa década que se manifesta no vestuário das personagens. Visualmente, a terra natal de Eilis é apresentada ainda preso aos valores e estéticas que marcaram o período de guerra e racionamentos restritos, onde mesmo o tecido era limitado, influenciado as modas e resultando numa severa modéstia e falta de cor e decoração. Nas cenas irlandesas, na verdade, o único elemento que rompe com a existência cinzenta das suas personagens é a paisagem natural do país, onde o verde ilumina as imagens com uma doce intensidade.
A existência modesta irlandesa é concretizada em inúmeros detalhes de magnífica, se subtil, importância. O modo como Eilis nunca usa saltos, a não ser em ocasiões especiais, por exemplo, demonstra imediatamente uma frugalidade inerente à pobreza da sua terra natal em que arranjar os tacões dos seus sapatos seria algo demasiado dispendioso, e comprar mais pares que o essencial, algo abjetamente absurdo. Para além disso, o filme também chama atenção para a diminuta quantidade de posses da protagonista, nomeadamente quando a vemos preparar a sua mala de viagens para a viagem transcontinental que propulsiona a sua narrativa e lhe altera por completo a vida.
Toda esta imagética a refletir as cicatrizes económicas e sociais do pós-guerra se altera quando Eilis chega a Nova Iorque, onde os anos 50 e seus estilos característicos são algo comum. Ao contrário da Irlanda, as paisagens americanas são de ambientes urbanos cinzentos sem a verdejante vitalidade das colinas irlandesas mas estão repletas de pinceladas de vitalidade sob a forma dos figurinos dos elementos humanos, mesmo os mais discretos figurantes. Assim se vai verificando uma crescente quantidade de cor nos figurinos do filme e em toda a sua mise-en-scène, tanto em Eilis como no resto do elenco, indicando o avançar da narrativa e o desenvolvimento da protagonista.
Especialmente depois de começar a desenvolver um romance com Tony, o guarda-roupa de EIlis vai demonstrando uma grande mudança, refletindo a prosperidade americana e a crescente segurança desta jovem irlandesa na sua nova nação. De recatada modéstia, Eilis converte-se numa deliciosa sobremesa visual em cores vivas e estilos que demonstram os charmes dos anos 50 de tal modo que as suas roupas parecem perfeitas para qualquer amante de modas vintage dos dias de hoje.
De destacar está o conjunto que a protagonista enverga aquando de uma ida a Coney Island. Um perfeito exemplo do charme do estilo da década de 50, pontuado pelo magnífico fato de banho verde que é usado por Saoirse Ronan numa das mais joviais cenas de todo este romance de época.
O verde, na verdade, é uma das cores mais importantes do filme, manifestando-se em inúmeros figurinos de Eilis como que servindo de cordão umbilical desta expatriada para com a sua nação de origem, a Irlanda, onde o verde é como que um ícone cromático.
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Para além de usar uma magistral manipulação das paletas cromáticas do filme, Dicks-Mireaux empregou na construção da personagem de Eilis uma maravilhosa pesquisa histórica, feita maioritariamente à base de entrevistas, tanto da sua própria família como de estrelas de cinema de outrora, exacerbando assim a luminosa qualidade de estrela que a presença de Saoirse Ronan tanto transmite.
Esta visão de Eilis como uma estrela de cinema é apenas salientada aquando do regresso de Eilis à Irlanda, onde o contraste entre a sua sofisticação americana e a modéstia compulsiva da população à sua volta se torna um dos mais importantes elementos da narrativa visual do filme.
Outra parte essencial da linguagem dos figurinos é a repetição. Algo essencial na credível criação do guarda-roupa de uma pessoa com limitações monetárias, mas que se torna magistral neste filme. Eilis repete quase que exatamente o mesmo conjunto quando vai à praia com Jim que quando foi à praia com Tony. Assim, a partir destas cuidadas escolhas estilísticas, o próprio vestuário vai-se marcando como uma parte intrínseca da viagem emocional da protagonista de Brooklyn.
Mas não é só de louvar o guarda-roupa de Eilis, sendo que Brooklyn é um filme marcado por um formidável e numeroso elenco. No que diz respeito aos dois grandes interesses amorosos, por exemplo, as roupas são essenciais no seu contraste, mostrando como Tony é uma visão de descontraído encanto americano enquanto Jim (DOmnhall Gleeson) se revela como uma imagem de conservadorismo tradicional resultante da cultura de pós-guerra vivida na Irlanda da época.
Também as restantes personagens femininas são de celebrar tanto pelas maravilhosas interpretações do elenco como pela sua maravilhosa concretização estilística. De destacar é a elegância austera de Jessica Parré, sempre vestida de preto enquanto chefe de Eilis no armazém em que Eilis trabalha como lojista em Brooklyn, e a panóplia de coloridas colegas de casa da protagonista.
Brooklyn é um filme rico na elegância modesta de um passado visto através do filtro da nostalgia, lembrando os romances mais clássicos e tradicionais de uma Hollywood de outros tempos e, apesar de terem sido ignorados pela Academia, os seus maravilhosos figurinos, construídos maioritariamente a partir de peças vintage, são uma parte essencial disso mesmo.